Cultura e Lazer

A arte de bem governar pelos provérbios (parte I)

Chamados às urnas, os cidadãos elegem um líder para governar os destinos do país. Eis os conselhos que os ditados populares têm para essa espinhosa missão.

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A arte de bem governar pelos provérbios (parte I)

Chamados às urnas, os cidadãos elegem um líder para governar os destinos do país. Eis os conselhos que os ditados populares têm para essa espinhosa missão.

Nisto de nações, diz-se que «quanto maior a nau, maior a tormenta», mas até o governo de uma pequena nação terá que se lhe diga. O provérbio já conheceu outras formas, umas mais sintéticas («Grande nau, grande tormenta»), outras que até teriam um sentido algo diferente, como as explicações constantes do livro de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos, datado de 1848, a afirmarem que «Grande nau, grande tormenta», se deveria ler como «o êxito corresponde ao princípio, ou, pra gordo lucro trabalho que tal». Quanto à explicação do Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos, das Seleções do Reader's Digest, de 1974, não podia ser mais clara: «Quanto maiores são as responsabilidades de um homem, no mundo dos negócios, como no da política, tanto maiores são as dificuldades que ele encontra e os obstáculos que tem de vencer.»

Homens corajosos para tempos difíceis

De um homem ou uma mulher, acrescentamos nós. Que características procurar, então, nesse governante que terá de enfrentar tantas tormentas? «Aquele que não sabe administrar a sua casa, não é próprio para a pública administração», avisa o povo. Uma ideia que vem desde os tempos da monarquia, como se demonstra pela versão que Francisco Roland inseriu na coleção de adágios publicada em 1841: «Grande infelicidade, que se entregue o governo de uma monarquia ao que ignora o governo de sua casa.»

Agora o regime é outro, mas os ditados mais antigos talvez continuem dentro do prazo. Vivem-se tempos conturbados, mas, se o líder for corajoso… «Conhece-se o marinheiro quando vem a tempestade», e, de facto, não têm faltado temporais para testar a têmpera dos governantes. E como era nos tempos de maior serenidade? Ora, «Quando o mar está calmo, qualquer um pode ir ao leme».

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Com ditados destes, como é que tivemos uma ditadura?

Agora precisa-se de gente afoita e destemida, mas isso não quer dizer que o povo também não os receba com as suas desconfianças. Lembrem-se do clássico «Em terra de cegos, quem tem olho é Rei», anexim que já tem uns séculos de existência, mas há mais do estilo, como este «Coitados dos cordeiros, quando os lobos querem ter razão» ou o não menos famoso «Se queres conhecer o vilão, põe-lhe uma vara na mão».

É que, nisto de autoritarismos, se fosse pelos provérbios, Portugal era capaz de ser alérgico aos regimes totalitários. «A obediência por medo, pouco dura», lista-se num dicionário, mas uma ditadura de 48 anos é capaz de ser contraditório suficiente. Pensemos nisso como algo do passado e confiemos em mais este dito: «Por mal, não se leva um português; por bem, levam-se dois ou três.»

Um líder trabalhador, prudente e bem-acompanhado

Segundo os provérbios, nisto de meter gente no poder, há predileção pela humildade – ouçam-se os «Bem sabe mandar quem bem sabe obedecer» e «Ninguém será bom senhor se não for bom servidor» – e pela capacidade de trabalho: «Mais faz quem quer, que quem pode», ou por outras palavras, «Mais vale um bom trabalhador que um mau mandador». Acreditemos que o homem ou mulher escolhido está de mangas arregaçadas, pronto a pegar na árdua tarefa; mas, quem deverá escolher para estar ao seu lado?

Pois bem, o povo também tem as suas ideias sobre o assunto… Coligações? «Três podem decidir bastante bem, se um está ausente e outro não vem.» Delegar? «Empreitada quer-se vigiada.» Exigência? «Terá aumento seu ofício, crédito seu governo, se a cada um obrigar a fazer bem o seu.» Nomeações? «Admita homens aos cargos pelo ser, não pelo parecer.» Gente nova ou experiente? «O que governa a República, e comete todo o governo aos velhos, mostra ser inábil; o que o fia dos moços, é leviano; o que a rege por si só, é atrevido; e o que por si só, e por outros, é prudente.»

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Começa a confusão: se um diz isto, outro diz aquilo…

Entre tanto conselho e aviso, confiemos que está o Governo formado. Cumpriu-se o mais difícil, não? Agora, é só seguir mais uns ditados, e está o país no bom rumo. Num dicionário diz-se para «Dividir o mal pelas aldeias», mas noutro já se defende que «Não sabe como governar, quem a todos quer contentar». Mau, então em que ficamos? O melhor, como habitualmente, é irmos ver o que tem a dizer sobre este assunto o nosso conselheiro José Joaquim Rodrigues de Bastos, na sua coleção de pensamentos datada de 1847. E tem, de facto, tanto a dizer que chegaria para um texto à parte. Mas não o faremos, porque temos urgência de saber como nos vamos governar e como vamos ser governados. Por isso, Senhor Conselheiro, não nos poderia fazer o favor de avançar com umas cinco máximas?

Cinco máximas do Conselheiro para um futuro governo

Imaginemos o dr. Rodrigues de Bastos a subir ao púlpito. À sua frente, uma plateia ávida por ouvir as suas ideias. O Conselheiro pigarreia para limpar a garganta; quer a voz bem clara para conseguir chegar ao fundo da sala.

  1. «Governar é escolher; quem por tanto mal escolhe, mal governa.» (aplausos)
  2. «O fim de todos os governos, deve ser o bem dos governados.» (aplausos)
  3. «O melhor governo é o daquele país, em que o maior número de cidadãos recebe uma maior soma de felicidade.» (forte aplauso)
  4. «Os governos têm quase todas as paixões dos homens, com todos os meios de as satisfazerem.» (aplauso tímido, alguns rostos confusos) 
  5. «Sucede aos governos, o que acontece ao tempo; é raro não se lhe desejar a mudança.» (aplauso quase inaudível, entre olhares consternados)

Pois foi, mal se deu posse ao governo e já parece existir descontentamento. Afinal, «Entre todos os talentos, o mais difícil e o mais raro é o de governar». E pior ainda seria encontrar candidatos a primeiro-ministro, se houvesse verdade em mais um dos pensamentos do nosso Conselheiro, com o qual vos deixamos: «Muito mal conhece os homens, quem aspira a governá-los.»

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