Se eu renunciar a uma herança, os meus filhos perdem o direito à mesma?

Para muitas pessoas receber uma herança pode melhor significativamente a qualidade da vida financeira, se existirem bens, móveis ou imóveis, com um valor considerável. Para outras pessoas, uma herança acaba por trazer mais dores de cabeça do que benefícios. A verdade é que é possível renunciar a uma herança, e isso não significa que não esteja a pensar no destino dos bens herdados. Esta decisão pode simplesmente significar que não pretende aqueles bens para si, visto desejar que os mesmos passem apenas para os seus filhos.

É importante que saiba que o Código Civil estabelece a diferença entre uma renuncia e o repúdio de uma herança. Embora estas duas palavras possam ter a mesma conotação, em termos legais os conceitos são distintos e aplicados em situações diferentes. Por isso, de seguida vamos explicar qual a diferença entre a renuncia e o repúdio de uma herança, e qual o impacto que a sua decisão pode ter caso pretenda que os bens herdados se destinem aos seus filhos.

Renunciar a uma herança em prol de filhos

Antes de 2018, algumas pessoas tinham o desejo de voltar a casar após um divórcio, mas como existiam filhos de ambas as partes de anteriores relações, o fato do cônjuge tornar-se herdeiro dos bens podia ser um entrave na hora de distribuir a herança. Atualmente, as pessoas que pretendam casar novamente, mas que queiram que a herança se destine apenas aos seus filhos, já o podem fazer sem qualquer tipo de entrave, desde que sigam os procedimentos aprovados pela Lei nº 48/2018, de 14 de agosto.

Esta legislação foi criada para dar liberdade às pessoas que pretendam apenas assegurar que os filhos de anteriores relações, mas também os que possam resultar do novo casamento, tenham direito à herança. Para que tal seja possível, o artigo nº 1700 do Código Civil indica que a renúncia à condição de herdeiro legitimário do outro cônjuge deve ser recíproca. Para além disso, é obrigatório que o matrimónio seja realizado em regime de separação de bens e seja feito um contrato em convenção antenupcial.

Embora muitas pessoas não olhem com bons olhos para esta opção, a verdade é que esta alteração à lei veio permitir dar liberdade de escolha, caso tal seja pretendido. É importante esclarecer que a legislação estabelece que esta renuncia apenas afeta a posição sucessória do cônjuge. No entanto, ela não prejudica o direito a alimentos do cônjuge sobrevivo, nem as prestações sociais por morte.

Por fim, se a casa da morada de família for propriedade do falecido, o seu cônjuge vai poder permanecer nela durante 5 anos como titular de um direito real de habitação e de uso do recheio. Este prazo pode ser prolongado por indicação do tribunal, caso exista motivo para tal. Já se o cônjuge vivo tenha mais de 65 anos à data da abertura da sucessão, o direito de habitação passa a ser vitalício.

Qual é a diferença entre renunciar a uma herança e fazer o repudio da mesma?

A diferença entre a renuncia e o repudio de uma herança é bastante acentuada. Isto porque uma está ligada em exclusivo ao matrimónio, a renuncia, e o repudio é um direito de qualquer herdeiro, consagrado pelo Código Civil. Caso alguém queira repudiar uma herança, independentemente do motivo que a leva a tomar essa decisão, não precisa de justificar o motivo.

Sempre que alguém não pretende aceitar uma herança, com base na oficialização do repúdio da mesma, esta pode ser distribuída pelos restantes herdeiros até ao 4º grau da linha colateral. Se alguns herdeiros já tiverem falecido, os seus representantes têm direito à sua parte da herança.

Uma das grandes diferenças entre uma renuncia e um repúdio, é que a primeira é feita em vida antes da celebração do matrimónio. Já a segunda, apenas é realizada após o falecimento do titular dos bens. Segundo o artigo nº 2064 do Código Civil, o repudio de uma herança não pode acontecer sob condição nem a termo, nem na maioria dos casos só numa parte. Ou seja, não pode ficar com os bens da pessoa falecida e repudiar as suas dívidas.

Agora, isto não quer dizer que uma pessoa que formalize o repudio de uma herança prejudique o acesso à mesma por parte dos seus filhos. Sempre que pretende formalizar a sua decisão, caso seja casado sem ser no regime de separação de bens vai necessitar do consentimento do seu cônjuge e indicar a existência ou não de descendentes. Caso tenha filhos e estes pretendam aceitar a herança, estes podem fazê-lo, pois estão na linha de sucessão.

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Em ambos os casos, posso voltar atrás na minha decisão?

No caso de pretender renunciar a uma herança, a lei estabelece no artigo 1707.º- A, que a renuncia pode ser condicionada à sobrevivência ou não de sucessíveis de qualquer classe. Por exemplo, é possível acordar que caso não existam herdeiros vivos, a renuncia à herança deixa de ter efeito. Para além disso, pode existir a possibilidade do direito ao arrependimento, mas sob a forma de testamento ou de doação a favor do outro. No entanto, nestes casos, a herança apenas é relativa à parte que teria direito.

Já no caso do repúdio de uma herança, o artigo nº 2066 do Código Civil estabelece que não pode voltar atrás na sua decisão. Isto porque após a sua formalização, o repudio de uma herança é irrevogável. No entanto, como indicamos anteriormente, essa sua decisão não irá afetar os seus filhos no direito à herança dos mesmos.

Nota: Em caso dúvidas em relação aos procedimentos, deve consultar o parecer de um advogado ou de um profissional especializado.

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