Gráfico de investimentos com uma ampulheta e notas de dólar

A minissérie «Eat the Rich: The GameStop Saga» (2022) relata, como se fosse um thriller, a saga em redor de uma cadeia de lojas de videojogos. A GameStop, assim se chamava a empresa, conhecera o azar de aparecer no radar dos apostadores em desastres. Nesse momento, tornara-se um alvo de short selling (vendas a descoberto), estratégia em que os investidores compram ações de empresas que se presume que irão desvalorizar. «O short selling utiliza-se para efeitos de pura especulação, apostando apenas na queda de preço de um título», esclarece-se neste artigo do Doutor Finanças. Não interessam para nada as companhias com planos de negócio sustentados. Aqui, o lucro provém da concretização da derrocada. Quer-se o naufrágio da empresa visada.

Os pequenos investidores também querem milhões

A série «Billions», sobre a qual já escrevemos, acompanha de perto um fundo de investimento especializado neste tipo de transações. Os seus melhores analistas eram autênticos tubarões a farejar sangue na água. Quando encontravam indícios de algo ou alguém prestes a cair no precipício (às vezes com a ajuda de um empurrão extra…), apostavam forte, através de ações emprestadas, assumindo posições na empresa prestes a afundar-se. Após a baixa de preço das ações, vendia-se tudo. No caso da série, as percentagens de lucro mediam-se aos milhões de dólares.

Claro que esta postura no mercado bolsista não leva em conta que os fechos de empresa, ou as crises financeiras, têm geralmente um tipo específico de perdedores: a maioria das pessoas. E que, enquanto uma mão cheia de pessoas enriquece, milhares perdem empregos, casas, investimentos… Por isso, a trama da minissérie «Guerra Aos Ricos: O Caso GameStop» acaba por nos introduzir também no submundo dos pequenos investidores que procuram desesperadamente um espacinho entre os tubarões financeiros. E foi precisamente numa comunidade do Reddit, centrada na troca de informações sobre a bolsa de Nova Iorque, que surgiu a ideia de apostar na GameStop. Além de poderem ganhar dinheiro a valer, o grupo de investidores amadores entusiasmara-se com a hipótese de dar uma lição a Wall Street…

Eat the Rich

A eterna história de David contra Golias

De repente, os pequenos investidores batiam o pé aos investidores institucionais. Nesta reedição da luta de David contra Golias, a Internet revelou-se uma arma poderosa. Não era difícil espalharem-se informações falsas ou erróneas, no intuito de fazer subir ou descer uma ação; e bastavam umas palavras de influenciadores digitais para exponenciar o impacto. Através de muito hype, muito diz-que-disse, gerou-se um verdadeiro tsunami de interesse pela GameStop. Face à subida meteórica das ações, os fundos de investimento que tinham apostado na venda a descoberto viam-se pressionados a agir. Quanto mais as ações subissem, mais dinheiro perderiam. A solução para limitar os danos passava por saírem das suas posições curtas.

Confusos? É normal. Certas operações do mercado bolsista são tudo menos simples ou claras. A minissérie serve precisamente para nos dar um vislumbre das regras deste jogo específico do “short selling” e dos “squeezes”. No terceiro e último episódio, um pouco mais esclarecidos sobre o contexto, assistimos ao acerto de contas deste embate entre pequenos e grandes. Não vamos contar o desfecho, para manter o suspense. Centremo-nos antes numa das empresas que, pelo meio desta história, acabou envolvida em polémica e até em processos: a Robinhood, detentora de um aplicativo de negociação de ações.

Comprar ações como se fosse num videojogo

Na sua app com nome de Robin dos Bosques – personagem famosa por roubar aos ricos para dar aos pobres – os ganhos da empresa estavam associados ao número de transações feitas pelo utilizador. Quanto mais transações efetuadas, maior o lucro para a Robinhood. Perante tal premissa, o aplicativo foi idealizado como se fosse um videojogo. O objetivo da app passava por levar o utilizador, através de estímulos psicológicos potencialmente viciantes, a querer transacionar cada vez mais. Mesmo que pouco ou nada soubesse do mercado de ações.

Talvez o principal interesse da minissérie acabe por ser este revelar da “gamificação” do investimento na bolsa de valores. No aplicativo da Robinhood, não faltavam incentivos ou mecanismos pensados para explorar os eventuais comportamentos obsessivo-compulsivos dos utilizadores. Eis-nos em plena economia da atenção, em que a batalha passa por prender as pessoas ao ecrã do telemóvel. Estariam os utilizadores da Robinhood, nessas longas horas, envolvidos num processo de aprendizagem do mercado accionista? Não obrigatoriamente. A equação do lucro não passava por os clientes fazerem bons negócios; bastava apenas que transacionassem, de preferência todos os dias, a toda a hora. Nessa premissa de “quanto mais, melhor”, que mal fazia se os utilizadores fizessem as suas apostas com base em meros palpites ou informações obscuras?

O que importava, no fundo, era que se brincasse às ações. Só que, neste caso, o dinheiro envolvido não era a fingir, como num jogo de tabuleiro. Bem pelo contrário. Era dinheiro real. E esse, uma vez perdido, perdido fica.

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