Microprodução de energia para autoconsumo: Aspetos fiscais

Se é microprodutor de energia para autoconsumo e pretende vender o excedente, saiba o que deve fazer e como funciona a tributação.

A microprodução de eletricidade para autoconsumo a partir de energias renováveis, nomeadamente com recurso a painéis fotovoltaicos, é uma realidade cada vez mais presente nas casas dos portugueses. Neste artigo explicamos os aspetos fiscais relacionados com essa atividade.

Muitas famílias microprodutoras optam por não vender o excedente de energia elétrica  que produzem, perdendo assim esse rendimento extra, para evitarem as obrigações inerentes como, por exemplo, a faturação.

O Decreto-Lei n.º 85/2022 de 21 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023, veio simplificar, para as UPAC com capacidade até 1MW, os procedimentos a que os microprodutores estão obrigados com a venda dos excedentes de energia.

Como iniciar a atividade de microprodução de energia na AT

Se investiu numa UPAC - Unidade de Produção para Autoconsumo e produz energia apenas para autoconsumo, a poupança que obtém na fatura da eletricidade não tem implicações a nível fiscal. 

No entanto, se pretende vender o excedente de produção à rede para obter um rendimento extra, além de um contrato com uma empresa que comercialize ou agregue energia, deve ter atividade aberta nas Finanças.

Aceda ao Portal da Autoridade Tributária e Aduaneira e em “Serviços”, escolha “Alteração de Atividade” > “Situação Fiscal - Atividade - Alteração”. Entrando na nova área “ATividade” escolha “Submeter Declarações”.

A declaração de atividade é apresentada de forma intuitiva, em vários quadros, mas, à medida que vai avançando no preenchimento, é necessário algum cuidado com as informações que indica, uma vez que irão ditar o enquadramento em sede de IVA e IRS.

O CAE a preencher é o 35113 - Produção de eletricidade de origem eólica, geotérmica, solar e de origem, n.e..

Deve indicar uma estimativa do volume de negócios, ou seja, do valor que prevê obter com as vendas de excedentes de energia. Aqui deve ter um cuidado redobrado com as contas porque este valor é anualizado e vai definir se fica, ou não, isento de IVA.

Se pretender ficar isento de IVA (art. 53.º do Código do IVA), o valor anual estimado do volume de negócios deve ser inferior a 14.500 euros (em 2024). Com este valor fica também dispensado de retenção na fonte de IRS.

Por exemplo, se der início de atividade a 1 de julho, o volume de negócios indicado deve ser inferior a 7.250 euros para ficar isento de IVA. Está a indicar o valor de vendas estimado de 1 de julho a 31 de dezembro (6 meses), mas o sistema irá automaticamente calcular o montante anual, neste caso o dobro (12 meses), para efeitos de enquadramento em IVA e IRS.

Do mesmo modo, se der início de atividade no dia 1 de outubro, por exemplo, o volume de negócios que indicar será automaticamente quadruplicado pelo sistema para obter o equivalente a 12 meses.

Para ficar isento de IVA nos termos do art. 53.º deve sempre ter em conta o período que medeia a data de início de atividade e o dia 31 de dezembro desse ano e certificar-se que o volume de negócios que indica resulta num valor anualizado inferior a 14.500 euros (em 2024).

Os valores de venda de excedentes de energia elétrica por microprodutores UPAC, em média, oscilam entre 15 e 200 euros anuais, segundo a ADENE - Agência para a Energia. Se usar estes valores como volume de negócios estimado, independentemente da data de início de atividade, ficará enquadrado no regime de isenção de IVA previsto no art. 53.º e dispensado de retenção na fonte de IRS, uma vez que, no máximo, o valor anualizado será 2.400 euros (12 x 200 euros).

O enquadramento em IRS, quando o volume de negócios é inferior a 200 mil euros, é efetuado por defeito no regime simplificado, exceto se for exercida a opção pelo regime de contabilidade organizada. 

Se já tiver uma atividade profissional ou comercial em nome individual registada na AT, apenas tem de entregar uma declaração de alteração de atividade acrescentando o CAE 35113 como atividade secundária. Os rendimentos obtidos com a venda de excedentes de energia ficam enquadrados no regime de IVA e IRS da atividade principal.

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Tributação em sede de IVA, IRS e Segurança Social da venda de excedentes de microprodução de energia para autoconsumo

Autofaturação e comunicação de faturas

A autofaturação, ou inversão do sujeito passivo, permite libertar os microprodutores particulares e sujeitos passivos de muito pequena dimensão da obrigação de faturação, uma vez que esta passa para o adquirente, verificando-se assim a inversão dos papéis com o comprador a substituir-se ao fornecedor na emissão das faturas.

A empresa comercializadora (adquirente) está obrigada à autofaturação sem necessidade de acordo prévio quando o microprodutor (n.º 15 do art. 29.º do CIVA):

  • Está isento de IVA por volume de negócios inferior a 14.500 euros (art. 53.º do CIVA); ou

  • Está enquadrado no regime normal de IVA exclusivamente pela prática destas transações.

Nas restantes situações, a empresa comercializadora ou agregadora tem a obrigação de disponibilizar a autofaturação mediante acordo prévio (art. 89.º do Dec.-Lei 15/2022).

Quando o microprodutor estiver enquadrado no regime normal de IVA por outra(s) atividade(s), não se aplica o mecanismo da inversão do sujeito passivo, ou seja, não há lugar à autofaturação.

A comunicação à AT dos elementos das faturas deve ser obrigatoriamente efetuada até ao dia 5 do mês seguinte àquele a que respeitam.

O Dec.-Lei n.º 85/2022 transmite a obrigação de comunicação das faturas para o adquirente (empresa comercializadora) nas situações abrangidas pela autofaturação sem necessidade de acordo prévio. O microprodutor tem, no entanto, garantia de validação das operações.

Nas situações abrangidas por autofaturação com contrato prévio, a obrigação de comunicação das faturas é do adquirente se tal constar do contrato, caso contrário, a obrigação deverá ser cumprida pelo microprodutor.

Nos casos não abrangidos pela autofaturação, a obrigação de comunicar os elementos das faturas recai sobre o microprodutor.

Note que podem surgir alguns constrangimentos de ordem prática relacionados com a comunicação de faturas. Assim, é aconselhável verificar junto do adquirente e no Portal e-Fatura (área do emitente) se a comunicação está a ser corretamente efetuada nos casos em que esta é responsabilidade da empresa comercializadora.

Há situações em que o adquirente produz o ficheiro SAF-T, que contém as informações relativas às faturas emitidas, e o envia ao microprodutor que, por sua vez, o deverá submeter via e-Fatura (área do emitente) para a AT até ao dia 5 do mês seguinte ao da emissão das faturas.

Na ausência de ficheiro SAF-T pode, em alternativa, efetuar a comunicação no e-Fatura (área do emitente) introduzindo manualmente todos os elementos da(s) fatura(s) em “Faturação > Emitente > Comunicar Fatura”.

Nos meses em que não existirem vendas e, por conseguinte, não forem emitidas faturas, persiste a obrigação de comunicar a inexistência de faturação no e-Fatura em “Faturação > Emitente > Comunicação Mensal por Inexistência de Faturação”. 

Se a obrigação de comunicar as faturas for do microprodutor e este emitir as faturas diretamente no Portal das Finanças, elas ficam automaticamente comunicadas com a sua emissão.

Se o microprodutor usar um sistema de faturação eletrónico que comunique via webservice também não necessita de efetuar a comunicação no e-Fatura, uma vez que esta é automática no momento de emissão da fatura.

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Tributação em sede de IVA 

Existindo autofaturação:

  • Se o microprodutor tem a atividade nas Finanças enquadrada no regime especial de isenção do art. 53.º do CIVA, a empresa comercializadora ou agregadora ao emitir as faturas deverá incluir a menção “IVA - regime de isenção”.

  • Se o microprodutor tem a atividade nas Finanças enquadrada no regime geral de IVA, as faturas emitidas pelo adquirente deverão incluir a menção “IVA - autoliquidação”.

Nestas circunstâncias, cabe à empresa comercializadora ou agregadora entregar as declarações periódicas de IVA e proceder à liquidação do imposto, libertando assim o microprodutor desta obrigação fiscal.

Não existindo autofaturação por enquadramento do microprodutor no regime geral de IVA por outra(s) atividade(s), este deverá emitir as faturas e entregar as respetivas declarações periódicas de IVA.

Tributação em sede de IRS

Os valores obtidos com a venda dos excedentes de energia produzida para autoconsumo constituem rendimentos da Categoria B e estão sujeitos a tributação em sede de IRS.

Porém, existe uma isenção de IRS até ao limite anual de 1.000 euros, para os rendimentos obtidos com as vendas de energia produzida por UPAC com capacidade até 1MW (al. a) do n.º 11 do art. 12.º do CIRS).

Esta exclusão de tributação aplica-se independentemente de a atividade estar enquadrada no regime simplificado ou no regime de contabilidade organizada.

Se os rendimentos obtidos forem superiores a 1.000 euros anuais, serão tributados da seguinte forma:

  • Regime Simplificado - aplica-se o coeficiente 0,15 para apurar o rendimento tributável, ou seja, 15% das vendas anuais serão sujeitas a IRS;

  • Contabilidade Organizada - os rendimentos tributáveis enquadram-se no art. 20.º do Código do IRC (Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) e são determinados pela contabilidade.

Os microprodutores, na sua maioria, ficam aquém do limite de 1.000 euros anuais, estando assim isentos de tributação em sede de IRS. No entanto, quer haja, ou não, lugar a isenção, devem declarar estes rendimentos no Anexo B (regime simplificado), ou no Anexo C (contabilidade organizada - a entregar por um contabilista certificado), da Declaração Modelo 3 de IRS.

Se é um microprodutor (UPAC até 1MW) com a atividade enquadrada no regime simplificado, deve preencher o Quadro 4A, campo 420 - “Rendimentos resultantes de transações da energia excedente produzida para autoconsumo a partir de fontes de energia renovável” do Anexo B. Indique o valor total anual obtido com a venda dos excedentes de energia. As contas serão efetuadas automaticamente pelo sistema da AT:

  • Se as vendas forem inferiores a 1.000 euros, este rendimento não é considerado no cálculo de imposto;
  • Se as vendas forem superiores a 1.000 euros, o rendimento considerado para cálculo do imposto corresponde a 15% do valor que indicou.

Segurança Social

Os microprodutores com rendimentos da categoria B de IRS que resultem exclusivamente da venda de excedentes de energia produzida para autoconsumo estão isentos de contribuições para a Segurança Social (al. f) do art. 139.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social).

Ficam também dispensados de entregar o Anexo SS da Modelo 3 de IRS.

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Economista e Contabilista Certificada, licenciada em Organização e Gestão de Empresas pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Exerce atividade na área da Consultoria para os Negócios e a Gestão desde 1997. Desempenha as funções de Consultora Sénior e CEO na sociedade VVL Consultores da qual é sócia fundadora.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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