Descida das prestações do crédito vai ser lenta

O BCE deverá começar a baixar os juros em junho, mas a evolução da política monetária no segundo semestre é cada vez mais incerta.

Quem tem crédito habitação recebeu uma notícia positiva na reunião do Banco Central Europeu (BCE) que aconteceu a 11 de abril. Os responsáveis do banco central sinalizaram, de forma bem explícita, que deverão anunciar em junho a primeira redução de juros desde 2019, pelo que a taxa dos depósitos do BCE (referência para o crédito) vai começar a baixar do máximo histórico em que se encontra.

A má notícia é que parece cada vez mais improvável que este corte de juros previsto para junho represente o início de um ciclo de reduções acentuadas das taxas. O BCE continua muito cauteloso a sinalizar como vai atuar depois de junho e a conjuntura está cada vez menos favorável para que o banco central implemente um alívio significativo da política monetária ao longo do resto do ano.

Se o ciclo de subidas foi muito célere e agressivo, é previsível que a inversão de política seja lenta e pouco pronunciada. Apesar de ter reagido tarde ao disparo da inflação a partir de meados de 2021, o BCE efetuou 10 subidas de juros num total de 450 pontos base (4,5 pontos percentuais) entre julho de 2022 e setembro do ano passado. As perspetivas atuais, dos mercados e dos economistas, apontam para que a autoridade monetária baixe os juros apenas por três vezes este ano, num total de 75 pontos base.

As estimativas no início do ano eram bem diferentes. O mercado chegou a estimar seis cortes de juros do BCE em 2024, num total de 150 pontos base que colocaria a taxa dos depósitos em 2,5%. A descida mais branda da inflação e uma série de outros fatores que estão detalhados em baixo explicam este ajuste de expectativas que tem tido impacto nas taxas de juro que servem de referência para o crédito habitação com prestações variáveis.

As taxas Euribor estão atualmente abaixo dos máximos atingidos em setembro e outubro, mas acima dos valores observados em fevereiro. A tendência mais recente tem sido de alta ligeira, refletindo este ajuste de expectativas para a evolução das taxas de referência. A Euribor 12 meses, cada vez mais utilizada como indexante no crédito à habitação em Portugal, está cerca de 20 pontos base acima do registado em fevereiro (3,5%). No prazo a seis meses, a descida face a máximos é muito ténue.

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A maioria dos portugueses com crédito à habitação já sentiu algum alívio na sua prestação, mas a descida foi de dimensão reduzida. E há casos em que ainda se vão sentir agravamentos. Quem tem um crédito indexado à Euribor a 12 meses, com revisão em maio, escapou aos efeitos das taxas acima dos 4%, mas deverá registar um aumento da sua prestação. Um crédito indexado à Euribor a seis meses deverá beneficiar de uma baixa com significado na revisão de maio, mas a prestação continuará bem acima do registado em maio do ano passado.

Caso se confirme que o BCE vai mesmo começar em junho a baixar os juros e continuará a aliviar a política monetária, ainda que de forma lenta, as taxas Euribor vão acompanhar a tendência, o que permitirá que os custos dos portugueses com o crédito habitação continuem a baixar. Três cortes de juros de 25 pontos base em 2024 colocará a taxa dos depósitos em 3,25% no final do ano, pelo que nessa altura as taxas Euribor estarão neste patamar, que é inferior aos níveis atuais.

A velocidade e agressividade do BCE a baixar os juros dependerá da evolução de um conjunto de fatores, que estão descritos de seguida:

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Fed em modo de espera

Se as expectativas para a evolução dos juros do BCE são agora mais contidas, no caso da Reserva Federal (Fed) dos Estados Unidos o ajuste foi ainda mais pronunciado. No final de 2023 o presidente do banco central sinalizou que estava preparado para baixar os juros. O mercado apontou o primeiro corte para março, depois adiou para junho e as estimativas atuais já apontam para setembro. Na melhor das hipóteses, uma vez que alguns economistas já arriscam que a Fed não baixará os juros em 2024.

A “culpa” é da inflação, que saiu acima do esperado nos primeiros três meses do ano, ao mesmo tempo que a economia norte-americana continua “aquecida” e sem se vislumbrar o impacto da política monetária restritiva. A evolução do mercado de trabalho é o melhor exemplo da resiliência da maior economia do mundo, que está a criar novos empregos há 39 meses seguidos, o que representa o quinto período mais longo da história. Só em março foram mais de 300 mil.

O BCE é um banco central independente e define a sua política monetária em função dos dados económicos na Zona Euro, mas no passado foi sempre a Fed a iniciar os ciclos de inversão da política monetária. A reunião de 11 de abril mostrou que desta vez vai ser diferente, com o BCE a começar mais cedo a baixar os juros. Mas se a Fed estabilizar os juros em máximos de mais de 20 anos por muito mais tempo, o BCE ficará com uma margem muito mais limitada para continuar a aliviar a política monetária.

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Inflação persiste acima da meta

A trajetória de descida inflação na Zona Euro é claramente mais acentuada do que nos Estados Unidos, mas o indicador continua acima da meta dos 2% e é ainda incerto quanto tempo vai ser necessário para lá chegar. Os economistas já tinham avisado que a reta final do combate à inflação seria o mais complicado e existia o risco de evolução homóloga dos preços permanecer acima dos 2% por mais tempo.

A inflação da Zona Euro baixou em março para 2,4%, um mínimo desde julho de 2021. O indicador subjacente, que exclui alimentos e energia e é analisado com mais atenção pelos responsáveis do BCE, baixou duas décimas para 2,9%, o que representa o nível mais baixo desde fevereiro de 2022. O banco central tem deixado claro que não é necessário o indicador baixar para os 2% para surgir a primeira descida de juros, mas se a inflação teimar em permanecer acima da meta, será mais difícil para o BCE efetuar múltiplos cortes de juros em 2024.

A evolução dos salários é uma peça chave para o BCE ganhar confiança nas perspetivas para a inflação. No último trimestre o indicador já abrandou, estando agora o banco central à espera que seja revelado novo aumento mais brando no primeiro trimestre para receber “luz verde” para decidir um corte de juros em junho.  

Petróleo é ameaça

Entre os vários riscos para a evolução da inflação, a alta dos preços do petróleo é dos mais sérios. A cotação do petróleo negociado na bolsa de Londres (Brent) acumula uma valorização de 16% em 2024 e atingiu recentemente um máximo de seis meses acima de 90 dólares por barril. A incerteza sobre a evolução das elevadas tensões geopolíticas no Médio Oriente pode levar os bancos centrais a redobrarem a cautela na inversão da política monetária.

Até porque o petróleo está longe de ser a única matéria-prima em forte alta este ano. Os metais industriais (cobre, alumínio e outros) e preciosos (ouro e prata) registam valorizações muito expressivas nas últimas semanas, enquanto nas matérias-primas agrícolas a tendência é bem menos abrangente. O cacau e o café atingiram máximos nos últimos dias e já duplicaram de valor no último ano, mas outros produtos agrícolas com peso bem mais relevante no cabaz de compras dos consumidores (milho e trigo) estão a desvalorizar este ano.

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Atividade económica melhora

Também no que diz respeito à evolução da economia a situação na Zona Euro é bem diferente do que se passa nos Estados Unidos. A atividade económica europeia está praticamente estagnada há vários trimestres e a Alemanha à beira de uma recessão técnica que deverá ser confirmada nos próximos dias.

Esta evolução dá argumentos fortes para o BCE antecipar-se à Fed na descida de juros, mas os indicadores mais recentes apontam para uma recuperação da economia da Zona Euro, sobretudo na indústria, que operou em níveis muito reprimidos nos últimos anos. Uma retoma no consumo das famílias induziria uma pressão nos preços e mostraria ao BCE que o atual nível restritivo das taxas de juro não representa um travão significativo à evolução da atividade económica.

Tendo em conta todos estes fatores, será necessária uma confluência de evoluções favoráveis para que possamos assistir a uma decida mais rápida e pronunciada dos juros e das prestações do crédito à habitação. A Fed em modo de espera, a inflação a manter-se elevada, o petróleo a subir e a atividade económica a recuperar são evoluções que, se persistirem, podem colocar em causa o corte de juros na segunda metade do ano, mesmo que se confirme a primeira descida em junho.

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Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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