Carência de capital: o que é e como pode representar um alívio financeiro

São algumas as famílias que, a partir do dia 31 de março, vão passar a pagar as prestações completas dos créditos que têm a decorrer. Uma vez que algumas moratórias, concedidas no âmbito do protocolo da Associação Portuguesa de Bancos (APB) relativas ao crédito habitação, vão terminar.  

Apesar de estarmos a viver tempos de incerteza financeira devido à pandemia, a verdade é que são várias as situações que fragilizam as finanças das famílias, o que pode dar origem ao incumprimento no pagamento das prestações dos seus créditos.  

Se este é o seu caso, tem de agir antes de falhar os pagamentos. Pedir uma carência de capital pode ser uma opção para conseguir reorganizar as suas finanças. Contudo, esta é uma opção que só está à sua disposição se o banco concordar.   

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O que é carência de capital? E quanto passa a ser a minha prestação? 

Na verdade, já mesmo antes da Covid-19, esta já era uma modalidade disponibilizada pelos bancos para quem se encontrasse numa situação financeira fragilizada, como o desemprego, por exemplo.  

A carência de capital, que se pode aplicar a qualquer contrato de crédito, trata-se de um período durante o qual o cliente paga apenas o valor dos juros, mantendo-se o capital em dívida inalterado. Ou seja, ao acionar esta modalidade bancária, passa a pagar apenas, por mês, o valor dos juros referente à prestação. 

Por exemplo, imagine que tem um crédito no valor de 150 mil euros a 30 anos, com uma TAN (spread + Euribor) de 1,5%, e que está a pagar uma prestação de 517,68 euros. Deste valor, 187,50 euros correspondem aos juros, enquanto o restante representa amortização de capital. Neste caso, ao ter acesso a uma carência de capital, fica a pagar por mês 187,50 euros, ganhando assim uma folga temporária de 330,18 euros.  

Se quiser perceber quanto está a pagar mensalmente de juros pelo empréstimo da sua casa, pode recorrer à calculadora de prestação de crédito habitação, sendo que terá de saber quanto tempo lhe falta para concluir o contrato de crédito, qual a TAN associada e qual o capital em dívida.

Durante quanto tempo posso usufruir da carência de capital?  

O período pode variar de banco para banco e de caso para caso. No entanto, por norma, uma carência de capital é atribuída por um período entre 6 e 24 meses, embora, e dependendo do cliente e da sua situação, esse prazo possa ser diferente. 

Quando e como posso fazer a sua solicitação?  

Pode fazer a solicitação ao banco em qualquer altura do contrato de crédito. O importante é que, se se alterar alguma coisa na sua vida ou detetar que pode entrar numa situação de incumprimento, procure logo junto do seu banco a melhor situação para o seu caso, que pode, ou não, passar pela carência de capital.  

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O banco pode recusar-me esta modalidade?  

Sim. Depois de pedir ao banco uma carência de capital, o mesmo irá avaliar a viabilidade de aplicar esta solução e, só mediante resposta afirmativa, é que procede à alteração formal do contrato inicial. 

Existem vários fatores que vão pesar: a capacidade financeira de cumprir com o pagamento apenas dos juros, o historial do cliente e os argumentos apresentados. Certo é que se esta for a solução para um cliente não entrar em incumprimento, o banco preferirá conceder uma carência de capital do que dar início a um processo de incumprimento.

Vantagens e desvantagens da carência de capital 

A maior vantagem da carência de capital é que esta opção pode ajudá-lo a reequilibrar as suas contas. Por exemplo, uma pessoa com umas condições como as que referimos acima (com um prestação de 517,68 euros e que fique a pagar apenas 187,50 euros), significa que ganha uma folga financeira superior a 300 euros pata poder fazer face outras despesas durante esta fase mais complicada. Assim evita entrar numa situação de incumprimento que, por vezes, torna-se numa autêntica bola de neve e que, mais à frente, pode colocar em causa os seus bens e todo o seu agregado familiar.  

Nalguns casos, em que só há lugar ao pagamento de capital (por a taxa de juro ser de 0% ou por taxa de juro ser negativa, por aplicação da Euribor negativa), a prestação, durante este período de carência, pode ser nula. No entanto, não se esqueça que terá de continuar a pagar o seguro de vida e o de multirriscos associados ao crédito hipotecário. 

A desvantagem é que, acabado o período de carência, a prestação vai aumentar caso mantenha o mesmo prazo de pagamento do crédito. Ainda assim, na maior parte dos casos, este aumento não será significativo, uma vez que vai dividir o valor que não pagou durante o período de carência (entre 6 e 24 meses) pelo número de anos que lhe falta para concluir o contrato de crédito.

Utilizando o exemplo referido acima, de uma dívida de 150 mil euros a 30 anos, com uma TAN (spread + Euribor) de 1,5% e uma prestação mensal de 517,68 euros, se acionar uma carência de capital durante 12 meses e não tiver havido qualquer alteração do prazo do contrato, o valor que não amortizou durante esse ano vai ficar distribuído pelos restantes anos que faltam para terminar o contrato. Ou seja, terá de pagar os 150 mil euros durante 29 anos, o que implica passar a pagar cerca de 532 euros por mês, o que implica um aumento de cerca de 14 euros. Isto só se coloca se o prazo não for alterado. Se houver alterações no prazo de pagamento o valor volta a diluir-se.

Pode acontecer ainda que, nos créditos já bonificados, não seja permitido usufruir desta solução financeira. Contudo, consulte sempre junto do seu banco as condições em vigor e qual a melhor alternativa para o seu caso.  

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Posso aplicar a carência de capital apenas numa percentagem do crédito? 

Sim. Há a possibilidade de aplicar uma carência de capital parcial. Neste caso, vai sentir uma redução da sua prestação mensal, mas, além dos juros, vai continuar a amortizar uma parte do capital em dívida. Por exemplo, imagine que consegue negociar com o banco uma carência de capital de 50%, passa então a pagar a totalidade dos juros mais metade da parte referente à amortização do capital. No caso usado em cima, pagaria 187,50 euros mais 165,09 euros. Isto no primeiro mês, porque ao longo dos meses, como vai amortizando capital e o indexante pode sofrer oscilações, o valor dos juros e de amortização de capital pode também oscilar.

Fazer um orçamento a médio prazo pode ser o segredo

Fazer um orçamento familiar e planear os gastos e as receitas que vai tendo ao longo do ano é fundamental. Esta pode parecer uma dica óbvia e que não faz assim tanta diferença, mas é em situações economicamente instáveis que se prova o contrário. 

Ao planear onde vai gastar o seu dinheiro nos próximos meses e quais as suas fontes de rendimento, vai conseguir preparar-se para imprevistos, precaver-se de possíveis casos de endividamento e perceber se precisa de solicitar junto do banco alternativas (como é o caso da carência de crédito).

Além disso, através de um orçamento vai conseguir perceber com exatidão para onde está a ir o seu dinheiro e onde pode cortar para poupar. Analise mesmo tudo ao detalhe. Desde os créditos, aos seguros, passando pelos serviços que tem contratados. 

Esta organização pode mesmo fazer toda a diferença, principalmente em tempos instáveis como estes que estão a ser vividos atualmente.  

E, como imprevistos como estes acontecem, é importante que tenha um fundo de emergência. O ideal é que, ganhe o que ganhar, deve fazer alguns sacrifícios no sentido de ter numa conta o equivalente a seis meses das suas despesas, para que possa assim fazer frente a situações financeiramente adversas, sem entrar em pânico. E é depois de analisar as suas despesas mensais que vai conseguir perceber o quanto é que deve e pode poupar por mês.  

Ao longo do ano, existem algumas oportunidades para reforçar o fundo de emergência, como é o caso do reembolso do IRS, o subsídio de férias e de natal, entre outros.  

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