Várias mãos a agarrar notas de dólar

“Ouro de Tolo” (1973) – Raul Seixas

Uma balada cantada como uma prece, tudo de uma assentada, quase sem tempo para respirar, em que Raul Seixas se confessa «um dito cidadão respeitável», que tem um emprego e um ordenado. «Eu devia estar contente», reconhece; devia até agradecer a Deus, por ter tido sucesso como artista. Até conseguiu comprar o seu carro de sonho e morar num apartamento em Ipanema. Mas eis que escutamos um comentário irónico sobre esse aparente estado de felicidade: ao que parece, tudo aquilo terá sido alcançado «depois de ter passado fome / por dois anos», no maravilhoso Rio de Janeiro. Ou seja: essa sensação de se ter vencido na vida, esses motivos para sorrir e estar orgulhoso, talvez sejam apenas «uma grande piada / e um tanto ou quanto perigosa». Raul Seixas mostra-se dececionado. Subiu até onde desejava. «E agora eu me pergunto “E daí?”» Na sua vida de sonho, tudo se tornou um aborrecimento.

Ah!

Mas que sujeito chato sou eu

Que não acha nada engraçado

Quando se olha ao espelho, o protagonista da canção sente-se «um grandessíssimo idiota», ao ter a noção de que é humano, «ridículo, limitado», que nem sequer usa dez por cento das suas capacidades cerebrais. O dinheiro, no fundo, não lhe trouxe a felicidade. Que lhe resta agora? Ficar parado «no trono de um apartamento», no cume calmo, com cercas a separarem os quintais, a esperar a morte?

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“Não há Dinheiro que Pague” (1968) – Roberto Carlos    

Num ritmo mais acelerado, Roberto Carlos explica, sem necessidade de muitos versos, que o segredo da vida é capaz de ser uma coisa bem mais simples. Esta é a história de um amor que deu para o torto, por culpa própria. Presume-se que o protagonista seja um rapaz, um jovem, ou até um homem que achava, muito convictamente, que poderia largar a outra pessoa e não ficar com razões de queixa da vida. Só que… «Mas quando fiquei sem lhe ver / Então é que eu pude entender / Que não há dinheiro no mundo / Que me pague a saudade de você». O erro cometido acaba por ter um duro castigo. O protagonista sofre bastante, antes de conseguir recuperar o amor que, com alguma soberba, tinha desperdiçado. Pois é, está aprendida a lição:

Não há dinheiro no mundo

Que me pague a saudade que senti

“Baza, Baza” (2002) – Boss AC

Nos inícios do novo milénio, Boss AC protagonizava um videoclip quase ao estilo do que se ia vendo no hip hop norte-americano: ele a andar por aí, na companhia dos amigos, no seu automóvel de luxo. Mas a letra quer avisar-nos de que a realidade talvez não seja bem o que se vê. «Abre a pestana, tana / Isto aqui não é um filme, boy», diz-se no refrão. O filme da realidade é ter milhentas preocupações na cabeça. «Sem dinheiro não é fácil não desanimar». Face à acumulação das contas por pagar, surge até a tentação de ficar pela cama, a esquecer o drama. «E quando durmo imagino a vida doce / Abro a pestana e quando acordo acabou-se».

O protagonista – ou Boss AC se quiserem –, até pode ser conhecido, mas isso não equivale nem a riqueza, nem a felicidade. «Sou ilusão só porque me viram na televisão / Imaginam a mansão e o carrão mas sem noção». E depois, aquela ideia de que um artista tem a vida fácil… «Tudo o que tenho foi suado, nada me dado / Metade do que tenho fica para o estado». Boss AC tem os mesmos problemas da maior parte das pessoas. Os impostos, como já dito. E também não consegue trabalhar com o estômago vazio e também tem de pagar a renda da casa para não acabar ao frio. Mesmo assim, o seu feitio não é de «afogar as mágoas em bagaço», nem está disposto para «fazer figuras de palhaço». Por isso pede que o deixem no seu cantinho, que lhe deem espaço para fazer a sua cena; e quem vier por mal… «Baza, baza, vai p’ra casa, casa», que o moço, conforme canta, só quer paz e amor.

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