O papel da tecnologia na melhoria do futuro do imobiliário

Muito se tem escrito sobre o tema da tecnologia no imobiliário e, apesar de muito desejo de antecipação de mudanças rápidas, muita coisa continua igual.

Veja-se, por exemplo, a burocracia e a falta de dados, ou acesso a estes, que acontece de forma crónica em Portugal (e ainda em muitos outros países).

Muito há para explorar sobre o que a tecnologia pretende fazer para o mercado imobiliário, ou melhor, ao mercado imobiliário, e não querendo assumir um tom crítico, vou também eu escrever mais um pouco sobre a minha visão futura sobre este tema.

Na minha opinião, a tecnologia tem de ter uma missão muito clara para este setor, e essa missão pode muito bem ser tornar o mercado imobiliário num mercado menos imperfeito, mais transparente e mais ágil.

Pode ser ambicioso, mas acredito que será possível. Só o tempo o dirá e eu espero estar aqui para constatar.

Assim sendo, e tendo esta visão em mente, vou falar sobre as principais características deste mercado imobiliário imperfeito tal como ele o é ainda hoje, e sobre o que a tecnologia pode fazer para o melhorar.

Fixidez

O produto imobiliário é fixo, ou seja, não sai do sítio. Logo, o produto está automaticamente condicionado pela localização. A melhor forma de conseguir fazer uma boa aquisição, uma boa venda ou um bom investimento é, em termos gerais, obtendo toda a informação possível sobre o imóvel e sobre a zona onde se insere, informação esta que deve ser de fonte credível e de confiança.

A tecnologia tem evoluído e ajudado pessoas e profissionais a obter informação para apoiar a sua decisão, desde as visitas virtuais, 3Ds, sites que disponibilizam toda a informação sobre o imóvel e zona onde ele se insere, com possibilidade de comparação, e metasearch, até à georreferenciação. Hoje, através de um smartphone, consegue-se ter acesso e ver um imóvel por dentro e por fora, mas a possibilidade de dados que se pode obter sobre a sua envolvente é imensa e o cruzamento destes com a criação de um estilo de vida que estará sempre associado ao local (fixo) e as infinitas possibilidades de como se pode viver o imóvel podem ajudar a criar uma visão muito mais clara sobre um dos investimentos mais importantes para muitas pessoas.

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Pouca liquidez

O produto imobiliário é, na generalidade, um produto pouco líquido, ou seja, lento para se transformar em dinheiro. Esta característica persiste devido à burocracia associada à transação de compra e venda, e claro, aos montantes elevados de transação que exigem, na maior parte das vezes, capital disponível e financiamento, pelo menos para a maioria das pessoas. Estes fatores levam a uma clara lentidão no processo de transmissão.

Apesar de vários esforços nas últimas décadas para se tornar a burocracia cada vez menor e o processo cada vez mais transparente através do digital, ainda temos um longo caminho a percorrer em relação à tecnologia de Blockchain e Tokens que irá permitir claramente uma desburocratização do processo de transmissão e também uma democratização do investimento no produto imobiliário por permitir a aquisição de forma parcial com valores mais baixos, tornando o produto imobiliário num produto mais líquido.

Sazonalidade

Os estilos de vida alteram-se, a possibilidade de as deslocações dentro e fora do país se tornarem mais rápidas e acessíveis e um processo menos burocrático na aquisição, poderá fazer com que a sazonalidade que ainda existe em alguns mercados imobiliários seja menos evidente. Promover esta mobilidade associada ao produto imobiliário é sem dúvida uma oportunidade.

Produto único (não há imóveis iguais)

Um pouco como a fixidez, os produtos imobiliários vão continuar a ser únicos. A obtenção de informação credível, transparente e relevante associada à possibilidade de se fazer transações através de Tokens vai fazer com que o receio de se comprar gato por lebre diminua. Há ainda a tendência de o edificado futuro ser cada vez menos heterogéneo, o que vai permitir tornar as escolhas mais fáceis por serem menos únicas, embora acredite que a aceitação desta tendência irá depender de mercado para mercado e de zona para zona.

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Valorização vs. Degradação do bem e a não existência de uma Bolsa Imobiliária

O mercado vai continuar a flutuar, possivelmente os ciclos serão mais rápidos devido ao acesso a informação que a tecnologia nos traz. O acesso a informação de forma imediata fará com que se consiga saber quanto vale realmente um imóvel num determinado momento, podendo também saber-se na hora quantos imóveis daquele tipo existem no mercado, quais os valores das últimas vendas, e não só nos últimos meses, como também na passada semana, ou até nas últimas horas, como se de uma bolsa de valores se tratasse.

As metasearch têm já a tecnologia disponível e vão evoluir para disponibilização de cada vez mais dados que se tratarão e cruzarão com a previsão de dados futuros que ajudarão à tomada de decisão. O acesso a dados cruciais tem sido ainda uma barreira a ultrapassar em Portugal que continua a agir de forma muito pouco transparente.

Valor do bem

Cada vez mais o ativo imobiliário será de valor monetário elevado, por isso escasso e de difícil acesso. O arredamento será uma tendência tal como o coliving e outras soluções similares. Mais uma vez o Blockchain vai permitir a aquisição de imóveis a partir de tokens que permitem que se adquira partes da casa de forma rápida, segura e transparente. As atuais divisões feitas em propriedade horizontal poderão cair por terra para permitir o acesso ao investimento a qualquer pessoa.

Tempo de Absorção e de Processo

A desburocratização do processo de transmissão vai permitir mais rapidez e fluidez no mercado com ciclos mais rápidos, e a variável tempo que muito encarece o mercado pode deixar de ser um obstáculo. A mudança tecnológica associada aos licenciamentos, seja de obras novas como de reabilitação, vai ser crucial para esta mudança que a tecnologia pode trazer e que é tão importante.

Escassez e baixa Elasticidade da Oferta

A escassez, bem como o tempo que demora repor stock de imóveis para a procura do mercado não se limita apenas a uma mudança ao nível dos processos de licenciamento que atrás referi. Claramente as novas tecnologias de construção vão permitir obras mais simples, mais céleres e mais seguras para uma construção de maior padronização, maior qualidade, menor manutenção e maior sustentabilidade.

Estas mudanças já não são ficção, estão a acontecer um pouco por todo o mundo, e mesmo em Portugal, dentro do seu ritmo.

O grande desafio não é a tecnologia, e sim a mentalidade das pessoas e, em especial, das instituições. Na minha opinião, as pessoas estão abertas e necessitam urgentemente destas melhorias. Infelizmente, quem as governa não prioriza da mesma forma, mostrando-se avesso a mudanças que têm de acontecer independentemente da pressão para que não aconteçam.

Por fim, uma última palavra para os agentes imobiliários, e também para os avaliadores e outros players que, por diversas vezes, se sentem ameaçados com as mudanças que vêm a acontecer.

Cada vez mais os verdadeiros profissionais terão um papel importante, embora diferente, possivelmente menos executante e cada vez mais de consultivo ou de aconselhamento especializado associado à experiência e capacidade de visão e interpretação. Diria que passaremos da figura de Agente Imobiliário para Adviser Imobiliário, uma profissão que continuo a ver como uma profissão de futuro porque este mercado é um mercado de pessoas para pessoas.

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