Uma casa para viver ou para render?

Muito se tem falado do impacto que uma elevada procura de casas tem tido no mercado residencial em Portugal. Também por aqui tenho escrito sobre isso e sobre o efeito que tem provocado num aumento de preços, que já vai bem dilatado no tempo.

A forma como se olha para uma casa mudou. Seja para quem compra para viver, seja para quem compra para investir. A habitação tornou-se um ativo de investimento, gerível e adaptável às necessidades de quem precisa de as ocupar.

O investimento em habitação é hoje uma clara alternativa para muitos daqueles que não a encontram nos locais mais habituais ou clássicos. Investe-se em remodelações e em arrendamento. Grande parte da procura é proveniente de investidores.

Comprar para render

Muitos são aqueles que têm comprado casa nos últimos tempos como uma clara alternativa de investimento. Seja com o objetivo de gerar uma mais-valia futura a curto prazo (o caso do house flipping, por exemplo), seja numa lógica de geração de renda.

Perante um contexto económico e financeiro onde as alternativas de investimento com rentabilidades minimamente atrativas e alguma sensação de segurança escasseiam, muitos foram aqueles que se viraram para o investimento imobiliário.

Neste contexto, o investimento em arrendamento torna-se uma alternativa válida, mas sobretudo conhecida e entendida por muitos. No entanto, olhando para o potencial de geração de rentabilidade de um buy-to-let (leia-se, yield), é de se colocar a questão do porquê de uma opção de investimento destas.

Em 2020, as yields na habitação em Lisboa atingiram o valor de 4,07%. Tratou-se de um mínimo histórico. Ou seja, investir num buy-to-let em Lisboa rendeu 4,07% brutos de custos e impostos. Feitas as contas, um investidor retiraria pouco mais de 2% de rendimento líquido do seu investimento. Em 2021, o cenário não se alterou.

Ao mesmo tempo, os rendimentos dos portugueses não têm acompanhado esta valorização do mercado imobiliário. As rendas sobem, os preços sobem, a acessibilidade na habitação torna-se cada vez mais complicada.

Neste contexto, procura e oferta tentam aproximar-se.

Leia também Imobiliário: Afinal o que é uma yield e como se calcula?

A adaptação e financeirização do ativo

Investir numa casa para arrendar não parece, assim, muito interessante do ponto de vista da rentabilidade. Mesmo num contexto de subida de rendas como temos assistido no mercado, as yields continuam baixas pelo efeito de aumento de preço.

Logo, há que adaptar o produto (leia-se, casa). Adaptá-lo em função da vontade de gerar mais rentabilidade, mas também em função dos rendimentos de quem procura uma casa.

Uma casa tornou-se um ativo de investimento. Para muitos, naturalmente, é um bem de uso porquanto se trata da casa onde habitam. Mas para outros, cada vez mais, é claramente um bem de investimento, do qual se pode (e se deve) retirar rentabilidade.

Mas essa rentabilidade, pela geração da yield, é baixa, como vimos. A forma como se olha hoje para um ativo residencial tem muito desta perspetiva:

Muitos daqueles que hoje procuram casa não a conseguem obter. Os preços pedidos e rendas praticadas estão fora do seu alcance. A alternativa passa por partilhar uma casa com outrem ou pura e simplesmente arrendar um quarto.

Do lado de quem investe, e de forma natural, trabalha-se a adequação do produto à procura. Transformam-se apartamentos em micro-pensões; onde antes existia uma sala, passa a existir um quatro adicional. Ao invés de cobrar uma renda, cobram-se várias por cada quarto ocupado. Aumenta-se assim a yield.

Do lado de quem investe, adequa-se produto numa lógica financeira. Do lado de quem procura para viver, ocupa-se aquilo que se pode pagar.

Do lado de quem procura, as casas são hoje para ser ocupadas, não para ser vividas. Do outro lado, as casas são hoje para ser investidas, não para serem usadas.

Bons negócios (imobiliários)!

Leia também “Imobiliário: rendas ou mais-valias?