Dados precisam-se

Em Portugal, o mercado imobiliário em geral e a mediação imobiliária, em específico, vive neste momento um período de mudança, tal como tem vindo a acontecer ao longo dos vários ciclos que o caracterizam.

Nesta fase, e tendo em conta o atual cenário, muitos investidores já se aperceberam de que é tempo de rever estratégias mais especulativas, como o flipping, pois verifica-se já:

No ciclo atual, o flipping poderá já não ser um negócio tão rentável e de grande atratividade em determinadas zonas do país.

A mediação imobiliária começa também a sentir a lentidão do mercado e, erradamente, alguns gestores, e mesmo agentes, começam a agir de forma reativa, o que, a meu ver, se não for pensado, pode ser pouco interessante. Decidem, por exemplo, cortes radicais em orçamentos de formação e de marketing, e em estruturas de apoio ao negócio que são fundamentais, nesta fase, para manter competitividade e atratividade, sempre tendo em conta que a qualidade e relevância do serviço prestado ao cliente será chave seja para o cliente vendedor ou comprador.

É no cliente que deve residir o propósito, a razão da existência e o foco de qualquer empresa que, aliás, deve estar concentrada numa única coisa: que problema vai resolver ao seu cliente. Mas não só.

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Procurar respostas na procura

Enquanto muitos profissionais procuram analisar o mercado apenas pelo lado da oferta, lanço o desafio para encontrarem, dentro do possível, respostas na procura. Refiro dentro do possível porque, infelizmente, em Portugal, não há dados trabalhados sobre procura. E por isso, mais uma vez, se os mediadores/agentes e consultores imobiliários não conseguirem desenvolver mecanismos de cooperação e informação, reagir de forma proativa e assertiva será sempre um enorme desafio para quem quer criar valor para o seu cliente e, consequentemente, para o seu negócio.

Vejamos o exemplo interessante de um estudo apresentado em janeiro no Inman Connect, um evento norte-americano que se especializou no setor imobiliário e que, além de muitas outras análises, apresenta estudos sobre a evolução do comportamento dos clientes compradores e vendedores locais. Muitos incidem no momento da tomada de decisão da venda ou da compra do seu imóvel e procuram entender padrões de comportamento de clientes quando estes procuram ou contactam um agente imobiliário, avaliando como, quando e quais as razões que o levam a esta tomada de decisão. Perceber estes padrões numa fase que será cada vez mais caracterizada por diminuição de contactos torna-se crítico, e é precisamente no saber entender estes dados que se pode criar valor e estratégias de diferenciação para momentos de contacto inicial, um momento difícil para qualquer agente, seja ele norte-americano ou português.

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O desenvolvimento de estratégias de marketing de prospeção e atração faz-se com dados, dados esses que podemos obter de diferentes fontes. E, sim, para os mais céticos, o terreno ainda continua a ser das fontes mais fiáveis! Observando o que o mercado norte-americano está a implementar, por estar a viver um período de mudança bastante parecido com o que está a acontecer em Portugal, poder-se-á obter respostas para implementar aqui. O mercado norte-americano está um pouco mais à frente ao nível do ciclo de mercado e isso pode ser visto como uma vantagem para quem está neste momento a iniciar esta fase.

Passando ao estudo que referi, e que foi apresentado no evento em que participei, posso indicar que foi feito pelo portal realtor.com, que é considerado o segundo portal mais importante neste país, logo a seguir ao zillow.com.

Na apresentação de algumas conclusões, decidi dividir as respostas em dois grupos, para cada tipo de clientes:

Primeiro grupo - Clientes vendedores (proprietários que decidiram colocar o seu imóvel à venda):

- 71% dos clientes vendedores norte-americanos procuram um agente imobiliário, e não uma agência quando decidiram colocar à venda o seu imóvel, dado que revela a tendência e clara necessidade de desenvolvimento da marca pessoal.

Destes 71%:

- 41% fazem-no imediatamente, sem hesitação pois não pensam sequer em vender sozinhos;

- 30% só o fazem após alguma pesquisa de dados sobre quando e como vender.

Os restantes:

- 17% só contactam um agente imobiliário quando começam a ter dificuldades em vender sozinhos;

- 7% só contactam quando a casa está pronta para ser vendida e promovida, ou seja, com documentação em ordem, após obra, organização, limpeza e por vezes homestaging;

- 5% só contactam o agente após terem feito uma pesquisa de dados e uma análise comparativa de preços junto da concorrência de imóveis similares, definindo assim o preço pretendido para a negociação da venda.

Segundo grupo - Clientes compradores

46% destes clientes só começam a procurar um agente quando:

- Tomaram a decisão definitiva de comprar um imóvel (24%);

- Começam a procurar casa nos portais (22%).

Os restantes:

- 14% procuram o contacto só quando tomam consciência de que realmente precisam de ajuda;

- 12% contactam apenas e depois de analisarem os seus critérios de compra, entre eles, preço possível de aquisição;

- 12% contactam quando estão a ver uma casa que está a ser promovida por esse agente;

- 7% apenas quando começam a visitar imóveis, com ou sem agentes;

- 3% contactam se a mudança implicar mudar de cidade;

- 3% após a aprovação do financiamento;

- 3% quando encontram a casa que pretendem e não conseguem negociar sozinhos.

Este mesmo estudo também refere que um cliente vendedor demora entre duas semanas e três meses a preparar a sua casa para venda, englobando neste processo e tempo a recolha da documentação.

A primavera continua a ser o período onde tendencialmente se colocam mais casas à venda, nomeadamente a meio de abril.

Concluindo, estes dados são de extrema importância para a definição de estratégias de marketing de agentes e agências imobiliárias que criam campanhas e novas argumentações para estimular o cliente. Da mesma forma, também podem ser úteis para investidores que pretendam contactar diretamente vendedores e compradores, e ainda para consultores imobiliários para a elaboração de estudos de mercado e comportamentais para cada mercado.

Mas mesmo com os dados deste estudo, a pergunta persiste: Será que o mercado nacional tem comportamentos similares? Será que podemos experimentar novas estratégias tendo em conta esta informação? Será que os detentores de portais imobiliários de volume relevante, e até as próprias marcas de mediação de maior quota, podem fazer a recolha, tratamento e divulgação destes dados para ajudar o mercado?

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