Comprar casa? Ainda é um desafio para pessoas com deficiência

As pessoas com deficiência assumem, nos dias de hoje, um papel cada vez mais ativo na sociedade. Fruto de diversas políticas de inclusão, têm hoje um mais fácil acesso à educação, mercado de trabalho, cultura e lazer, entre várias áreas. Se, no passado, as pessoas com deficiência não conseguiam ter a sua independência financeira (fruto do isolamento a que eram forçadas e à falta de igualdade de oportunidades), atualmente, e principalmente devido ao acesso ao mercado de trabalho, conseguem ter um rendimento que lhes permita ter objetivos de vida, entre os quais a compra de casa própria.

Mas tal acesso não é sinónimo de facilidade. Aliás, ainda há muito caminho a percorrer para que as pessoas com deficiência consigam ter condições justas para a sua realidade.

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A pessoa com deficiência pode ter crédito diferenciado… mas apenas se o banco concordar

As pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60% têm um processo que visa proteger e facilitar o acesso ao crédito habitação, o chamado regime de crédito bonificado à habitação. O mesmo tem várias regras e condições de acesso mas, de forma geral, é um ponto de partida para um ajuste às condições das pessoas com deficiência motora.

Para exemplificar a diferença, fizemos uma rápida simulação para analisar quanto pode diferir o regime comercial e o regime bonificado.

Nota: simulações realizadas a 6 de julho de 2023 e com seguros incluídos (vida e multirriscos habitação). No regime comercial, é considerado um contrato com taxa variável, indexado à Euribor a 6 meses.

É uma diferença considerável na prestação mensal. Mas o que parece ser uma grande vantagem pode revelar-se enganador. Como sempre, temos de estar atentos às letras pequenas nas condições. Passamos a explicar, de forma muito breve e sucinta, o que pode impactar o valor das prestações:

- A não celebração do contrato de seguro de vida com todos os riscos e incertezas que isso acarreta (e.g. no caso de morte do titular, os herdeiros legais herdam a divida bancária) – mas relembramos que a instituição bancária pode recusar a concessão de crédito sem o seguro de vida e, então, pode não ser opção;

- A segunda opção é tentar subscrever um produto de seguro de vida associado ao crédito habitação. Parece simples, mas não é! O seguro de vida neste crédito cobre habitualmente a invalidez absoluta e definitiva ou invalidez para a profissão, que normalmente varia entre 60% e 66% de incapacidade. Mas se uma pessoa com deficiência para ter acesso ao crédito bonificado já tem um mínimo de 60% de incapacidade, não lhe é aceite o acesso a essa modalidade. No caso de um tetraplégico que tenha 95% de incapacidade, pode ser feito seguro de vida? Pode conseguir, mas com um agravamento do preço a pagar tão grande que pode anular o benefício do regime bonificado.

Quando tentamos fazer um seguro de vida, a seguradora pode aceitar, aceitar com agravamento ou recusar. No caso das pessoas com deficiência, o mais provável é que a seguradora aceite ou agravamento, ou recuse mesmo o pedido de subscrição do seguro.

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Como é que a inclusão de pessoas com deficiência pode (e deve) ser feita

Tem sido feito um longo percurso no caminho da inclusão de pessoas com deficiência, percurso esse impulsionado por políticas públicas, por associações/organizações e pelas próprias pessoas com deficiência, mas a sociedade tem de acompanhar esse caminho. As instituições bancárias e seguradoras devem atualizar as suas ofertas para que se tornem mais inclusivas e igualitárias.

Embora não existam números oficiais, estudos e inquéritos apontam para que a percentagem de pessoas com deficiência ronde 15% da população. É uma “grande minoria” que deve ser encarada, em última instância, como fator contributivo para a economia. O que se pede não é caridade, mas sim justiça e igualdade.

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