trabalhador a relaxar no escritório

O calendário fiscal em Portugal é, por norma, exigente e apertado. Declarações, notificações, pagamentos e prazos sucessivos mantêm empresas, contabilistas e cidadãos constantemente em alerta. É precisamente neste contexto que surgem as férias fiscais, um mecanismo legal que permite uma pausa temporária na contagem de prazos fiscais e contraordenacionais durante o mês de agosto.

Embora o termo possa induzir em erro, é importante esclarecer que as férias fiscais não representam uma suspensão total das obrigações fiscais, mas sim um diferimento de prazos, garantindo previsibilidade e alguma tranquilidade aos contribuintes e profissionais da contabilidade.

Neste artigo, conheça o conceito, o enquadramento legal, o impacto prático e a forma como empresas e profissionais podem tirar o melhor partido deste período.

O que são as férias fiscais?

As férias fiscais correspondem a um período, geralmente entre 1 e 31 de agosto, durante o qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) suspende a contagem de determinados prazos legais. Isto inclui, por exemplo, prazos para responder a notificações, apresentar reclamações ou impugnações e pagar coimas em processo de contraordenação.

A sua introdução oficial remonta a 2021, através da criação do artigo 57.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), em resultado de uma proposta da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC). Esta medida teve como principal objetivo garantir o direito ao gozo de férias por parte dos profissionais da contabilidade, frequentemente impedidos de parar durante agosto devido à carga de trabalho fiscal.

Mais do que uma simples pausa, as férias fiscais passaram a representar um diferimento legal dos prazos que terminariam em agosto, permitindo o seu cumprimento até ao último dia útil desse mês ou, em casos específicos, até setembro.

Férias fiscais: Enquadramento legal e evolução

Desde a sua criação, o regime das férias fiscais tem vindo a ser progressivamente alargado e reforçado:

  • 2021: Instituição do artigo 57.º-A da LGT, com suspensão de prazos para resposta a notificações e outros atos do procedimento tributário.
  • 2022: A Lei do Orçamento do Estado alargou o regime ao exercício do direito de defesa, redução de coimas e pagamento antecipado de coimas.
  • 2023: O Orçamento do Estado introduziu um diferimento específico das obrigações de IVA, permitindo a entrega das declarações de junho e do 2.º trimestre até 20 de setembro, e respetivo pagamento até 25 de setembro.
  • 2024: As obrigações que terminem a 31 de agosto (sábado) podem ser cumpridas até ao dia útil seguinte, 2 de setembro.

Além disso, foram também introduzidas as chamadas férias contributivas, que abrangem prazos da Segurança Social e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), assegurando um regime semelhante ao das férias fiscais.

A quem se aplicam as férias fiscais?

Este regime aplica-se a todos os contribuintes, incluindo:

  • Empresas (entidades coletivas);
  • Empresários em nome individual;
  • Profissionais liberais;
  • Cidadãos com obrigações fiscais;
  • Contabilistas certificados.

Contudo, o impacto é mais evidente em quem tem responsabilidades na gestão fiscal e no cumprimento de prazos legais. Destacam-se:

  • Gestores e administradores, que devem assegurar a conformidade da empresa;
  • Departamentos financeiros, responsáveis por planeamento e tesouraria;
  • Contabilistas certificados, que lidam diariamente com prazos fiscais e comunicação com a AT.

O que está (e não está) suspenso?

Durante o mês de agosto, nem todas as obrigações fiscais ficam suspensas. É essencial distinguir entre:

Obrigações e prazos suspensos

  • Resposta a notificações e pedidos da AT;
  • Prazos para apresentação de reclamações, impugnações e recursos;
  • Procedimentos contraordenacionais (defesa, coimas, audições);
  • Prazos no âmbito de inspeções tributárias;
  • Procedimentos fiscais e contributivos, incluindo prazos da Segurança Social e da ACT.

Obrigações que se mantêm ativas

  • Pagamentos por débito direto previamente agendados;
  • Fechos mensais e reconciliações contabilísticas;
  • Comunicação de faturas e documentos de transporte via e-Fatura;
  • Declarações de remuneração (prazo alargado até 25 de agosto para a Segurança Social e 30 de agosto para a AT);
  • Obrigações internas de planeamento e reporting financeiro.

Ou seja, embora o calendário legal abrandar, a gestão da empresa não pode parar.

Destaques especiais: IVA e Segurança Social

Declarações de IVA – Junho e 2.º trimestre

O Orçamento do Estado para 2023 introduziu uma alteração decisiva: a entrega das declarações periódicas de IVA relativas a junho e ao 2.º trimestre pode ser feita até 20 de setembro, e o respetivo pagamento até 25 de setembro. Esta medida permitiu, finalmente, que os contabilistas pudessem efetivamente planear férias em agosto, sem sacrificar o cumprimento das suas obrigações profissionais.

Férias contributivas

Nos termos do artigo 23.º-B do Código Contributivo, desde 2023 que:

  • Obrigações cujo prazo termine em agosto podem ser cumpridas até 31 desse mês;
  • Declarações de remuneração têm prazo alargado até 25 de agosto;
  • Prazos relativos a procedimentos de fiscalização da Segurança Social são suspensos em agosto;
  • Procedimentos contraordenacionais (incluindo audições e coimas) são diferidos para setembro.

Leia ainda: Como funcionam as contribuições para a Segurança Social?

Como preparar a empresa para as férias fiscais?

Aproveitar as férias fiscais como vantagem estratégica passa por planeamento, organização e comunicação. Eis algumas boas práticas:

1. Antecipar tarefas

  • Validar calendário fiscal antes de agosto;
  • Fechar declarações e reconciliações bancárias com antecedência;
  • Evitar acumulação de obrigações para setembro.

2. Verificar notificações

  • Aceder ao Portal das Finanças e à caixa postal eletrónica;
  • Confirmar pendências e responder a tempo;
  • Prevenir surpresas durante a pausa.

3. Alinhar com o contabilista

  • Definir responsabilidades internas;
  • Garantir acompanhamento do e-Balcão e comunicações da AT;
  • Partilhar o plano de férias da equipa.

4. Organizar e rever processos

  • Atualizar registos contabilísticos e mapas de IVA;
  • Rever classificações, centros de custo, e procedimentos internos;
  • Preparar dashboards e projeções para o segundo semestre.

As férias fiscais surgem como uma resposta estruturada a uma necessidade antiga dos profissionais da contabilidade, mas o seu alcance vai muito além disso. Representam uma oportunidade para empresas e contribuintes reorganizarem processos, aliviarem pressões e planearem melhor o futuro.

Não se trata de um “período sem obrigações”, mas de um adiamento estratégico de prazos que permite um equilíbrio entre vida profissional e cumprimento fiscal. O sucesso passa por antecipação, comunicação clara e uma abordagem pró-ativa à gestão fiscal e contabilística.

A quem sabe planear, agosto deixa de ser um risco e passa a ser um mês de reorganização e vantagem competitiva.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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