As pessoas com deficiência assumem, nos dias de hoje, um papel cada vez mais ativo na sociedade. Fruto de diversas políticas de inclusão, têm hoje um mais fácil acesso à educação, mercado de trabalho, cultura e lazer, entre várias áreas. Se, no passado, as pessoas com deficiência não conseguiam ter a sua independência financeira (fruto do isolamento a que eram forçadas e à falta de igualdade de oportunidades), atualmente, e principalmente devido ao acesso ao mercado de trabalho, conseguem ter um rendimento que lhes permita ter objetivos de vida, entre os quais a compra de casa própria.
Mas tal acesso não é sinónimo de facilidade. Aliás, ainda há muito caminho a percorrer para que as pessoas com deficiência consigam ter condições justas para a sua realidade.
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A pessoa com deficiência pode ter crédito diferenciado… mas apenas se o banco concordar
As pessoas com grau de incapacidade igual ou superior a 60% têm um processo que visa proteger e facilitar o acesso ao crédito habitação, o chamado regime de crédito bonificado à habitação. O mesmo tem várias regras e condições de acesso mas, de forma geral, é um ponto de partida para um ajuste às condições das pessoas com deficiência motora.
Para exemplificar a diferença, fizemos uma rápida simulação para analisar quanto pode diferir o regime comercial e o regime bonificado.
- Regime comercial: 200.000€ a 30 anos com spread 1,75 = 1145,01€ prestação
- Regime bonificado: 200.000€ a 30 anos com spread 0,00 = 797,54,10€ prestação
Nota: simulações realizadas a 6 de julho de 2023 e com seguros incluídos (vida e multirriscos habitação). No regime comercial, é considerado um contrato com taxa variável, indexado à Euribor a 6 meses.
É uma diferença considerável na prestação mensal. Mas o que parece ser uma grande vantagem pode revelar-se enganador. Como sempre, temos de estar atentos às letras pequenas nas condições. Passamos a explicar, de forma muito breve e sucinta, o que pode impactar o valor das prestações:
- Acesso ao crédito bonificado: A lei n.º 64/2014 aprova o regime de concessão de crédito bonificado para pessoas com deficiência. Estabelece as regras para acesso ao crédito, mas sempre com uma ressalva “liberdade contratual”, ou seja, a lei estabelece as regras, mas a instituição bancária dentro dessa liberdade contratual pode ajustar conforme sua vontade. Assim, ainda que a lei possa estar criada, no nosso entender, mais grave ainda é a instituição de crédito poder recusar a concessão de crédito a pessoas com deficiência motora, constituindo isto, a nosso ver, uma prática claramente discriminatória.
- Acesso ao seguro de vida: Este é o ponto que pode fazer toda a diferença no que concerne à prestação mensal. À semelhança do que sucede no regime geral de crédito à habitação, a contratação de seguro de vida não é obrigatória por lei, caindo mais uma vez na dita liberdade contratual. As pessoas com deficiência têm duas opções:
- A não celebração do contrato de seguro de vida com todos os riscos e incertezas que isso acarreta (e.g. no caso de morte do titular, os herdeiros legais herdam a divida bancária) – mas relembramos que a instituição bancária pode recusar a concessão de crédito sem o seguro de vida e, então, pode não ser opção;
- A segunda opção é tentar subscrever um produto de seguro de vida associado ao crédito habitação. Parece simples, mas não é! O seguro de vida neste crédito cobre habitualmente a invalidez absoluta e definitiva ou invalidez para a profissão, que normalmente varia entre 60% e 66% de incapacidade. Mas se uma pessoa com deficiência para ter acesso ao crédito bonificado já tem um mínimo de 60% de incapacidade, não lhe é aceite o acesso a essa modalidade. No caso de um tetraplégico que tenha 95% de incapacidade, pode ser feito seguro de vida? Pode conseguir, mas com um agravamento do preço a pagar tão grande que pode anular o benefício do regime bonificado.
Quando tentamos fazer um seguro de vida, a seguradora pode aceitar, aceitar com agravamento ou recusar. No caso das pessoas com deficiência, o mais provável é que a seguradora aceite ou agravamento, ou recuse mesmo o pedido de subscrição do seguro.
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Como é que a inclusão de pessoas com deficiência pode (e deve) ser feita
Tem sido feito um longo percurso no caminho da inclusão de pessoas com deficiência, percurso esse impulsionado por políticas públicas, por associações/organizações e pelas próprias pessoas com deficiência, mas a sociedade tem de acompanhar esse caminho. As instituições bancárias e seguradoras devem atualizar as suas ofertas para que se tornem mais inclusivas e igualitárias.
Embora não existam números oficiais, estudos e inquéritos apontam para que a percentagem de pessoas com deficiência ronde 15% da população. É uma “grande minoria” que deve ser encarada, em última instância, como fator contributivo para a economia. O que se pede não é caridade, mas sim justiça e igualdade.
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A Associação Salvador, fundada por Salvador Mendes de Almeida, em 2003, é uma Instituição de Solidariedade Social que atua na área da deficiência motora. Ao longo do tempo, tem desenvolvido projetos diferentes e ambiciosos que tiveram excelentes resultados e um demonstrado impacto na melhoria da integração e qualidade de vida de inúmeras pessoas com deficiência, potenciando os seus talentos e sensibilizando para a igualdade de oportunidades.
A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.
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