Imagem de lanternas chinesas num bairro estadunidense

O documentário “Abacus: Small Enough to Jail” (2016) conta a história de uma pequena instituição bancária sino-americana, o Abacus Federal Savings Bank, que teve de enfrentar uma longa e penosa batalha legal. O cenário de fundo é a terrível crise financeira de 2008; na altura, como refere a sinopse oficial do filme, o procurador do distrito de Manhattan, em Nova Iorque, acusou o banco, propriedade de uma família de imigrantes chineses, de fraude hipotecária. Os Sung não aceitaram um acordo e preferiram defender-se.

Se os grandes se safaram…

A luta do procurador estadual contra os Sung depressa tomou uma faceta de David contra Golias. O processo evidenciava também um certo contraste com o que acontecera com as entidades que tinham sido consideradas “demasiado grandes para falharem”, mesmo que tivessem culpas no cartório na dita crise financeira. Era como se, a certa altura, fosse preciso encontrar um bode expiatório: e alinhou-se o banco Abacus para a matança, fazendo desse banco um exemplo, num contexto em que tantos tinham cometido erros e negligências com impacto, não apenas numa comunidade, mas na economia à escala global.

A batalha legal, que duraria cinco anos, é apresentada como um thriller, embora nem sempre com o equilíbrio da equidistância. Mas este é daqueles casos que nos coloca perante uma questão de fundo: o moralmente aceitável versus o legalmente inaceitável. É esse, aliás, o dilema em que são colocados os jurados escolhidos para apreciar o caso em tribunal. Se os “grandes” conseguiram escapar à justiça, faz sentido culpabilizar os “pequenos”? Na barra do tribunal jogava-se também a honra de um apelido e, em parte, o destino de uma comunidade, pois o documentário espraia-se pelos temas da discriminação racial ou do papel do comércio tradicional na economia. Mas não estraguemos o suspense de um veredito, nem a possibilidade de cada um realizar o seu próprio juízo.

Abacus

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Em busca do sonho americano

Centremos, portanto, as atenções no outro lado do filme: o retrato de uma família empreendedora inserida na efervescente comunidade que compõe o bairro de Chinatown, em Nova Iorque. Os Sung representam uma integração bem-sucedida. Por um lado, não tiveram de renunciar às suas origens, à sua cultura, às suas tradições. O nome do banco, como explica o fundador, é um tributo ao país natal. «O ábaco é a calculadora chinesa. Na China, o ábaco é visto como um tesouro nacional. Por isso dissemos que íamos chamar Ábaco ao nosso banco.» Mas de onde terá vindo a ideia de criar um banco comunitário? Do filme preferido do casal Sung, “Do Céu Caiu uma Estrela” (It’s a Wonderful Life, 1946), uma espécie de clássico entre os clássicos da época dourada de Hollywood. E um dia, sim, um dia, teremos de falar desse filme.

Por agora, estamos no bulício de Chinatown . Mas, num passe de mágica, recuámos até à década de 1960, através de um jogo de tabuleiro que nos coloca no centro de uma nova vaga de imigrantes chineses. Face à chegada de milhares de homens e mulheres de trabalho, o bairro estende-se até Canal Street, a norte, e Bowery Street, a este. Vieram de mangas arregaçadas. Estes chineses estão empenhados em construir edifícios, estabelecer os seus negócios e cumprir o seu Sonho Americano. Cabe aos jogadores lutar por atingir essa ansiada meta.

Chinatown

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Loja de peixes tropicais ou casa de chá?

O tabuleiro representa o bairro de então, dividido em seis quarteirões. Ao longo de seis rondas, os jogadores-empreendedores recebem os rendimentos dos negócios que conseguirem abrir nos espaços numerados de 1 a 85; para se maximizar o lucro, as lojas do mesmo tipo terão de ser construídas em edifícios adjacentes. Mas esse objetivo requer competências na arte de negociar com os vizinhos, ou seja, com os adversários. O que nem sempre será fácil, como sintetiza a nota introdutória: «Neste jogo onde tudo pode ser negociado, são as duras leis de mercado que acabam por prevalecer.»

O colorido do bairro será dado pelos diferentes tipos de lojas. Há de tudo: estúdios de fotografia, ourivesarias, lojas de peixes tropicais, floristas, antiquários, fábricas e vários negócios ligados à comida, como restaurantes, marisqueiras, casas de chá, negócios de take-out e sítios especializados em dim sum. Ao longo de um período de seis anos (ou seja, seis rondas), com começo em 1965, ano da serpente, os empreendedores expandirão o seu império. As diferentes lojas completam-se com 3 a 6 espaços adjacentes; negócios incompletos geram menos dinheiro do que negócios que já foram expandidos até ao limite máximo. Ou seja, a competição será tanto pelo tipo de lojas, como pelos espaços imobiliários.

Chinatown

A arte de negociar com os outros

Chinatown é um jogo especialmente indicado para quatro ou cinco jogadores, sobretudo pela fase das trocas. Quais são as regras aplicadas nesse momento? O vale tudo! Negoceia-se e troca-se em simultâneo; todos podem interpor-se em qualquer negócio, a qualquer altura. E assim, no meio de alguma confusão, edifícios, lojas e dinheiro passam de mão em mão. Depois, constroem-se e inauguram-se espaços, de forma estratégica para potenciar os rendimentos.

Chegados a 1970, ano do cão, ganha quem tiver amealhado mais dinheiro. E, para prosperar e enriquecer nesta Chinatown, não será preciso pedir empréstimos ao banco da família Sung. Talvez baste ser o negociador mais ágil e esperto de toda a mesa.

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