Que jornada (de vida) é a nossa, afinal?

Que jornada é a nossa? Perguntemo-nos, neste contexto específico da Jornada Mundial da Juventude, o que sustenta, afinal, a nossa vida?

José Tolentino Mendonça disse, numa das suas intervenções públicas, que "a qualidade do nosso futuro depende da consistência dos nossos sonhos". Olhar para o futuro, é certo, foi durante largos séculos uma prática idealista, otimista, onírica, nem sempre guarnecida de credibilidade.

Perspetivava-se o melhor dos mundos com o progresso tecnológico avassalador anunciado e tudo parecia entregue a uma espécie de mão invisível capaz do melhor para a condição humana.

Neste nosso século XXI, o historiador israelita Yuval Noah Harari avisou no seu 21 Lições para o Século XXI sobre os perigos da inteligência artificial, na sua possibilidade de separar os homens entre aqueles que manipulam e aqueles que são manipulados. A quarta geração tecnológica coloca, aliás, questões que não podemos ignorar sobre a vida no trabalho, ou seja, a vida ativa enquanto matriz da evolução do ser humano, num planeta com défice de recursos e exausto.

Onde é que podemos ganhar fôlego para esse futuro ao qual não devemos voltar as costas, simplesmente porque não podemos voltar atrás? A resposta é simples e óbvia, nem sempre levada à prática: na diversidade que inclui; na pluridisciplinaridade; no sentido de comunidade; na condição do que é coletivo.   

Para isso, há uma saída: promover diálogos… diálogos radicalmente transversais, de forma consistente e perseverante com todos. Quando digo todos, refiro-me a todos, sem condescendências: às mulheres, aos homens, aos mais novos, aos de meia-idade, aos mais velhos, de diferentes backgrounds culturais, em diferentes estádios de desenvolvimento pessoal e profissional, em diferentes setores de atividade, do público, do privado, da economia social, com as startups ou os makers. Diálogos com aquilo que é externo, com aquilo que é radicalmente diferente de nós. Todos somos chamados a dar um contributo, neste mundo já com 8 mil milhões…

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Uma questão de liderança  

É claro que essa transversalidade que preconizamos exige referências e lideranças que saibam agregar, estabelecer pontes, gerar consensos, construir a partir das diferenças e das limitações, encontrar soluções de compromisso, com um olhar simultaneamente no passado, no presente e no futuro. Há que dialogar com as raízes, como a árvore o faz. Imitemos a árvore.

Quem olha só para o futuro perde sustentação. Quem olha só para o passado, perde rasgo. E perde a extraordinária sensação de concretizar sonhos. Ora, é esta feliz encruzilhada entre as diferentes dimensões do tempo, do espaço e do ser humano que devemos, enquanto líderes, saber conciliar quase ao estilo oficinal, artesanal, como se um oleiro fôssemos, ou um artesão, ou um ferreiro, ou um ourives…   

Esta liderança, porém, sabemo-lo, só se faz com coisas que não vêm nos livros: verdade, humanismo, o compromisso de encarar o cargo ou a função como serviço e encontro; a prática de comando como exercício de capacitação dos outros; a aposta na concretização de ideias como criação de valor. Num mundo centrado em egos, falta-nos essa verdade, falta-nos essa empatia.   

A pandemia (sem precedentes desde a pandemia de gripe de 1918-20) e a guerra à qual ainda assistimos (sem precedentes, com esta escala global, desde 1945) exponenciaram o isolamento e a consciência da fragilidade, redescoberta num século XXI pouco preparado para lidar com o imprevisível. E neste cenário, de acordo com indicadores que podemos recuperar ao Barómetro do Parlamento Europeu, as mulheres são as mais prejudicadas, mais isoladas na discrepância entre oportunidades, lugares de decisão, enquadramentos salariais.    

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E por falar em mulheres

Se fizermos, justamente, um zoom in sobre as mulheres, não perdemos de vista que está nelas, afinal, a razão pela qual a PWN Global foi fundada em 1991, em Paris, dando origem às quase 30 city networks que hoje existem, entre as quais a PWN Lisbon, de que faço parte, criada em 2011.

E porque estas iniciativas associativas não são em vão, lembro que há uns meses, antecipando aquilo que haveria de ser a Jornada Mundial da Juventude em Lisboa, o Papa Francisco concedeu uma entrevista à jornalista Maria João Avillez, em que a propósito da diversidade que introduziu na estrutura de poder hierárquica do Vaticano, lembrou que "a mulher não é uma moda feminista, mas um ato de justiça que culturalmente estava posto de lado". E aprofundou a ideia, tecendo rasgados elogios às mulheres: "a mulher tem uma forma de liderar diferente, porque raciocina de outra maneira; tem maternalidade; administra com ternura; não deixa o perdido para trás".

Vários são os estudos apologistas da diversidade nas lideranças. E está, de resto, amplamente provado que sociedades e organizações com lideranças mais diversas alcançam resultados e situações financeiras mais robustas e sustentáveis.  

Medir o futuro pelo sonho

Tenhamos, pois, a capacidade de nos perguntarmos: que jornada é a nossa? Perguntemo-nos, neste contexto específico da Jornada Mundial da Juventude, o que sustenta, afinal, a nossa vida? No atual contexto de mudança, crise e imprevisibilidade, intensificado por uma pandemia aparentemente dirimida e uma guerra com custo histórico global, são os países, as sociedades, as organizações, as comunidades, as famílias e os indivíduos chamados a… sonhar. Sem medo.

Apesar dessa linha de fragilidade implícita à mudança, à crise e à imprevisibilidade, somos chamados a reinventar-nos. E pelo sonho de levar o mundo para a frente:

  1. ir à Antiguidade, a Aristóteles, a Platão e recuperar o sentido pioneiro da felicidade: a ligação à comunidade, o bem comum, o servir;
  2. ir à gramática da humanidade e recuperar o paradigma da integração, da inclusão por oposição ao da substituição e da exclusão;
  3. ir às humanidades e, com todas as ciências, recuperar a importância da educação, da cultura e da arte para a interpretação do que somos e a ampliação das perguntas que fazemos;
  4. ir ao legado do tempo e recuperar o pacto de gerações, para um diálogo necessário entre os mais velhos, os menos velhos e esse laboratório de futuro que são os mais jovens.  

Este tempo não é leve, nem simples. Mas os grandes desafios encaram-se com grandes respostas, humanistas e humanizadoras. Lideranças fortes, humanistas e humanizadoras. Abandonemos, de uma vez por todas, essa ideia de olhar para o que é humano como uma “coisa” menor e menos forte. Percebamos quão inteiro e transversal é esse líder que é agregador, que é humano. E quão necessário.    

Neste tempo que é o nosso, ensombrado por crises, desde logo inflacionista e energética, mas sobretudo por uma continuada falta de valores e vozes de comando, necessitamos de reaprender a sonhar, por uma razão muito simples: porque a História diz-nos que, antes das grandes obras, nasceu um sonho. E a obra fez-se. E sempre que a obra se fez, por ter havido um sonho, foram sempre precisos muitos, muitos homens, muitas mulheres, muitas crianças. Muitos (no plural).    

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Presidente da PWN Lisbon, organização internacional focada no desenvolvimento da liderança. Há 18 anos no setor das comunicações, é profissional de comunicação e marketing, com o mestrado em Ciências da Comunicação da Universidade Católica Portuguesa. Fundou o Entre | Vistas, plataforma digital de comunicação cultural que originou o livro da sua autoria As Perguntas que Somos.

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