A Ficha Técnica da Habitação (“FTH”) é muito mais do que um simples documento – trata-se de uma peça fundamental para assegurar a transparência e confiança no mercado imobiliário, oferecendo ao consumidor uma visão completa e rigorosa das características técnicas e funcionais de um imóvel. Instituída no nosso país pelo Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de março, a sua correta elaboração e disponibilização promove negócios mais informados e responsáveis entre promotores, técnicos, mediadoras imobiliárias e compradores finais.

Este artigo pretende clarificar dúvidas, analisando a legislação em vigor e expondo as principais responsabilidades legais associadas à Ficha Técnica da Habitação.

O que é a Ficha Técnica da Habitação (FTH)?

A Ficha Técnica da Habitação é um documento descritivo das características técnicas e funcionais de cada fração autónoma de um prédio urbano destinado à habitação, com referência ao momento da conclusão da obra (construção, reconstrução, ampliação ou alteração). O seu objetivo principal é reforçar os direitos dos consumidores à informação no momento da aquisição de imóveis, para que aqueles possam saber o que estão a adquirir.

Enquadramento legal: Quem regula a FTH

A FTH foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de março, tendo-lhe sido introduzidas alterações pelo Decreto-Lei n.º 118/2008, de 7 de julho.

O modelo oficial que as fichas devem seguir foi aprovado pela Portaria n.º 817/2004, de 16 de julho, que define a forma, os elementos e obriga a utilização de um modelo padronizado, não manuscrito.

Quem elabora e quem aprova a FTH

A responsabilidade pela elaboração da FTH recai sobre o promotor imobiliário e o técnico responsável pela obra, normalmente através de engenheiro ou arquiteto. Ambos devem assinar a ficha, declarando que as informações constantes correspondem àquilo que foi efetivamente construído.

Relativamente à aprovação formal, a Câmara Municipal (município) onde se processou o licenciamento deve receber e arquivar uma cópia (ou cópias) da FTH no momento da conclusão da obra ou para efeitos de depósito.

Desde quando está em vigor e a quem se aplica

A FTH passa a ser exigida para prédios edificados ou intervencionados após 30 de março de 2004, data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 68/2004.

Estão dispensados desta obrigação:

– Prédios construídos antes da entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), que remonta ao Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de agosto de 1951;

– Prédios que, em 30 de março de 2004, já tivessem licença de utilização emitida ou requerida.

Obrigação de informação ao consumidor: Imobiliárias e promotores

No momento da negociação e venda de um imóvel, o promotor imobiliário ou a entidade vendedora deve disponibilizar ao comprador interessado uma cópia da FTH (ou da versão provisória, se ainda não existirem os documentos finais), para consulta e análise.

No ato da escritura, e apesar de já não constituir um requisito formal para a sua execução, a original da FTH deve ser entregue ao comprador.

Se houver desconformidades entre a FTH apresentada e o que foi efetivamente construído, o técnico que assinou e o promotor podem ser responsabilizados.

O IMPIC (Instituto dos Mercados Públicos, Imobiliário e da Construção) é a entidade competente para instruir processos de contraordenação quando são detetadas informações falsas ou desconformes na FTH.

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Uma vez que, com o Pacote Mais Habitação, a licença de utilização deixou de ser emitida, qual o impacto na obrigatoriedade da FTH

Com as novas regras do Simplex Urbanístico, há alterações relevantes: a partir de 1 de janeiro de 2024, deixou de ser obrigatório apresentar a Ficha Técnica da Habitação ou a licença de utilização no momento da escritura ou do pedido de crédito habitação.

No entanto, a obrigação legal da existência da FTH mantém-se: o documento continua a existir, porque a lei (Decreto-Lei 68/2004) ainda exige a sua elaboração, e os compradores podem e devem continuar a solicitá-lo para garantir segurança jurídica da sua aquisição.

A dispensa legal na formalização negocial (escritura) não significa que o prédio deixa de precisar de FTH para efeitos urbanísticos ou de conformidade técnica: ainda que tenha deixado de ser um requisito para a formalização das escrituras de compra e venda, a FHT continua a ser obrigatória assim como o projeto e a construção de prédios, moradias e outras edificações continuam a estar sujeitas a regras e obrigações urbanísticas.

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Pode o notário ou quem faz o diagnóstico predial prescindir da FTH?

Com a simplificação legal (Simplex), notários, advogados ou solicitadores que intervenham na celebração de escritura ou documento particular autenticado já não têm obrigação legal de exigir a exibição da FTH (assim como da licença de utilização) no momento da transmissão.

No entanto, essa dispensa formal não retira o direito do comprador de pedir a FTH antes de assinar o contrato-promessa ou a escritura.

Também não impede que instituições financeiras (bancos) peçam a FTH para avaliar riscos de crédito habitação, se assim o desejarem.

Quais as responsabilidades do técnico e da Câmara Municipal na elaboração da FTH?

O técnico (engenheiro/arquiteto) que assina a FTH deve garantir que os dados declarados correspondem à realidade construída. Se houver divergências, poderá haver responsabilidade civil (o comprador lesado) e contraordenacional, com coimas aplicadas pelo IMPIC.

A assinatura do técnico funciona como declaração de conformidade: ele está juridicamente comprometido com a exatidão das características técnicas, estruturais e funcionais descritas.

a Câmara Municipal tem a obrigação de receber e arquivar a FTH depositada pelo promotor no processo de licenciamento ou posterior.

A Câmara, além disso, é parte interessada em garantir que o documento depositado é verídico e corresponde ao que foi construído, visto que faz parte do processo urbanístico.

Riscos e consequências da ausência ou falsidade de FTH

– Se a FTH não for emitida, ou se for mal elaborada (informação falsa ou incompleta), o comprador pode estar exposto a surpresas: por exemplo, diferenças entre o que foi declarado e o que existe (área, acabamentos, equipamentos).

– Para os responsáveis (promotor e técnico), além das coimas por contraordenação, pode haver uma responsabilidade civil se o comprador demonstrar prejuízo.

– A falta de FTH ou a existência de uma ficha desconforme pode também afetar a confiança no mercado imobiliário e a transparência entre promotores e consumidores.

Conclusão

A Ficha Técnica da Habitação, apesar de já não constituir um requisito legal para a formalização de transmissão de bens imóveis destinados a habitação, continua a ser um ponto fundamental da proteção do consumidor que se propõe a adquirir uma casa, prédio ou moradia, mesmo com as recentes simplificações legais. Embora já não seja obrigatória a sua exibição no momento da escritura desde janeiro de 2024, isso não significa que o documento perdeu relevância.

Promotores e técnicos não podem ignorar a sua elaboração e assinatura, pois dele derivam responsabilidades jurídicas sérias. Aos compradores cabe pedir a FTH antes de fechar negócio: é uma ferramenta fundamental para assegurar que aquilo que estão a adquirir corresponde efetivamente às condições técnicas e legais da habitação.

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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