O (in)fiel comprador

Inspirado na quadra natalícia que se aproxima, mais propriamente no fiel companheiro da mesa da maioria dos portugueses, achei que seria interessante falar sobre o desafio cada vez mais complexo de fidelização do cliente.

Na mediação imobiliária, este desafio está bem presente devido à resistência dos clientes em trabalhar em regime de serviço de exclusividade, ou seja, em trabalhar fidelizado a um único agente imobiliário que o ajude a vender ou comprar a sua casa.

Em Portugal, estima-se que uma mudança de casa tende a acontecer, em média, de 8 em 8 anos, espaço temporal este que é altamente variável pois, ao contrário da vida útil de um automóvel, por exemplo, a casa tem uma vida útil bastante heterogénea dependendo do uso e necessidades de quem a vive.

Por exemplo, no caso dos automóveis, considera-se que a vida útil seja de 4 a 5 anos e, por isso, muitos financiamentos estão calculados e programados para que, nesse período, se consiga criar condições vantajosas para a troca de carro com o objetivo de estimular a recompra depois deste período, de preferência, fidelizado à mesma marca. É por isso que a indústria automóvel sabe tão bem a extrema importância de construir uma estratégia de relação a longo prazo que se inicia logo desde o primeiro contacto e tem como objetivo conseguir chegar a este momento.

A jornada de fidelização do cliente

Voltando à casa, é curioso constatar que o momento mais delicado na jornada da fidelização para um profissional de mediação não é o pós-venda, ou seja, o novo momento em que o seu cliente vai tomar novamente a decisão de voltar a vender, comprar ou arrendar, mas sim o momento em que ele pode recomendar o serviço e o profissional que o ajudou na sua transação passada.

Porquê? Porque o período em que vai tomar nova decisão de venda, compra ou arrendamento é totalmente imprevisível, mesmo que haja estatísticas que possam indicar uma tendência. E é por isso que o momento mais delicado de fidelização não é apenas o pós-venda, mas toda a experiência desde o primeiro contacto com o cliente até à conclusão da operação. Tem de ser tão memorável que sempre que ele falar com alguém sobre vender, comprar ou arrendar se vai lembrar do agente com quem trabalhou para o recomendar.

Quanto à compra de casa, é importante referir que é um processo lento. O interessado vai estudando o mercado, vai vendo várias alternativas com vários profissionais e, como em Portugal não é geralmente um processo acompanhado por um único profissional que possa fazer a ponte entre partes, vai espalhando “promessas” aos vários profissionais que encontra até tomar uma decisão.

Enquanto faz as suas visitas, e até ao momento que encontra o imóvel que pretende, tem um comportamento geralmente pouco fidelizado apenas porque não está envolvido com o agente, mas sim com o que procura!

Leia ainda: Como comprar ou vender casa em momentos de incerteza?

Comprador infiel?

Muitos profissionais da mediação classificam (e até injustamente) este comportamento como um comportamento infiel porque o interessado fala e faz visitas com vários agentes, mesmo que o profissional com quem falou em primeiro lugar se tenha disponibilizado para o ajudar a encontrar a casa que pretende, referindo inclusive que pode mostrar qualquer imóvel que esteja no mercado, ou pelo menos que esteja a ser comercializado em regime de partilha.

Facto. Uma grande parte dos agentes imobiliários profissionais que trabalham em exclusivo partilham a possibilidade de divisão de comissão dos seus imóveis com outros agentes.

Infelizmente, e apesar desta possibilidade, uma grande percentagem das angariações são feitas em regime aberto (estima-se que em Portugal seja mais de 80%), o que significa que são feitas com clientes pouco fidelizados e depois mostradas a potenciais clientes compradores que tenderão a ter um comportamento igualmente pouco fidelizado.

Leia ainda: Prospeção na palma das suas mãos

Contrato de mediação imobiliária para comprar casa

Algumas empresas, possivelmente inspiradas por modelos norte-americanos e canadianos onde já se trabalha um nível elevado de serviço exclusivo dedicado a clientes compradores, desenvolveram a possibilidade de oferecer um serviço dedicado a potencias clientes compradores através de um contrato de mediação imobiliária não para vender, mas para comprar casa.

É legalmente possível fazê-lo em Portugal e vai ao encontro da atividade de Representação ou Procurement. Designa que aquele potencial cliente só pode comprar um imóvel com aquele agente durante um determinado período, e de acordo com características e condições previamente acordadas que têm de ir ao encontro de desejos e necessidades do cliente comprador. Isto cria a confiança necessária para permitir que o cliente reconheça valor e se torne fiel ao profissional que escolheu e que vai com certeza trabalhar mais motivado na procura e negociação de uma solução totalmente à medida do seu cliente comprador.                 

Enquanto não se souber passar o que o cliente tem a ganhar se investir numa relação com um agente imobiliário, e porque é que isso implica o compromisso de trabalhar em exclusivo, ou seja, de forma contratualizada e transparente, o comprador será sempre o cliente in(fiel) que só será atraído e só estará focado em duas coisas: produto e preço.

Leia ainda: O que deve saber quando assina um contrato de mediação imobiliária