Imagem de uma mão a segurar em moedas e notas amarrotadas

Esta nova incursão no tema até vai começar com a repetição de um provérbio: «De grão em grão a galinha enche o papo». Mas, se o voltamos a citar, é porque vale a pena ir buscar a explicação do Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos, das Seleções do Reader’s Digest. “Significa este provérbio que não se deve negligenciar pequenas vantagens pessoais, que, acumuladas, poderão se tornar grandes”. 

Ou então, a repetição deve-se a ter-nos faltado listar outras formas de dizer a mesma coisa. Ele é o «De raminho em raminho, o passarinho faz o seu ninho». Ele é o «Um grão não enche o celeiro, mas ajuda ao companheiro». Ele é o «De tostão em tostão, vai-se ao milhão», que também merece comentários adicionais de R. Magalhães Júnior, no referido dicionário das Seleções: “Com as pequenas economias é que se alicerçam as grandes fortunas. Os dissipadores, que não derem importância aos tostões, por serem apenas tostões, nunca chegarão a ter milhões.”

Demasiada economia pode ser moléstia?

Às vezes, nisto dos provérbios mais antigos, é mesmo preciso que nos deem umas luzes sobre o significado das palavras. Por exemplo, Paulo Perestrello da Câmara, o autor da Collecçao de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Lingoa Portugueza, sentiu necessidade de explicar o dito «Casa da magra acharia», a denunciar um lar “onde não reina a abundância”, por se praticar “economia em demasia”. Como esclarece o autor, “Ucharia é sinónimo de despensa”. Mas deixemos este extremo negativo da poupança, para voltar às vantagens de amealhar umas moedas.

«Dinheiro guardado, dura muito tempo», relembra-se, no Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios, do Major Hespanha. Guardar, aliás, é termo popular e frequente nesta questão da poupança. «Estuda e saberás, guarda e terás», dizem-nos. «Mais vale guardar que pedir», avisam-nos. E a poupança pode ser algo que começa bem cedo: «Guarda enquanto moço, acharás na velhice», listava-se na coleção de Perestrello da Câmara, publicada no ano de 1848. Ou, numa forma mais retorcida, «Antes velha com dinheiro, que moça com cabelo», como refere António Delicado, no seu Adágios Portugueses Reduzidos a Lugares Comuns, de 1651.

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No século XIV reina a prudência e a temperança

Se recuarmos ainda mais uns séculos, até ao Livro dos Mil Provérbios, compilado por Ramon Llull, em 1302, encontraremos outros termos que podemos associar à arte de poupar. A prudência, por exemplo, neste simples «Quem tem prudência não é pobre», ou no mais intrincado «Se não há nada que se possa ganhar com a imprudência, não há nada que se possa perder com a prudência». Também se exalta a temperança, encarada como «o tesouro da vida». Segundo o livro de Llull, «A temperança e a riqueza são irmãs».

Como então se vivia numa época temente do juízo de Deus, apontava-se o dedo aos pecados capitais: «A glutonia gasta e não guarda». Muitas máximas, aliás, ligavam-se, então, ao lado espiritual da vida. «Podes ser mais rico dando que retendo» apela à face benemérita dos endinheirados, que assim poderiam ir preparando uma futura entrada no Paraíso. Mas que diria Ramon Llull dos multimilionários dos nossos tempos, ávidos em amealhar mais e mais milhões?

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Gastos e poupanças: Uma questão de escala

Voltemos à poupança do comum mortal, onde cada cêntimo conta. Aqui, nesta economia em que «Migalhas também são pão», todo o cuidado é pouco. «É tarde para economia quando a bolsa está vazia», relembra a sabedoria popular. Mas, por vezes, é inevitável despender-se dinheiro, numa urgência qualquer, numa necessidade premente… Se possível, que depois se faça o esforço para repor o gasto: «De onde se tira e não se põe, falta faz.» E evitem-se os excessos, pois «Quem come tudo num dia, no outro assobia».

Tudo, afinal, pode ser uma questão de escala: «Quem pouco tem, menos gasta». Ou de escolhas: «Quem quer prosperar na vida, tem de gastar por medida.» Ao pródigo em gastos, ao que não gosta de trabalhar, os Adágios Portugueses de António Delicado dedicam uma sentença: «Mercador fidalgo, nunca o verás medrado». Ou seja, quem preferir passar-se por nobre ocioso, em vez de batalhar no seu ofício, dificilmente prosperará.

Acabemos como começamos, com uma versão de algo já dito: «Vintém poupado, vintém ganhado». E, como já não temos vinténs em circulação, recorramos à explicação no dicionário do Reader’s Digest: “Esse provérbio foi cunhado nas antigas moedas de cobre, de 20 réis, do tempo do Império.” Coisas de outro tempo, portanto. A arte de poupar, porém, essa continua atual.

Por falar nisso, este mês já pôs de parte o seu tostãozito?

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