Durante décadas, a mediação imobiliária em Portugal foi tratada como o parente pobre do setor, muito como aquele primo que poucos querem admitir que faz parte da família. Porquê?

Talvez por estar ligada diretamente a um passado menos nobre da área de vendas, com um início pouco especializado, com histórias de “enganos”, conflitos de interesses, suspeitas e toda a narrativa que se foi injustamente construindo à volta de uma atividade que nenhum player dispensa para apoiar a sua atividade no imobiliário.

A verdade é simples: não existe imobiliário sem transações.

A mediação, legislada desde 1967 em Portugal, sempre evoluiu ao ritmo das necessidades do mercado. Passou por mudanças profundas, sofreu, reinventou-se, caiu, levantou-se e hoje apresenta resultados não apenas surpreendentes, em termos quantitativos, mas também, e felizmente, qualitativos, com cada vez maior especialização na área de mediação. No entanto, não na proporção que a atividade merece, havendo ainda muito para percorrer neste sentido no que diz respeito à credenciação, formação e credibilização de uma profissão que já foi vista como acessória e hoje é central no ecossistema imobiliário.

Do vendedor ao empreendedor, um modelo atual com risco e comissões cada vez mais altas

O mercado português adotou, à boa maneira norte-americana, um modelo baseado no empreendedorismo puro e duro: o dono do negócio e o agente colaboram em regime B2B, cada um com os seus riscos, sem salário fixo e com uma remuneração exclusivamente variável.

É bonito no papel e glamoroso no Instagram, mas na vida real funciona como qualquer modelo empreendedor: uns brilham, muitos tentam, poucos conseguem.

Nos últimos 10 anos, e com o amadurecimento do modelo, assistimos a uma escalada na percentagem de comissão atribuída aos agentes. Modelos de 70%, 80%, 90% e até 100% tornaram-se banais, impulsionados por empresas que, na tentativa de atrair mais e mais talento, entregaram margens cada vez maiores, trabalhando um modelo de quantidade e não de valor.

Mas há que referir um “pequeno detalhe” que raramente aparece nas campanhas de recrutamento: estas percentagens incidem sobre a comissão paga pelo cliente que, em Portugal, continua a ser maioritariamente paga pelo cliente vendedor em valores médios entre 3% e 5%.

Com um ciclo de mercado de preços de venda cada vez mais elevados, o bolo aumentou… e toda a gente quis uma fatia maior. Resultado? O mercado cresceu, mas a batalha pela rentabilidade tornou-se mais feroz do que nunca.

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O fator Pareto que ninguém quer admitir

Num mercado altamente competitivo e pró-ativo, encontrar produto é cada vez mais difícil. E quando o produto é escasso, quem sofre é o lado mais frágil da equação: o comprador.
A consequência direta disto? Muitos agentes não conseguem rentabilidade suficiente para viver exclusivamente da atividade.

Se aplicarmos a famosa Lei de Pareto, arrisco-me a dizer que apenas 20% dos agentes estão verdadeiramente num patamar de sustentabilidade financeira consistente. E mesmo estes 20% vivem num ambiente onde a pressão, a exigência e a necessidade de diferenciação nunca foram tão altas.

Mas o ponto crítico não está no agente, até porque se não correr bem, o agente troca de marca, ou de atividade, ou de país. A mobilidade é fácil porque, regra geral, não carregam uma estrutura.

O mediador, esse sim, carrega toda a operação. Marketing, jurídico, gestão processual, integração, retenção, formação contínua, tecnologia, comunicação, recrutamento, faturação, compliance, espaços físicos, equipas administrativas… e, em muitos casos, ainda royalties e outros custos inerentes a uma operação que tem base num modelo de franchising.

É aqui que o sapato começa a apertar: as margens dos mediadores têm vindo a ser esmagadas ano após ano e, com margens comprimidas, muitos já chegaram à conclusão – ainda que não o digam em voz alta – de que o seu negócio deixou de ser mediação imobiliária, ou pior, que mais valia serem agentes. Hoje são, na prática, empresas de prestação de serviços para agentes imobiliários que só precisam de se preocupar em pagar um fee mensal, usar os serviços, e o resto, é com ele.

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Tecnologia, automação e o futuro inevitável

A tecnologia e a automação estão a acelerar uma transformação silenciosa.
Não é preciso ser futurólogo para prever que:

  • alguns modelos tradicionais de mediação vão desaparecer;
  • outros vão reinventar-se radicalmente;
  • e os agentes, cada vez mais independentes, vão aproximar-se do papel de “micro-mediadores”.

A boa notícia é que o modelo de futuro não será a mediação como a conhecemos. Será um futuro onde a relação humana, a especialização, a ética e a proposta de valor real serão os únicos fatores de relevância e sobrevivência, exatamente como tenho vindo a repetir ao longo de anos no meu blog.

E não, a meu ver a mediação não vai morrer. O que vai morrer é a ideia romântica da mediação “igual para todos”.

O mercado vai exigir triagem natural:

– Quem se especializa e aprende a acrescentar valor, fica.
– Quem apenas aprende a apresentar a sua imagem e casas, vai desaparecer.

Continua a existir uma oportunidade gigantesca, talvez maior do que nunca, para aqueles que entendem que mediação é mesmo, e antes de tudo, um negócio de pessoas para pessoas onde relevância, valor e confiança são cruciais para se apostar no investimento de uma relação contratual, a curto prazo num contrato, e a longo, em referenciação.

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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