Imagem de uma família de bonecos de madeira em frente a uma pilha de moedas

Se excetuarmos o pequeno “detalhe” de que normalmente implica a morte de alguém de quem se gosta, uma herança pode, na verdade, ajudar a resolver situações financeiras complicadas. «Quem não herda, não medra», podia ser uma síntese da importância que um dinheiro extra pode ter. Isso se o testador deixar alguma coisa que se veja, claro está. A vida que se faz tem impacto no que se deixa. Quem gastar tudo… «Cozinha gorda, testamento magro», avisa-se. Mas quem gasta tudo em vida até pode ter as suas razões. Cada família, já se sabe, é um caso. E há casos em que… «Mais quero para os meus dentes que para os meus parentes.» Ou seja, mais vale gastar comigo do que deixar para os que me rodeiam. Conseguem imaginar o tipo de família que deu azo a provérbios desta crueza?

Herdeiros: esses dissipadores de fortunas

A sabedoria popular inclui vários alertas sobre pessoas que esfregam as mãos de impaciência. As viúvas, por exemplo, são historicamente malvistas. «A viúva rica com um olho chora e com outro repica». Repica de alegria, como os sinos, esclarece António Delicado no seu Dicionário de Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Comuns (1641). Mas os restantes herdeiros não merecem melhor fama. «Lágrimas de herdeiros, risos secretos», já se listava no mesmo dicionário, encontrando-se versões posteriores que substituem o “riso secreto” por “riso sorrateiro”. Vai dar ao mesmo. Estava tudo à espera de que o homem esticasse o pernil!

Imaginemos então a morte de um patriarca que deixa aos filhos uma fortuna enorme. Que irá acontecer? «Depois de um bom poupador, um bom gastador.» Eis que entram em cena aqueles que espatifam as heranças. Não faltam provérbios sobre herdeiros dissipadores, capazes de estragar até impérios económicos. Vejamos uns quantos exemplos:

«Fazenda herdada é menos estimada.»

«Pai rico, filho nobre, neto pobre.»

«O que o berço dá, a tumba o leva.»

«Pai avarento, filho pródigo.»

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Será melhor levar uma vida de avarento?

Porém, se recorrermos aos volumes do conselheiro Rodrigues de Bastos, impressos em 1847, a avareza aparece como um pecado digno de castigo. «Um grande tormento para o avarento seria ver o uso que seus herdeiros fariam de seus bens», diz-se numa máxima. «Quanto mais o cofre do avarento é pesado, mais a dor de seu herdeiro é leve», avisa-se noutra. «A vida do avarento é uma comédia, de que se não aplaude senão a última cena», sentencia-se a dada página desta Coleção de Pensamentos, Máximas e Provérbios. Mais uma? «Os avarentos acumulam sempre, para depois fazerem rir os seus herdeiros.»

Mas, se o avarento não colhe propriamente as simpatias do Conselheiro, um certo tipo de herdeiros também não lhe merece grande apreço. «Aquele que trata um moribundo na esperança de vir a ser seu herdeiro, e só por esse motivo, é uma ave de rapina, que voa em roda de um cadáver.» Ou, de forma mais simples e numa versão de um dos ditados já aqui citados, «Os prantos dos herdeiros são muitas vezes risos disfarçados».

Os rios que se tornam ribeiros

Como sempre, encontramos um manancial de teses a favor de ambos os lados. «Dar antes de morrer, é dispor-se a sofrer», diz-se ao eventual testador. Mas um tempo de vida avaro ou maldoso também terá consequências, pois «Não vale a pena gastar cera com ruins defuntos».

Ainda assim, vendo bem as coisas, talvez existam razões para apostar numa certa poupança. «Quem junta para si, poupa para os outros», lista o Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios do Major Hespanha. Mas, se os herdeiros forem muitos, lá se vai a fortuna, pois «Rio que se divide, torna-se ribeiro».

Na visão do conselheiro Rodrigues de Bastos, o maior bem que se pode legar nem será o dinheiro. «A educação é a mais valiosa herança que os pais podem deixar a seus filhos.» Talvez seja uma visão demasiado idealista, não? Que mal faz um dinheirinho a mais? Para o conselheiro, até pode fazer. «Os filhos seriam talvez mais caros a seus pais, e reciprocamente os pais a seus filhos, sem a qualidade e o título de herdeiros.»

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Se calhar, o melhor é não ficar à espera…

Com tantas opiniões divergentes, o mundo dos provérbios bem pode deixar-nos mais confusos do que esclarecidos. Mas nesta questão específica das heranças, talvez possamos citar mais três, adequados aos diferentes papéis, que nos incitam à ação, em vez do mero cruzar de braços, à espera da morte de alguém.

Assim, ao testador, diremos: «O que em vida não fizeres, de teu herdeiro não esperes».

Ao herdeiro, diremos: «Quem espera por sapatos de defunto, toda a vida anda descalço».

E, a ambos, diremos algo que também se aplica a este texto: «Quem vier atrás de mim, que feche a porta».

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