Cultura e Lazer

Dois filmes para quem tiver saudades da Troika…

Portugal recebeu a visita do FMI por três vezes. Encontraremos paralelos nos filmes sobre as intervenções na Coreia do Sul e Grécia?

Fundado em 1944, por 44 países, o FMI conta presentemente com 190 membros. Além da assistência financeira, através de empréstimos às nações necessitadas, esta organização mundial define-se como uma entidade que trabalha no intuito de que todos os seus membros possam atingir o crescimento sustentável e a prosperidade. Para o alcançar, refere-se o apoio às políticas económicas que promovam a estabilidade financeira e a cooperação monetária, ditas essenciais para o aumento da produtividade, para a criação de postos de trabalho e para o bem-estar económico.

O caos grego e o ministro carismático

Porém, dois filmes recentes procuram ir além das definições teóricas e mostrar os bastidores das negociações dos resgates financeiros, dando igualmente uma visão sobre os resultados das intervenções do FMI. Estreado em 2019, Adults in the Room (que em Portugal recebeu o título Comportem-se como Adultos) baseia-se no livro com o mesmo título escrito pelo ex-ministro das Finanças grego, o carismático Yanis Varoufakis. Além da obra, o realizador Costa-Gravas teve acesso às gravações feitas por Varoufakis de quase todas as reuniões do Eurogrupo (que junta os ministros das Finanças dos países da União Europeia) em que este participou, bem como a várias notas avulsas e documentos privados do tempo em que o economista pertenceu ao governo do partido Syriza.

O cenário, situado em 2015, mostra-nos, através de imagens de arquivo, um país com a economia em estilhaços. À beira da bancarrota, o novo governo grego tenta revoltar-se contra o punho de ferro imposto pela União Europeia. O primeiro-ministro e o ministro das Finanças querem negociar a dívida do país e acabar com a austeridade, de forma a permitir o crescimento económico. Varoufakis, um outsider que decidiu abraçar momentaneamente a política, é a figura central, abrindo-nos as portas para as reuniões, os apertos de mão, as negociatas, os compromissos, as conferências de imprensa em que se define o futuro dos países. Sempre a entrar e a sair de aviões e gabinetes, o ministro percorre as capitais do poder político europeu – Berlim, Londres, Paris – e encontra-se com os engravatados do poder financeiro, seja na banca alemã ou na City, centro financeiro do Reino Unido.

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Da Grécia à Coreia, em busca de diferenças

Enquanto se vão discernindo as tendências políticas e económicas da Europa, mais ou menos liberais, o filme não poupa os frente-a-frente sanguinolentos do ministro grego com os burocratas da troika – um representante do FMI, outro do Banco Central Europeu, mais um da União Europeia. As rondas negociais no Eurogrupo, por exemplo, estão repletas de acordos palacianos e declarações ocas. O jogo de braço de ferro, a certa altura, parece tão infantil que Christine Lagarde, então presidente e diretora-geral do FMI, diz que “precisamos de adultos na sala”. Estava escolhido o título para as memórias políticas de Varoufakis e para o filme de Costa-Gravas.

Em termos de puro cinema, Default (2018) acaba por ser mais entusiasmante. Narrado como se fosse um thriller, o filme dramatiza os bastidores da negociação entre o FMI e a Coreia do Sul, durante a crise financeira de 1997. Através de três histórias paralelas, acompanhamos o caminhar do país para o colapso económico, previsto por um quadro feminino do Banco da Coreia, mas negligenciado e escondido pelas altas esferas masculinas. «As crises abatem-se sem aviso», refere um slogan promocional de Default, que resume nos minutos iniciais a história do sucesso económico do país asiático. Até que surge o primeiro sinal de alarme, num simples ecrã de computador: «Todos os investidores devem sair da Coreia, imediatamente.»

Uma derrocada que começa por baixo

Os sinais da bancarrota iminente, afinal, já estavam espalhados pela sociedade. Pequenos negócios que fechavam por ficarem sem clientela, pois começava a faltar dinheiro àquilo que deveriam ser famílias de classe média endinheiradas. De repente, já eram as equipas especializadas das instituições governamentais a projetarem o cenário dantesco: sem capacidade financeira para sustentar as importações e exportações, a Coreia tinha uma semana até à falência nacional.

Default é uma história exemplar de como o governo e as entidades financeiras de um país podem ser autistas em relação ao que está a acontecer na sociedade. Presos à ideia de que, aconteça o que acontecer, façam-se os erros que se fizerem, a economia de um país aguenta sempre, os líderes coreanos teimam em não reconhecer a crise. E é face à ausência de um anúncio público que as outras histórias se desenrolam: a de um empresário que contrai um empréstimo (quando já não o devia ter feito), e a de um jovem gestor que, pressentindo a desgraça financeira prestes a abater-se sobre o país, convence um par de investidores a tirarem partido da iminente bancarrota. Pelo meio, surgem lições sobre economia: a ligação entre o empréstimo bancário e a confiança; as notas promissórias; os empréstimos sem garantias às PME…

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Os graúdos safam-se (quase) sempre

Este thriller económico não deixa de apontar o dedo ao tráfico de influências, às empresas que entram em negócios sem terem em consideração níveis de rendibilidade, aos bancos que fazem empréstimos às cegas e aos políticos que fazem lobby para o permitir. E se os conselhos de supervisão não funcionam? É a tempestade perfeita. É então que surge a decisão desesperada de recorrer ao FMI e aceitar as imposições à economia nacional. E o deitar das culpas para os cidadãos: foram eles que gastaram mais do que aquilo que deviam. 

Segue-se um cenário que não será desconhecido de muitos portugueses. As vendas de casas a preços baixos, precipitadas pelas dívidas. Os problemas de consciência, as questões de honra, os gestos de generosidade. As vidas arruinadas, quando, nas altas esferas, à porta fechada, continuam a ser feitos negócios de milhões.

Lembrar o passado para preparar o futuro

Os minutos finais do filme não podiam ser mais tenebrosos. Enquanto a protagonista, desesperada, chora no carro por não ter conseguido impedir o descalabro, surgem no ecrã informações arrepiantes: «Em 3 de dezembro de 1997, a Coreia assinou o acordo negociado com o FMI, tendo-se dado início à gestão pelo FMI. No ano seguinte, o número de desempregados aumentou para os 1,3 milhões. O número de suicídios subiu 42%, a taxa mais alta entre os países da OCDE.»

Que podemos fazer para evitar desgraças semelhantes? Si-hyun, a técnica que previra a ruína do país, surge no ecrã passados vinte anos, já diretora da sua própria empresa, para nos deixar um conselho final: «As crises repetem-se. Mas, para não ficarmos novamente indefesos, não podemos esquecer. Continuem a fazer perguntas e a verificar factos. Não deem nada por garantido. E encarem o mundo sempre de olhos bem abertos.»

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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