10 números (e gráficos) que marcam o pior ano nos mercados desde 2008

A subida da inflação dominou a tendência nos mercados em 2022, infligindo perdas nas ações e obrigações. Dólar e petróleo valorizaram.

2022 não vai deixar saudades aos investidores, que viram as suas carteiras serem fustigadas pela guerra na Ucrânia e escalada da inflação. Os efeitos foram transversais, penalizando quase todas as classes de ativos, deixando os investidores sem portos de abrigo nos períodos de maior turbulência.

As ações globais sofreram as quedas mais pronunciadas desde a crise financeira de 2008, corrigindo substancialmente dos ganhos de dois dígitos alcançados em cada um dos três anos anteriores. As tecnológicas norte-americanas apagaram uma parte substancial dos ganhos conquistados durante a pandemia, com o Nasdaq a perder um terço do valor e várias Big Tech a desvalorizarem mais de 50%.

A evolução mais notável aconteceu no mercado de obrigações, que habitualmente regista variações mais contidas. Os títulos de dívida soberana sofreram em 2022 a desvalorização mais acentuada desde, pelo menos, 1977. Uma queda que arruinou as tradicionais carteiras 60/40 (equilibradas entre ações e obrigações), construídas para beneficiar com a habitual correlação negativa entre estes dois ativos.

A escalada da inflação baralhou esta estratégia, com a confluência de uma série de fatores a pressionar os preços em alta, forçando os bancos centrais a subirem os juros ao ritmo mais célere e agressivo em 40 anos. Um movimento que penalizou em simultâneo as ações e obrigações em todo o mundo e teve também forte influência nos restantes ativos cotados.

O valor das ações e obrigações mundiais baixou perto de 35 biliões de dólares, um valor que representa mais de um terço do PIB mundial (2021) e torna 2022 o pior ano história para o desempenho conjunto destes dois ativos.

10,7% - Inflação nos países da OCDE

Foi a guerra na Ucrânia que acendeu definitivamente o rastilho da inflação, mas o cenário para uma escalada de preços já estava montado no início de 2022. Depois de meses de confinamentos e restrições, o consumo estava a disparar devido à reabertura das economias; os problemas nas cadeias de abastecimento longe de estarem resolvidos; e a liquidez nas economias estava em nível muito elevados, depois de vários anos de estímulos monetários por parte dos bancos centrais.

Foi a escalada da inflação que dominou o rumo dos mercados 2022, pois reduziu substancialmente o poder de compra das famílias e agravou os custos das empresas. Por outro lado, forçou os bancos centrais a apertar a política monetária de forma agressiva, emendando a mão depois de vários meses (no final de 2021) a classificar o fenómeno de transitório.

Mês após mês, a inflação foi atingindo novos máximos, num fenómeno global que foi deteriorando as perspetivas para os ativos cotados nos mercados financeiros ao longo do ano, levando os investidores a afastarem-se das ações e obrigações.

A inflação da OCDE atingiu um máximo de 40 anos em outubro (10,7%), com o indicador a situar-se nos dois dígitos em metade dos 38 países da entidade, o que demonstra como a alta dos preços foi transversal. Após 23 meses consecutivos em alta, a inflação recuou em novembro para 10,3%, reforçando os sinais de que o pico já terá ficado para trás.

Nos Estados Unidos a escalada da inflação foi muito célere, passando de 7% no arranque do ano para um máximo de 40 anos (9,1%) em junho. Encetou depois uma trajetória de alívio, até 7,1% em novembro, um valor ainda assim muito acima da média histórica e da meta da Reserva Federal (2%). Na Zona Euro a inflação atingiu um recorde de dois dígitos em outubro (10,7%), tendo também aliviado em novembro.

Os economistas temem que a inflação persista elevada, pelo que é considerável o risco de este indicador, que mede a evolução dos preços, voltar a liderar a lista dos temas que vão marcar os mercados em 2023.   

75 pontos base - Subidas “jumbo” de juros foi moda em 2022

Depois de terem adormecido na resposta à alta da inflação, confiando que a tendência de alta seria transitória, os bancos centrais entraram em modo de “pânico” para recuperar o terreno perdido.

Os tradicionais aumentos de 25 pontos base ficaram na gaveta e as autoridades monetárias optaram por subidas agressivas de 75 base, que nos mercados ganharam a alcunha de aumentos “jumbo”. Uma estratégia conhecida por “front loading”, com os bancos centrais a querem colocar rapidamente as taxas de juro num nível restritivo, o que ainda assim só conseguiram na reta final do ano.

Os bancos centrais em todo o mundo anunciaram perto de 300 aumentos de juros em 2022, o que representa mais do que uma subida por sessão. O Banco do Japão ficou isolado nas taxas de juro negativas, sendo o único que não mexeu no preço do dinheiro em 2022.

A Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) aumentou os juros em 400 pontos base (4 pontos percentuais), com quatro subidas “jumbo”, sendo que as expectativas apontam para que vá além dos 5% em 2023.

O Banco Central Europeu (BCE) arrancou mais tarde, tendo aumentado os juros em 250 pontos no espaço de seis meses. A taxa dos depósitos passou de -0,5% em julho para 2% em dezembro, tendo já sinalizado que a taxa terminal deverá superar os 3% este ano.

Com as taxas de juro nos dois lados do Atlântico já num nível considerado restritivo para economia, Fed e BCE baixaram o ritmo para subidas de 50 pontos base em dezembro, que agora deverão ser a norma para as próximas reuniões.

127,98 dólares - Máximo do petróleo em 2022

A forte subida das matérias-primas em geral (e do petróleo em particular) foi determinante para a subida acentuada da inflação em 2022. A tendência foi mais evidente na primeira metade do ano, em resultado da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, tendo depois perdido força na segunda metade de 2022.

A 8 de março, poucos dias depois do início da guerra, o barril de Brent atingiu um máximo nos 127,98 dólares por barril, acumulando na altura uma alta anual de 60%. O petróleo negociado em Londres manteve-se acima dos 100 dólares até ao fim do semestre, mas a cotação passou a dois dígitos na outra metade, regressando aos níveis que era transacionado antes da guerra.

O Brent fechou o ano nos 85,9 dólares por barril, uma cotação 10,45% superior ao registado no final de 2021, ano em que tinha acumulado um ganho de 50,1%.

8,7% - Alta anual das matérias-primas

As matérias-primas agrícolas e os metais industriais fizeram um caminho semelhante ao petróleo, com o abrandamento da economia global e a política de covid zero na China a exercerem uma pressão na procura.

O gás natural foi a matéria-prima mais influenciada pela guerra, com os cortes da Rússia aos países europeus, em retaliação contra as sanções, a induzir uma crise energética que agravou os custos das famílias e empresas, agravando as perspetivas de uma recessão económica na região, que se deverá materializar em 2023. O TTF, índice de referência no mercado europeu, chegou a transacionar nos 350 euros por MWh no verão, mas fecha o ano abaixo dos 100 euros e do nível que se encontrava antes da guerra na Ucrânia.

À boleia dos elevados preços do petróleo e outras matérias-primas energéticas, as cotadas do setor foram as grandes (e únicas) vencedoras nas bolsas em 2022. O Stoxx Europe 600 Energy, índice composto sobretudo por petrolíferas, valorizou 25% no ano passado.

O índice S&P GSCI, que agrupa o desempenho de todas as “commodities”, acumulou uma valorização de 8,7% em 2022, longe do ganho de 46% que registava no início de março. As matérias-primas energéticas subiram 12%, as agrícolas valorizaram 6%, enquanto os metais perderam valor.

19,8% - Queda do MSCI World

Valorização de 24% em 2019, 14,3% em 2020 e 16,8% em 2021. O espetacular desempenho do MSCI All-Country World Index nestes três anos ficou, em grande parte, a dever-se à política monetária ultra expansionista dos bancos centrais, que inundaram o mercado de liquidez e baixaram os juros para mínimos históricos de modo a apoiar a economia.

O índice que mede o desempenho das principais bolsas mundiais afundou 19,8% em 2022 e o dedo continua apontada aos bancos centrais. O combate à elevada inflação motivou o agravamento da política monetária mais agressivo em 40 anos, levando os investidores a reduzirem de forma acentuada o peso das ações nas carteiras. A subida de juros aumentou o prémio de risco, retirando atratividade às ações, que foram também fustigadas pelo enfraquecimento dos resultados das empresas.

As bolsas norte-americanas, que tinham liderado os ganhos desde o início da pandemia, foram as primeiras a entrar em “bear market” (queda de 20% face a máximos) e as que sofreram as perdas mais acentuadas em 2022. O S&P500 caiu 19,4%, também no pior desempenho desde a crise financeira de 2008.

O índice de referência europeu Stoxx600 cedeu 12,8% (maior queda desde 2018), com os índices das principais praças europeias (Frankfurt, Paris e Milão) a fecharem o ano também com perdas de dois dígitos. Em Tóquio, o Nikkei desvalorizou 9,4% e o Hang Seng, de Hong Kong, depreciou 15,4%. O chinês CSI 300 recuou 21,2%.

O valor global das ações mundiais baixou 25 biliões de dólares em 2022, o segundo pior ano da história. A fortuna das 500 pessoas mais ricas do mundo, de acordo com o índice de bilionários da Bloomberg, baixou 1,4 biliões de dólares.

33,1% – Desvalorização do Nasdaq em 2022

Depois de terem sido as estrelas da bolsa durante os primeiros tempos da pandemia, as tecnológicas foram fortemente penalizadas no ano passado. Não só porque apresentavam as avaliações mais elevadas, mas também porque são as mais dependentes da evolução das taxas de juro.

O desempenho negativo é visível na variação do Nasdaq em 2022. O índice sofreu uma queda anual de 33,1%, a mais elevada desde 2008 (-40,5%). Isto depois de ter disparado 136% nos três anos anteriores (+35% em 2019, +43,6% em 2020 e 21,4% em 2021).

As tecnológicas de maior dimensão, conhecidas por Big Tech, registaram quedas muito pronunciadas, com várias a perderem mais de metade do valor. Foi o caso da Tesla -(69%), Meta Platforms (-65%) e Amazon (-51%). Adicionando o desempenho da Apple, Alphabet e Microsoft, estas seis empresas foram responsáveis por cerca de metade dos 9,1 biliões de dólares perdidos pelas 500 empresas do índice S&P500 no ano passado.

2,81% - Ganho anual da bolsa portuguesa

No ano em que mudou de nome, perdendo um número na sua designação, o índice da bolsa portuguesa conseguiu contrariar a tendência fortemente negativa das restantes praças europeias e mundiais.

O PSI valorizou 2,81% em 2022, conseguindo o segundo ano consecutivo de ganhos (13,7% em 2021). Um desempenho que permitiu recuperar algum do terreno perdido nos anos anteriores, em que as ações portuguesas ficaram muito aquém dos ganhos alcançados pelas congéneres.

A prestação do índice português em 2022 está muito relacionada com a elevada preponderância das cotadas do setor energético. A Galp Energia foi a estrela do PSI, com uma valorização anual de 48%, em linha com o comportamento das petrolíferas mundiais. A companhia de energias renováveis Greenvolt também se destacou pela positiva (+25,6%), com a Altri (+19,86%) a fechar o pódio das maiores subidas entre as cotadas do PSI. CTT e Corticeira Amorim, que têm um peso diminuto no índice, foram as únicas empresas do PSI com quedas de dois dígitos.  

O índice português não foi o único a conseguir fechar o ano com sinal positivo. O britânico FTSE100 avançou 0,9%, tirando partido do peso elevado das petrolíferas e das empresas fortemente exportadoras, que beneficiaram com a queda abrupta da libra.

-16,25% - Retorno das obrigações soberanas globais

Num ano com variações muito expressivas nos mercados, o comportamento das obrigações acaba por ser o mais surpreendente. Sobretudo pela amplitude da desvalorização de um ativo que habituou os investidores a oscilações ténues e por isso é mais procurado pelos investidores conservadores.

As obrigações globais geraram um retorno negativo de 16,25% em 2022, penalizadas pela subida acelerada da inflação e aumentos agressivos das taxas de juro por parte dos bancos centrais. De acordo com o índice da Bloomberg, foi o pior desempenho dos títulos de dívida dos últimos 45 anos. Vários economistas e analistas vão mais longe e defendem que é necessário recuar 200 anos para encontrar um retorno mais negativo nas obrigações. Em termos de valor, o mercado de dívida desvalorizou perto de 10 biliões de dólares em 2022.

2022 fica para a história como o ano em que terminou a era das taxas de juro em terreno negativo. A yield das obrigações soberanas alemãs a 10 anos passou de -0,12% no final de 2021 para 2,56% na última sessão de 2022, o que representa um máximo desde 2011. A taxa das obrigações portuguesas com a mesma maturidade agravou-se mais de 300 pontos base, fechando o ano acima de 3,5%.

O índice da Bloomberg para medir o desempenho das obrigações europeias desvalorizou 18,5% em 2022. Nos Estados Unidos o retorno foi ligeiramente menos negativo (-12,6%). Ainda assim, nos últimos 45 anos, as obrigações norte-americanas apenas em cinco perderam valor e até agora a maior queda tinha acontecido em 1994, com uma desvalorização de apenas 2,9%.

8% - Valorização do dólar face às principais moedas mundiais

Quando rebentou a guerra na Ucrânia, muitos economistas vaticinaram que o reinado do dólar como moeda de reserva de valor a nível global tinha os dias contados. A globalização iria andar para trás, o comércio mundial ficaria mais fraco e as relações entre a China e o Ocidente mais frias, o que iria penalizar a moeda norte-americana.

A evolução do dólar ao longo de 2022 mostrou que estas previsões estavam afastadas da realidade. O moeda norte-americana foi o verdadeiro ativo de refúgio em 2022, beneficiando com a turbulência que se viveu em muitos períodos no ano e a política agressiva de juros que foi implementada pela Reserva Federal.

O DXY, índice que mede o desempenho do dólar contra as principais divisas mundiais, chegou a acumular um ganho anual de 20%, tendo terminado o ano com uma valorização bem mais contida de 8%, devido a uma correção na reta final de 2022. Ainda assim, foi o melhor desempenho desde 2015. O ano fica marcado pela paridade do entre o euro e o dólar pela primeira vez em 20 anos. A moeda europeia acabou o ano a valer 1,07 dólares, com uma queda anual de 6% face à divisa norte-americana. O discurso mais agressivo do BCE no último trimestre permitiu conter as perdas no segundo ano negativo para o euro.   

O mercado cambial também foi palco de movimentações extremas em 2022. O iene caiu para mínimos de 1998 face ao dólar (no ano perdeu 12%) devido à persistência do Banco do Japão na política de taxas de juro negativas, o que levou Tóquio a efetuar a primeira intervenção em mais de 20 anos para travar a queda da moeda. A libra afundou mais de 10% e atingiu um mínimo histórico, penalizada pela forte turbulência gerada pelo corte de impostos que a então primeira-ministra Liz Truss pretendia implementar.

15 mil dólares – Mínimo da Bitcoin em 2022

Em novembro de 2021, altura em que a apetite pelos ativos de risco estava ao rubro e a inflação ainda não preocupava, a Bitcoin estava imparável. A criptomoeda chegou a superar os 60 mil dólares, um máximo histórico que representava uma valorização de 100% no espaço de quatro meses e 1.000% em dois anos.

A partir dessa altura a história foi bem diferente. A maior das criptomoedas entrou em queda livre, fechando 2022 na casa dos 15 mil dólares, o nível mais baixo desde novembro de 2020. A Bitcoin acumula uma queda anual superior a 60%. Comparando com o mínimo histórico, já desce 76%.

A sangria atingiu todas as criptomoedas, com o valor conjunto das moedas digitais a baixar mais de 2 biliões de dólares. Um golpe na credibilidade desta indústria e que arrasou a esperança de as criptomoedas representarem qualquer tipo de alternativa às moedas tradicionais. E que também destapou alguns projetos sem sustentação, com destaque para o colapso da FTX, que era uma das maiores bolsas de criptomoedas do mundo.

Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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