Pessoa a apanhar uma moeda de um euro do chão de tijolo

Aloe Blacc – “I Need a Dollar”

Aloe Blacc não esconde que aquilo de que precisa mesmo é de um dólar. Talvez mais do que um, claro, mas a mensagem assim fica bem evidente. Ele tem para partilhar connosco um conto que não é de tempos de abundância. Se o fizer, será que lhe poderemos dar uns trocos? O personagem da canção não se esquiva das suas responsabilidades. «Vêm aí tempos difíceis, e estou a colher o que semeei», assume. Talvez tenha sido enganado, pois logo a seguir avisa-nos de que «nem tudo o que reluz é ouro». A estrada que este homem tem percorrido tem sido longa, esburacada, cheia de problemas, e ele não tem vergonha de admitir que precisa de auxílio. «Preciso de um dólar, um dólar é aquilo de que preciso», relembra. «E estou à procura de alguém que me venha ajudar a suportar este peso». A carga parece efetivamente difícil de suportar, sozinho. Como tudo à sua volta está a desmoronar-se, ele nem percebe se está a pisar terreno sólido. «Tinha um trabalho, mas o patrão dispensou-me», conta-nos.

– Desculpa, mas não vou precisar mais da tua ajuda – disse ele.

– Por favor, senhor patrão, preciso deste trabalho mais do que pensa – disse eu.

Mas o apelo caiu em saco roto. O patrão passou-lhe o cheque com o último pagamento e meteu-o na rua. Ouvimos, por isso, o seu grito desesperado. De alguém que precisa de um dólar. De alguém que não sabe o que vai fazer no dia seguinte. Alguém lhe pode emprestar um dinheirito? Para afogar as mágoas?

O consolo, neste caso, está na garrafa. Ele encontra bons amigos na bebida. Gasta com eles os últimos cêntimos. «O vinho é bom para mim, ajuda-me a passar o tempo / E o meu bom velho amigo whisky mantém-me mais quente do que a luz do sol.» É uma confissão dolorosa de alguém que trabalhou muito, até ao tutano, mas a quem a vida não recompensou. Ele ainda não perdeu a esperança de ver o seu esforço recompensado. Mas até lá… «Bem, preciso de um dólar. De um dólar, é o que eu preciso.»

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Bing Crosby – Brother, Can You Spare a Dime?

Incluída num musical de 1932, esta canção passou rapidamente a representar o cenário da Grande Depressão. O cantor Bing Crosby dá voz a um pedinte que nos pergunta algo do estilo: «Irmão, podes dar-me uma moedinha?» A história deste homem passa por ter acreditado no sonho que lhe venderam. Passou por muito. Era um miúdo quando vestiu a farda caqui e pegou numa arma para ir para a guerra. «Meio milhão de botas a arrastarem-se pelo Inferno / E eu era o rapaz do tambor.» E lavrou a terra, construiu caminhos de ferro, ergueu torres com tijolos, rebites e cal. Tinham-lhe prometido um mundo diferente, em tempo de paz. Depois, veio a crise, ficou sem o emprego, ficou sem nada. Outrora, tinha amigos por todo o lado. Era o Al para aqui, o Al para ali… Mas ao verem-no pobre, já ninguém parece lembrar-se dele. O sonho prometido, esse, esfumou-se numa fila, à espera de poder receber um nico de pão para enganar a fome. Como é que aconteceu tamanha desgraça?

A canção original tem quase um século. Infelizmente, há cenários que não desapareceram com o passar do tempo. Décadas depois, em 1999, seria a voz de George Michael a repetir o lamento pungente do homem que nos diz: «Amigo, podes dar-me uma moedinha?»

Alguém bem podia fazer uma nova versão para esta década de 2020.

Ray Charles – Busted

Disponível em versões por Ray Charles ou Johnny Cash (de quem sugerimos ouvir a curta versão no famoso concerto dado na prisão de Folson), esta canção de 1962 conta a história de um agricultor em apuros para conseguir sustentar a família. Tudo lhe corre mal. O preço de venda do algodão baixou, a galinha poedeira não põe ovos e o leite da vaca secou. A pilha de contas por pagar aumenta de dia para dia. «A criança precisa de sapatos, mas estou falido». Não tarda e o estado vai tirar-lhe os bens para pagar aos credores.

Mas esta canção é também um conto sobre o irmão a quem se foi pedir um empréstimo. «Detesto pedinchar, como um cão sem um osso [para roer], mas digo-te que estou falido», diz o protagonista.  A resposta? «Não posso fazer nada, a minha mulher e os meus filhos estão todos com gripe. Até andava a pensar em ir ter contigo, pois também estou endividado.» Pelo menos, foi assim que o irmão se justificou…

O cenário é negro. Os campos estão por semear, o algodão não cresce, a carne do verão passado já se acabou. «Não sou um ladrão, mas um homem pode descarrilar quando está falido.» É tempo de fazer as malas e ir à procura de novos horizontes para refazer a vida. Já estamos a vê-lo pelo caminho, a desabafar como se fosse um assobio: «Todos vocês sabem que não tenho dinheiro. Estou a falar de ter os bolsos vazios, Oh, esqueçam. Ah, que se lixe. Yeah.»

Pois é. Até nas canções se ouvem histórias tristes.

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