Vou comprar uma casa que está arrendada, que aspetos devo ter em conta?

A compra de uma casa representa um passo importante e um investimento significativo. Por isso, antes de fechar o negócio, existem sempre aspetos que deve ter em conta. E estes aspetos vão para além do óbvio. Claro que é (muito) importante todos aqueles fatores que os seus olhos conseguem ver na visita ao imóvel, contudo, é igualmente importante aqueles que não consegue ver, como é o caso da documentação do imóvel.  

A verdade é que deve sempre procurar saber o máximo de detalhes possíveis sobre a casa que vai comprar. Neste caso falamos de detalhes como: a possibilidade de o proprietário vender o imóvel com inquilinos a habitar no mesmo. E ainda que esta prática esteja consagrada na lei, e que seja um direito do proprietário poder vendê-lo livremente, o comprador deve também ter em consideração algumas questões, evitando assim surpresas futuras.  

O contrato de arrendamento cessa no momento da venda?  

Não. Quando existe um processo de venda de uma casa com inquilinos a habitar na mesma, o que acontece é que o contrato de arrendamento se mantém, sendo apenas transmitido a um terceiro, neste caso para o novo proprietário. Ou seja, ao comprar o imóvel, passa a ser automaticamente o novo senhorio, tendo assim que assumir os direitos e obrigações inerentes a tal.  

A partir desse momento, se pretender rescindir o contrato de arrendamento, terá que analisar as cláusulas do mesmo. Por exemplo, deve aguardar que o mesmo termine, ou, no caso de precisar do mesmo para habitação própria e permanente ou para os seus filhos, pode cessá-lo, mas respeitando sempre os prazos e os direitos do inquilino.  

A denúncia do contrato também é possível se pretender fazer obras no imóvel. A isto não se aplica pintar paredes, mudar o chão ou fazer pequenas remodelações, por exemplo. Têm de ser obras profundas. 

Se por outro lado, pretender manter o contrato, mas alterar algumas condições, poderá fazê-lo quando o contrato terminar ou até mesmo quando este estiver a transcorrer, desde que comunicado e aceite por ambas as partes (proprietário e arrendatário). Para fazer as alterações, basta fazer uma adenda ao contrato já existente. 

Contudo, salientamos que existem algumas exceções, aos quais pode requerer uma maior análise da sua parte, como é o caso dos contratos vitalícios.  

E no caso de o imóvel ter associado um contrato de arrendamento vitalício?  

Se o imóvel que pretende comprar tem associado um contrato com Direito Real de Habitação Duradoura (DHD), mais conhecido por contrato vitalício, então o cenário é bem diferente. Estes são contratos que foram aprovados pelo Governo e que dá direito ao inquilino de ficar a morar na casa durante a vida toda, sem precisar de a comprar. 

Ou seja, neste caso, não pode extinguir o contrato se o morador cumprir todas as suas obrigações. E mesmo que alegue que precisa do imóvel para habitação própria permanente, esta justificação também não é válida.  O contrato só se extingue se o morador assim o quiser, se morrer ou quando o último titular falecer.  

O proprietário pode apenas extinguir o contrato quando existe incumprimento definitivo. Considera-se incumprimento definitivo o não pagamento de montantes devidos pelo morador após serem ultrapassados os prazos estabelecidos e a reincidência de atrasos no pagamento de montantes devidos, entre três e cinco vezes seguidas ou interpoladas, consoante o tempo do contrato. Os pagamentos devidos podem ser relativos a prestações mensais, taxas e IMI, obras obrigatórias e avaliações. 

Se o imóvel precisar de obras profundas que obriguem à sua desocupação, poderá negociar o pagamento de uma indemnização com o morador, mas este não tem qualquer obrigação de aceitar. A solução neste caso passa por encontrar um alojamento equivalente para o morador, tendo este o direito de regressar ao imóvel após terminadas as obras.  

Em caso de morte do proprietário, e uma vez que o contrato é vitalício para o morador, os herdeiros continuam sem poder fazer a sua rescisão.  

E se não existir um contrato de arrendamento associado? 

A verdade é que podem existir inquilinos na casa, mas não existir propriamente um contrato de arrendamento. Embora não seja legal, é ainda muito comum imóveis arrendados sem qualquer contrato, uma vez que se trata de um negócio mais vantajoso para o proprietário e, nalguns casos, também para o arrendatário (embora esta falha não seja da sua responsabilidade).  

Por isso, se pretender avançar para a compra de um imóvel nestas condições, deve procurar saber junto das entidades indicadas, o que poderá fazer legalmente. Mas isto, antes de fechar o negócio.   

Ainda assim, podemos avançar que, se, por exemplo, o inquilino estiver a habitar o imóvel à revelia do seu anterior proprietário ou que não pague qualquer tipo de renda, pode então, enquanto novo proprietário, lançar mão de uma ação executiva para a entrega de coisa certa. 

No entanto, e ainda que não exista um contrato por escrito, o arrendatário pode também provar que ocupa o imóvel sem oposição do anterior senhorio e que procede aos respetivos pagamentos. Caso isso seja demonstrado, pode rescindir o contrato chegando a um acordo com o arrendatário ou por outras causas previstas na lei.  

Se pretender voltar a vender o imóvel, posso fazê-lo?  

Se após comprar o imóvel, e ainda que esteja um contrato de arrendamento a decorrer, quiser voltar a vendê-lo, poderá fazê-lo. Deve apenas comunicar por escrito - através de uma carta com aviso de receção ou entregando diretamente ao arrendatário - que o imóvel foi vendido, identificar o novo senhorio e ressalvar que este novo proprietário passa a assumir todas as obrigações inerentes ao contrato de arrendamento e ao imóvel.  

Apenas deve ter em atenção que, se o imóvel estiver arrendado há mais de dois anos, deve dar ao arrendatário o direito de preferência, de acordo com a Lei 64/2018. Ou seja, deve comunicar ao arrendatário, mediante carta registada com aviso de receção, o projeto de venda e as cláusulas do contrato (designadamente, identificação do(a) comprador(a), preço, condições de pagamento e respetivos prazos, data para a celebração da escritura de compra e venda). Recebida a comunicação, deve aguardar até 30 dias pela resposta do arrendatário. Se este não pretender exercer o seu direito, pode partir para a venda a terceiros. 

Apesar de esta legislação ser a que está em vigor, o Tribunal Constitucional emitiu uma deliberação em julho considerando inconstitucional a lei do direito de preferência do inquilino, pelo que é de esperar que a lei seja alterada.