“Vender em maio e ir embora” e outros adágios nas bolsas

Investir com base no calendário desafia a ideia de que os mercados financeiros são eficientes e os investidores são racionais na definição das suas decisões de investimento. O tema das finanças comportamentais assume uma relevância crescente na evolução das bolsas e ajuda a explicar muitos dos movimentos que se verificam nos mercados e que não têm uma justificação lógica.

Os adágios são um tema muito antigo nos mercados e nunca deixaram de estar na moda, continuando muitas vezes a servir de justificação para as variações nas cotações das ações. E muitos investidores continuam a explorar os padrões de comportamento das bolsas em busca de retornos mais elevados.

Contudo, utilizar o efeito calendário para adotar decisões de investimento, em vez dos fundamentais das empresas ou dos dados económicos, faz pouco sentido, sobretudo se seguido de forma “cega”. Mesmo que as estatísticas e a análise aos dados históricos mostrem que muito dos adágios produzem resultados positivos na maioria das vezes.

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“Sell in may and go away”

Chegados ao mês de maio, é tempo de avaliar se é boa opção seguir o adágio mais famoso da bolsa, que manda sair do mercado este mês e só regressar no Outono.

Sell in May and go away, come back on St. Leger’s Day”. A origem deste ditado remonta à primeira metade do século passado e teve origem em Londres. A recomendação passava por os investidores venderem as ações em maio, aproveitarem as férias de verão evitando as temperaturas mais elevadas da capital britânica, regressando apenas após a conhecida corrida de cavalos de St. Leger Stakes.

“Sell in May and go away, come back on Labour Day”. Os norte-americanos adaptaram este adágio ao seu calendário, antecipando o regresso dos investidores para o Dia do Trabalhador no país (celebrado na primeira segunda-feira de setembro).

Mas a ideia é exatamente a mesma e baseia-se na perspetiva de que os meses entre maio e outubro (ou setembro) apresentam os desempenhos mais fracos do ano, pelo que é preferível estar fora do mercado. A liquidez mais reduzida durante os meses de férias, o menor dinamismo económico, a atividade empresarial mais reduzida e o fim da época de apresentação de resultados do primeiro trimestre justificam esta recomendação.

Já foram efetuados inúmeros estudos sobre esta teoria que compravam a sua eficácia. Uma análise simples à evolução da bolsa norte-americana também evidencia que pode fazer sentido seguir a estratégia de vender em maio e regressar em outubro.

Desde 1990, o índice S&P500 alcançou um retorno médio anual de 7% entre novembro e abril, o que compara com uma valorização média anual de apenas 2% entre maio e outubro. Acresce que o período entre novembro e abril foi positivo em 77% dos anos, enquanto entre maio e outubro a preponderância dos anos positivos baixa para 66%.

Apesar do desempenho superior nos meses anteriores a maio, os seguintes também apresentam um retorno positivo, pelo que se o investidor não encontrar uma alternativa com rendimento superior, a melhor opção até passaria por nada fazer em maio.

Além disso, em muitos anos esta estratégia de sair do mercado resultou num rotundo falhanço. Basta recuar a 2020, ano em que as ações registaram perdas muito acentuadas nos primeiros meses da pandemia (sobretudo fevereiro e março), para depois dispararem após maio.

A versão original do adágio manda vender as ações e ficar com o dinheiro em carteira, para depois aplicar no regresso. Outras versões mais livres recomendam uma rotação de carteiras, com a troca de ações por obrigações, ou mesmo por ações mais defensivas.

E em 2023?

Qualquer estratégia de investimento deve ser adotada em função do momento que se vive na altura nos mercados, pelo que os investidores que confiam nos adágios não os devem seguir de forma cega.

Em 2023 até estão reunidas as condições para a estratégia de vender em maio voltar a dar certo. Os índices acionistas globais estão a marcar ganhos acentuados desde o início do ano, com o europeu Stoxx600 a marcar mesmo valorizações de dois dígitos.

Isto numa altura em que se estão a acentuar os sinais de recessão económica, sobretudo nos Estados Unidos, na segunda metade do ano. A contração da atividade económica acentuará a pressão sobre os resultadas das empresas, que já estão a encolher face a 2022, o que se deverá refletir nas cotações das ações.

Por outro lado, a deterioração da atividade económica terá efeitos positivos na trajetória da inflação, o que acentuará a necessidade de os bancos centrais concluírem o ciclo de agravamento da política monetária.

Sendo verdade que, historicamente, as bolsas desvalorizam em períodos de recessão económica, também é habitual que valorizem em períodos de inversão da política monetária. A evolução da inflação poderá ser a chave para evolução dos mercados financeiros, pois se os preços aliviarem de forma mais pronunciada, os bancos centrais ganham margem para baixar os juros de forma mais célere do que está a ser antecipado atualmente.

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Efeito janeiro

O adágio que relaciona o mês de janeiro como um período positivo para as ações também desafia a convicção de que os mercados são eficientes e os investidores são racionais nos seus investimentos.

Assinalado pela primeira vez nos anos 60, o Efeito Janeiro é um adágio que argumenta que os mercados acionistas registam um bom desempenho no primeiro mês do ano, superando a prestação dos meses seguintes.

Tem por base diversos fatores, como a tendência para os investidores renovarem o otimismo com o dobrar do ano e maior disponibilidade financeira devido ao pagamento de bónus e prémios. Reflete também o facto de muitos investidores venderem ações em dezembro por motivos fiscais e recomposição de carteiras, comprando-as mais baratas no mês seguinte. Janeiro também é o mês mais habitual para cumprir as resoluções de Ano Novo, como constituir uma poupança através do investimento em ações.

Os dados históricos mostram que janeiro regista uma valorização média superior a outros meses, embora a tendência tenha vindo a perder fulgor nos últimos anos. Dezembro, novembro e abril são, de facto, os meses que apresentam os retornos mais elevados em Wall Street.

Olhando para os anos mais recentes, janeiro de 2023 foi de facto muito positivo (S&P500 subiu 6%), mas em 2022, 2021 e 2020 o principal índice de Wall Street desvalorizou. Nos últimos 30 anos, o S&P500 subiu em 17 e desceu em 13. Dados que dão argumentos aos investidores que olham para este adágio como um mito.  

Como vai janeiro, vai o ano inteiro

Outro dos adágios mais conhecidos nos mercados também tem o mês de janeiro como ponto fundamental. Argumenta que o desempenho anual das bolsas é determinado pelo resultado registado em janeiro. Ou seja, se as ações sobem em janeiro, esse ano será positivo. Se caem, o saldo anual será de sinal negativo.

Utilizar janeiro como barómetro para o resto do ano tem por base o facto de os mercados refletirem antecipadamente as perspetivas para a evolução da economia e das empresas. Sendo o primeiro mês do ano bastante fértil em perspetivas para o resto do ano, por parte de analistas e empresas cotadas, é normal que os investidores tentem captar de imediato os movimentos que estimam para os meses seguintes.   

Também este adágio parece estar a bater certo em 2023. A tendência de alta que se verificou nas bolsas em janeiro persistiu nos meses seguintes e, embora esteja ainda cumprido apenas um terço do ano, os índices acionistas globais vão bem lançados para terminar o ano em terreno positivo.

Depois de um 2022 marcado por desvalorizações muito acentuadas, os investidores arrancaram 2023 convictos de que este seria um ano de recuperação. O facto de a muito antecipada recessão global não se ter ainda materializado, e de serem firmes as expectativas de que os bancos centrais vão suspender o ciclo de subida de juros, também reforçou o otimismo de que este ano será positivo nas bolsas.   

Este adágio tem dois grandes pecados. Ignora os ciclos económicos, que não obedecem a calendários anuais. E também não contempla os eventos que possam acontecer nos restantes 11 meses e tenham potencial para inverter totalmente o desempenho que se verificou em janeiro.

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Rally do Pai Natal

Se as bolsas valorizam nos últimos dias do ano, é comum na imprensa este movimento surgir associado ao Pai Natal. Este adágio também está muito relacionado com as finanças comportamentais, pois relaciona a valorização das ações ao sentimento positivo geralmente associado a esta época festiva que junta o Natal à passagem do ano.

Há outros fundamentos mais técnicos, como os ajustes de carteiras no final de ano e o reforço dos gastos dos consumidores nesta altura. O rally do Pai Natal também é justificado com o facto de muitos investidores profissionais estarem fora do mercado, dando espaço aos tradicionalmente mais otimistas investidores de retalho para comandarem as variações das ações.

Os dados históricos mostram um desempenho apenas marginalmente superior de Wall Street neste período natalício, evidenciando que as bases que sustentam este adágio são pouco firmes.

Tendo em conta a importância das finanças comportamentais e que os mercados ainda estão longe de serem eficientes, é útil conhecer os adágios das bolsas. Mas mais importante é não cometer o erro de tomar decisões apenas com base nestas teorias. Para os investidores de longo prazo, o melhor é mesmo ignorar os adágios e não atribuir demasiada importância às oscilações de curto e médio prazo nos preços das ações ou outros ativos cotados.

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