Baseado em factos reais, The Banker (2020) conta-nos como, na década de 1960, dois empreendedores afro-americanos conseguiram furar o esquema instituído que os impedia de recorrem aos empréstimos bancários para, dessa forma, poderem fundar um império no ramo do imobiliário. Como o fizeram propriamente? Contratando um homem branco para ser o testa-de-ferro, enquanto eles procuravam segurar as rédeas do negócio disfarçados de motorista e empregado de limpeza.
Bernard S. Garrett, o miúdo que engraxava sapatos e ouvia as conversas dos clientes, ou que se punha debaixo da janela dos bancos para escutar conceitos de economia e de finanças, foi capaz de definir rapidamente o seu sonho americano; o pai, porém, mesmo que percebendo o talento do filho para os números, avisou-o de um problema: a cor da pele. «Nasceste com a cor errada, filho. Pretos não podem ganhar dinheiro com isto. Os brancos não deixam, não importa o quão bom sejas.»
A cor da pele como critério para um empréstimo
Mas isso não chegou para demover o pequeno Bernard, que, já adulto e pai de família, deixa o lar paterno no Texas para ir em busca do seu sonho, na mítica Los Angeles. No seu papel de investidor imobiliário, procura oportunidades de negócio, mesmo em bairros só de brancos, antecipando que a realidade, em breve, poderia ser outra. O racismo, no entanto, mostra-se omnipresente. A procura de um parceiro investidor leva-o até ao banco: nem sequer consegue marcar reunião.
Felizmente que houve quem confiasse nas capacidades e na perseverança de Bernard. Ou talvez quem visse nele um modo de ganhar dinheiro sem grande esforço. Seja como for, associado a um proprietário branco, o jovem empreendedor compra imóveis, renova-os, arrenda-os. O negócio vai de vento em popa, até que o sócio morre e a viúva, branca e racista, rói o acordo verbal existente entre os dois homens. E é nesse momento de encruzilhada que Bernard, em vez de vergar, resolve subir a parada: ele quer ser o primeiro negro a comprar um edifício comercial na baixa de Los Angeles. Um edifício que tem dentro dele, nada mais, nada menos, do que 12 bancos…
Excluir uma raça inteira do sonho americano
O plano arrojado encontra eco noutro homem de negócios negro que já sentiu as mesmas dificuldades. Joe Morris (interpretado por Samuel L. Jackson) será o aliado perfeito na operação que envolve o tal testa-de-ferro branco. Quando forem donos do edifício e quiserem contrair o empréstimo, eles serão os senhorios dos bancos e não uns negros quaisquer.
Deixemos o resto da história em segredo, se bem que, por estarmos na América e em meados do século XX, não será difícil adivinhar que Bernard e Joe serão alvo de bastantes obstáculos e manigâncias, principalmente quando adquirem um banco no Texas com vista a ajudarem a comunidade negra a comprar as suas casas e fundar os seus negócios. Trata-se de mais um capítulo, portanto, da luta dos afro-americanos pelos mesmos direitos dos brancos, num conto que inclui bens confiscados, processos judiciários, negociatas secretas, jurados parciais, sentenças de prisão. O percurso de Bernard S. Garrett transforma-se num exemplo da capacidade de renascimento perante a adversidade e a injustiça. E numa voz que pretende fazer-se ouvir, mesmo perante uma comissão de senadores todos brancos. “Se [nós, os negros] não conseguimos um empréstimo, não podemos ter casa própria. Não podemos começar um negócio. O que significa que não podemos construir riqueza. E somos excluídos do sonho americano. Porque é tão importante para si excluir uma raça inteira de pessoas do sonho americano?»
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O negócio de um banco definido em três frases
Quando os dois homens de negócio instruem o seu testa-de-ferro, tentando torná-lo um perito em contas, em golfe, em álgebra, na arte da negociação –, surge a dado momento a definição sucinta de como funcionava, então, um banco:
Uma padaria tem lucro vendendo o pão mais caro do que aquilo que custa fazê-lo. Um banco tem lucro vendendo empréstimos mais caros do que aquilo que custa arranjar o dinheiro necessário para os empréstimos. Basicamente, um banco recebe dinheiro de depositantes a 3% e empresta-o a 5%.
Talvez Marc Tourneuil, o protagonista do filme Capital (2012) achasse a definição demasiado simplista, dado que ele se movimenta no complexo mundo da alta finança. Enquanto novo CEO de um gigantesco banco europeu de investimento, Marc terá de batalhar pelo seu posto e pelas suas ideias quando se vê confrontado com a tentativa de uma aquisição hostil por parte de uma companhia norte-americana de fundos especulativos. Realizado por Costa-Gravas (um dos realizadores mais politicamente envolvidos da história do cinema), este Capital acompanha o ritmo diabólico da vida de Marc, sempre em constantes reuniões e viagens, de um lado para o outro. O cenário vertiginoso pretende, sobretudo, demonstrar as diferenças culturais entre os dois continentes no que toca ao tema dinheiro. Assim, a guerra de sucessão no banco europeu envolve encontros secretos, complots, jatos privados, jantares de negócios, facadas nas costas, tudo servido num banquete de termos financeiros: produtos tóxicos, ações, fundos especulativos, acionistas, rentabilidade de capital, dividendos, agências de rating… Feitas as contas, querem-se bem evidentes as diferenças entre a ética bancária francesa e o capitalismo cowboy americano, onde só os resultados contam. Mas será mesmo assim? Será que a Europa continua tão incontaminada quanto antes?
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O dinheiro é um cão que não pede mimos
Uma das frases promocionais do filme assegura que “Quem manda é o dinheiro”, sem distinções geográficas. Dittmar Rigule, o especulador do fundo norte-americano, é alguém acostumado ao sistema em que os despedimentos fazem aumentar o valor das ações, assegurando chorudos bónus aos dirigentes. O mercado gosta de uma operação magra, elucida ele. Por isso, prepara-se uma carnificina social com a mesma descontração de uma partida de golfe. «As pessoas pensam que o dinheiro é um instrumento. Estão erradas. O dinheiro é quem manda. Quanto melhor o serves, melhor ele te trata.» Ainda por cima, aos olhos de Dittmar o dinheiro nem é particularmente exigente. «É como um cão que não pede mimos; só quer que lhe atirem a bola cada vez mais longe, para a poder ir buscar infinitamente.»
Nesta espécie de conto de Robin dos Bosques moderno e invertido, em que se tira aos pobres para dar aos ricos, talvez nos vejamos a torcer por Marc Tourneil, mesmo que o cadastro dele tenha as suas nódoas. É que apetece mesmo perguntar-lhe: sabias no que te estavas a meter quando aceitaste o cargo?
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