Nós e a crise

Com tanta celeuma sobre o clima económico que se vive nos últimos tempos, dedico o artigo de hoje a falar do impacto desta crise no dia a dia das pessoas.

O que já se sente

Bem, os portugueses já sentiram diferenças.

Quem faz as compras de supermercado seguramente notou que, de há um ano para cá, houve vários preços, sobretudo alimentos, que subiram um pouco mais que o habitual.

Da mesma forma tem-se assistido a aumentos consecutivos nos preços dos combustíveis o que normalmente implica aumentos em tudo.

As bolsas têm caído. Só nos primeiros meses do ano o PSI20 chegou a perder quase 1/3 do seu valor.

À conta da subida dos preços o Banco Central Europeu aumentou as taxas de juro (é uma das formas de manter a inflação controlada e evitar que os preços disparem ainda mais) e, à semelhança do que se passou nos EUA, os níveis de incumprimento no pagamento de créditos têm vindo a aumentar.

O número de casas à venda em hasta pública aumentou e, estando o mercado imobiliário cheio de casas a preços baixos, o valor das propriedades tem diminuido também (quem quer vender vê-se forçado a baixar o preço para arranjar quem compre).

Mas não foi assim que tudo começou nos EUA?

Nada que se pareça. Começando pela crise do crédito:

Então e as falências dos bancos?

Bem, em primeiro lugar, os nossos bancos não têm grandes relações com os bancos americanos. Algumas perdas houve, sem dúvida, mas nada de muito significativo. Pelo que, para já, não estão em risco.

As nossas regras também são diferentes. As seguradoras, por exemplo, são obrigadas a ter os seus activos cá em Portugal para suportar os seus negócios cá. Ou seja, a falência de uma nos EUA não significa que a filial portuguesa fique comprometida - as seguradoras portuguesas não respondem pelos problemas de liquidez das americanas.

Mesmo que um banco não conseguisse pagar o dinheiro às pessoas que de repente o queiram levantar, poder-se-ia accionar o fundo de garantia de depósitos que foi criado justamente com esse fim e que cobre até 25 000€ por titular. Ou seja, a generalidade das pessoas que confiam as suas parcas economias aos bancos está relativamente segura.

O que importa é sobretudo afastar a ideia de que é melhor correr a tirar o dinheiro do banco. Quem quiser que o faça mas de cabeça fria e depois de achar que é a melhor decisão. A verdade é que, sendo uma crise que afecta sobretudo as instituições financeiras, é agora mais do que nunca que elas precisam do nosso dinheiro para continuar sem problemas. Não é à toa que as taxas dos depósitos a prazo está em alguns casos acima das taxas de referência; ou que os spreads voltaram a aumentar (há coisa de um ano havia por aí muitos spread "0%", mesmo que promocionais, lembram-se?)

Então vamos passar ao lado da crise?

Bem, não. Como já disse, há algumas consequências que já se fazem sentir.
E, se é verdade que Portugal não depende assim tanto dos EUA, depende de outros países mais próximos que, por sua vez, têm relações mais fortes com eles. Ou seja, se esses países começam a ter problemas (como já se ouve falar nas notícias), vamos acabar por apanhar por tabela.

Mesmo assim, e uma vez mais, não há neste momento motivos para pânico. Há muitos sinais que indicam que a nossa economia está melhor que muitas outras aqui ao lado. E, verdade seja dita, estamos a ter tempo para nos preparar para o pior, ou seja, quando o pior cá chegar, as consequências serão seguramente outras.

Aliás, há mesmo quem diga, que o facto de termos andado a resolver uma crise interna nestes últimos anos tem sido muito bom para robustecer a nossa economia e nos tornar mais resistentes a esta nova crise. Sinceramente não sei se sim nem se não mas é verdade que várias coisas melhoraram nos últimos anos (mas várias outras pioraram também).

Seja como for, a discussão do orçamento de Estado deste ano deve ser interessante - vamos ter um orçamento virado para a crise, como muitos dizem, ou um orçamento com medidas populistas destinadas a ganhar a próxima eleição?

Conclusão

Em resumo, acho que apesar de ainda não termos visto o pior desta crise, não há motivos para pânico e nem sequer para achar que vamos ficar tão mal como os EUA. Há mecanismos que protegem financeiramente os mais pequenos e "inocentes" digamos assim.

No entanto, é preciso estar atento. Haverá seguramente vários casos individuais de pessoas que vão perder muito sem contar com isso. Tentemos não ser apanhados desprevenidos. Por exemplo, é verdade que é boa altura para comprar casa por estarem baratas. Mas com as taxas ainda a subir, se calhar não é boa ideia endividar-se até à ponta dos cabelos para o conseguir fazer.

De resto, o que se pode fazer é o que já foi sugerido vezes sem conta - tentar reduzir o peso dos créditos no orçamento familiar, pagando-os assim que possível; poupar dinheiro evitando gastos desnecessários e amealhando uma reserva para dias menos felizes; planear antecipadamente o dinheiro que se vai gastar.

Uma nota final - alguns pontos deste artigo serão discutíveis ou estarão pouco claros (o artigo é demasiado abrangente e já vai longo, não quis entrar em demasiados detalhes). Cá estarei para tentar esclarecer melhor o meu ponto de vista sobre esses pontos se for caso disso.

Estes argumentos e conclusões são o resultado da leitura que tenho feito nos últimos tempos para tentar acompanhar o que se passa. Façam o mesmo: mantenham-se informados e julguem por vocês próprios, criem a vossa visão da crise. Se encontrarem contradições no meu texto agradeço que mas indiquem.

Se tiverem dúvidas genéricas sobre este assunto, talvez o melhor seja colocá-las no fórum para as podermos discutir todos em conjunto.
Entretanto, vou tentar voltar aos artigos mais simples durante uns tempos 😉

Autor: Paulo Aguiar