Obrigações regressam ao radar. Saiba como investir

Analistas acreditam que obrigações poderão inverter a tendência de 2022. Investir diretamente neste mercado não é fácil, mas há alternativas.

2022 ficará para a história dos mercados financeiros com um dos piores anos de sempre para as obrigações, que geraram um retorno negativo de dois dígitos a nível global, nada condizente com a classificação de baixo risco que é atribuída a esta classe de ativos.

A tendência inverteu-se em 2023, com um arranque de ano muito forte, um movimento que foi corrigido em fevereiro, mês marcado por um realinhamento em alta das expectativas sobre a evolução das taxas de juro dos bancos centrais.

Apesar de ser notório que a volatilidade continua a dominar o mercado de obrigações, começa a ganhar força a ideia de que estes títulos estão num nível atrativo depois da forte correção de 2022. É esta a convicção de muitos analistas, que estão a recomendar o reforço dos títulos de dívida nas carteiras de investimento em 2023.

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Preços atrativos e perspetivas favoráveis

São vários os condimentos que justificam esta recomendação positiva para as obrigações ao longo deste ano, em termos de preço, mas também de perspetivas favoráveis para a evolução dos títulos de dívida.

As obrigações soberanas de curto prazo dos Estados Unidos (Treasury Bills) estão a ser transacionadas com uma taxa de rendibilidade (yield) em torno de 5%, o nível mais elevado desde 2007. Nos prazos mais longos o retorno está próximo de 4%. Na dívida alemã, a yield dos títulos a dois anos está já em 3% (máximos de 2008) e a 10 anos acima de 2,5%.  

Estes retornos apetecíveis para ativos com um nível de risco reduzido reforçam o incentivo ao investimento em títulos de dívida. E, por outro lado, reduzem a atratividade ao investimento em ações, que oferecem um retorno dos dividendos mais reduzido e apresentam um nível de risco mais elevado.

Além da questão preço, já por si bastante relevante, as perspetivas para as obrigações são favoráveis:

  • As taxas de juro dos bancos centrais vão continuar a subir em 2023, mas já estão próximas do ponto máximo do atual ciclo.
  • A inflação deverá permanecer em níveis elevados e acima da média histórica, mas é evidente que está numa trajetória descendente.
  • A economia mundial continua a resistir aos efeitos adversos da guerra e redução do poder de compra das famílias, mas o abrandamento é notório e uma recessão global é um cenário que persiste firme no horizonte.

Como se viu em 2022, o investimento em obrigações não está isento de riscos e vários analistas também alertam que as taxas de juro vão ter de subir além do previsto atualmente pelos mercados, uma vez que a inflação não vai baixar para a meta dos bancos centrais no médio prazo.

Depois do melhor janeiro de sempre, as obrigações globais desvalorizaram mais de 3% em fevereiro, refletindo a perspetiva de juros mais elevados nos EUA e Zona Euro. O mercado está atualmente a precificar uma taxa terminal de 5,4% na Fed (abaixo de 5% em janeiro) e de 4% no BCE (abaixo de 3,5% em janeiro).

Como funcionam as obrigações

Cumprindo uma velha máxima dos mercados – não investir no que não compreende – antes de equacionar o investimento nesta classe de ativos, é importante saber o que são as obrigações e como funciona este mercado, também conhecido por renda fixa.

O conceito é fácil de entender. Ao comprar obrigações está a emprestar dinheiro a quem as emite (empresas, estados e outras entidades), que lhe paga uma remuneração por esse dinheiro. Bem diferente do que comprar uma ação, em que está a adquirir um pedaço do capital de uma empresa.

A rendibilidade da ação é determinada pela evolução da cotação e pelo recebimento de dividendos (caso a empresa o pague). No caso da obrigação há um leque bem mais alargado de fatores que determinam a rendibilidade, que por vezes pode não ser fácil de apurar.

As obrigações também têm uma cotação, sendo que os títulos pagam uma taxa de juro, denominada por cupão (que pode ser 0%). A rendibilidade é determinada pela evolução da cotação e por uma série de outros fatores: valor nominal, taxa de juro, periodicidade do pagamento e maturidade do título.

Se adquirir a obrigação quando ela é emitida (mercado primário) e a mantiver em carteira até à maturidade, o retorno da aplicação terá em conta a diferença entre o valor nominal e o preço que pagou, adicionando o valor dos juros a receber. Se comprar um título já emitido (mercado secundário) e vender antes do prazo do título, a rendibilidade é apurada tendo em conta a variação da cotação e os juros recebidos durante esse período.

A yield é o variável mais relevante quando investe numa obrigação. Corresponde à rendibilidade implícita do título e varia em sentido contrário à cotação. Se a yield desce a obrigação está a valorizar, pois os investidores estão a exigir uma rendibilidade mais reduzida para comprar o título. Quanto mais elevada é a perceção de risco do emitente, maior tende a ser a yield da obrigação. As obrigações de emitentes com nível de risco muito elevado são conhecidas por títulos high yield.  

A taxa de cupão também é relevante, pois indica a taxa de juro que é paga de forma faseada. Mas não deve ser confundida com a rendibilidade, pois o valor que paga pelo título pode ser diferente do nominal, o que influenciará o retorno total. Por exemplo, se pagou 99 por uma obrigação com uma taxa de cupão de 3%, a rendibilidade é superior uma vez que receberá 100 quando o título chegar à maturidade. 

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Obrigações há muitas

Para complicar, existem diferentes tipos obrigações. As obrigações emitidas por países denominam-se soberanas, enquanto as de empresas são conhecidas por corporativas. As obrigações podem assumir diferentes modalidades. Pagar juros (cupão) só no final, de forma regular ou mediante determinadas condições. Existem obrigações de taxa fixa (o investidor sabe à partida o juro que vai receber) e de taxa variável (o juro depende da evolução de um indexante, como a Euribor).

Há ainda títulos mais complexos, que podem ser convertíveis em ações ou contemplam o direito a subscrever outros títulos. Também existem obrigações com diferentes perfis de risco em caso de o emitente entrar em incumprimento. Os detentores de obrigações subordinadas ficam atrás dos obrigacionistas seniores na lista de credores, pelo que os primeiros títulos pagam juros mais elevados.

O mundo das obrigações é muito vasto, sendo que cada detalhe altera o tipo de título que estamos a falar e também o risco associado. As obrigações verdes, azuis e sustentáveis indicam que tipo de projetos estão a ser financiados.

O prazo das obrigações pode ser muito díspar, desde as obrigações soberanas de prazos muito curtos (conhecidas em Portugal por bilhetes do Tesouro) às obrigações perpétuas, que não têm maturidade, ou seja, só serão reembolsadas quando o emitente o entender. Existem ainda as obrigações estruturadas, que combinam outros tipos de ativos e já se afastam bastante dos títulos de dívida clássicos.

Não invista diretamente

Se o conceito de obrigação é simples, o investimento nestes títulos é bem mais complexo. O investidor tem de estar a par de um conjunto alargado de conceitos e aferir o risco do emitente. Acresce que o mercado primário (ocasião em que os títulos são emitidos) é quase exclusivo dos investidores institucionais.

Por exemplo, quando o Estado português emite obrigações do Tesouro, um investidor particular não pode participar no leilão de forma direta. Para os investidores particulares existem as Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (Estado não emite estes títulos desde 2018), Certificados do Tesouro (condições atuais são pouco vantajosas) e os Certificados de Aforro, que atualmente proporcionam uma taxa bruta acima de 3%.

Pode sempre adquirir títulos de dívida soberana ou corporativa que já estejam emitidos e cotados em bolsa. Terá de dar a ordem através do seu intermediário financeiro e, após o título em carteira, decidir se o mantém até à maturidade ou o vende antes do reembolso.

Tendo em conta a complexidade deste mercado, a melhor opção para os investidores particulares passa mesmo por investir de forma indireta. Ou seja, através de produtos geridos por profissionais que oferecem exposição a esta classe de ativos.

Leia ainda: Como subscrever certificados de aforro?

Fundos com riscos diferentes

Os fundos de investimento mobiliários clássicos são a alternativa mais óbvia, oferecendo a possibilidades de segmentação e diversificação, essenciais para baixar o risco de uma carteira de investimentos. Existem ainda os seguros financeiros e os Planos Poupança Reforma (PPR), soluções que possibilitam níveis de risco muito diferentes.

Em Portugal existem dezenas de fundos de obrigações disponíveis, geridos por diferentes sociedades gestoras presentes no mercado nacional. Estão divididos em cinco categorias clássicas: Fundos do mercado monetário euro; Fundos de curto prazo euro; Fundos de obrigações taxa indexada euro; Fundos de obrigações euro; Fundos de obrigações Internacional.

Analisar as rendibilidades históricas é sempre um exercício que deve ser efetuado antes de escolher onde investir. Penalizados pelas quedas muito acentuadas em 2022, praticamente todos os fundos de obrigações registam rendibilidades negativas no último ano. Mesmo alargando a análise aos últimos cinco anos, só um fundo de obrigações euro não está a perder dinheiro.

Existem ainda outros fundos que, embora não sendo puros de renda fixa, também oferecem uma exposição elevada a obrigações. É o caso do fundos multi-ativos defensivos e moderados, bem como os fundos poupança reforma de risco mais baixo.

Olhe lá para fora

Oferta não falta, mas se quer investir em obrigações, não tem de ficar preso aos fundos das gestoras de ativos portuguesas. Os intermediários financeiros (nacionais e internacionais) disponibilizam o acesso a uma variada gama de fundos de obrigações das maiores gestoras mundiais. Se forem emitidos em dólares, tenha atenção ao risco cambial.

A opção pelos produtos financeiros internacionais tem a vantagem de possibilitar uma segmentação mais fina, pois existem inúmeros fundos que têm a carteira aplicada somente em obrigações específicas (corporativas, soberanas, high yield, tesouraria, etc.).

Pode também aceder a fundos que investem de forma passiva, ou seja, replicam o desempenho de índices de obrigações. Os Exchange Traded Funds (ETF) são cotados em bolsa e, tal como os fundos tradicionais representam uma forma bem mais fácil de investir no ativo que pretende. Quer seja obrigações, ações, matérias-primas ou outros ativos.

Leia ainda: ETF: O que são e como funcionam como opção de investimento

Nasceu em 1977, sendo jornalista desde 1999. Iniciou a carreira no Jornal de Negócios, onde esteve mais de 20 anos, ocupando várias funções, sempre com foco no online. Atualmente é jornalista independente, assina a newsletter diária de mercados Morning Call e colabora de forma regular com o ECO. Formado em Gestão no ISEG, tem especial interesse por tudo o que está relacionado com os mercados financeiros.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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