Afinal, quanto vale o dinheiro na bolsa de valores dos ditados? Estará acima, por exemplo, do amor? A ver vamos. «Amor faz muito, o dinheiro tudo», avisa o Conselheiro José Bastos, na sua obra sobre Pensamentos, Máximas e Provérbios. Diz-se, desde há muito, que o «dinheiro é a medida de todas as cousas». Trata-se de um adágio que já consta da coleção reunida por António Delicado, em 1651. Se avançarmos uns séculos até aos Rifãos, Anexins, e Idiotismos compilados em 1848 por Paulo Perestrello da Camara, o valor do dinheiro associa-se ao valor de cada pessoa: «Diz-me quanto tens, dir-te-ei quanto vales.» Por palavras mais modernas, parece que somos o nosso extrato bancário. Mas seremos mesmo?
Para o povo, os ricos safam-se sempre
O Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos do Reader's Digest reforça a ideia: «Só vale quem tem.» Quem tem o quê? Ora, carcanhol, cacau, massa, pois claro. «Sem dinheiro, nada feito.» E com ele? Às vezes, nem tudo, como se procura ilustrar com os ditados «Com génio adquire-se dinheiro; mas com dinheiro não se adquire génio» ou «Dinheiro compra pão, não compra gratidão.» Ainda assim, há muitos mais argumentos a atribuírem um poder real, quase insuperável, aos que têm dinheiro. No caso da justiça, existe a crença de que os ricos se safam sempre. «Com uma bolsa ao pescoço, ninguém é enforcado», já se declarava, em 1936, no Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios do Major Hespanha. Mas, neste campo, há muito por onde escolher, desde «O dinheiro abre todas as portas» até ao «O dinheiro cala a verdade». Resumindo: «Tudo pode o dinheiro.»
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Tudo menos gozar com o dinheirinho
Está visto que «quem dinheiro tiver, fará o que quiser». Pois bem, imaginemo-nos ricos e vejamos os cuidados que teremos de ter. «Com a mulher e dinheiro, não zombes de companheiro», avisa-se nos Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns (a tal coleção de 1651). E, se dermos um salto até ao século XIX do Conselheiro Bastos, ouviremos que «O dinheiro é como o tempo; tem assaz quem o não desperdiça», ideia que antes já conhecera outras versões como «O dinheiro é como o tempo: não o percam e chegará» ou «O dinheiro é como o tempo; para quem o não perde, sempre basta».
Sacristões que desbaratam e penitências que não se compram
Até podia ser assim tão simples, não fossem os próprios provérbios a complicar as contas. «Dinheiro, assim como veio, assim vai», diz-se (e o nosso quotidiano comprova-o), num ditado que, anteriormente, teve versões mais ligadas às libertinagens de quem auxiliava nas igrejas: «Dinheiros de sacristão, cantando vem, cantando vão», que o Reader’s Digest, citando a versão mais sintética (Dinheiros de sacristão) define como dinheiros fáceis, «ganhos sem o suor do rosto e que, por isso mesmo, logo são esbanjados, sendo impossível economizá-los».
Um ditado incluído no Livro dos Mil Provérbios, compilado por Ramon Llull em 1302, dava especial importância às ligações entre a religião e o dinheiro. «Não podes fazer tão grande penitência com muito dinheiro e sim com grande jejum», avisava-se, pois «A satisfação por dinheiro não vale tanto quanto a penitência». Havia até quem pedisse que se separassem as águas: «Não vendas oração por dinheiro.»
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Amigos e dinheiro, uma mistura explosiva
Se falássemos de amizade, a convivência entre dinheiro e gente do peito também parecia não ser a melhor. «Não ganhes teu amigo com dinheiro nem o percas pela ira», aconselhava-se no livro de Llull, ideia que seria transportada através dos séculos por outras palavras, outras correlações, outras cambiantes. «Enquanto há dinheiro, há amigos», defende-se. E quando se esgota? «Não há amigo nem irmão, não havendo dinheiro na mão.» Ou, como coligiu Perestrello da Câmara, «A palavra dinheiro é fatal aos amigos, pois tem a força de os tornar traidores, apesar das melhores tenções».
Depois de tantos pareceres e sugestões, quase apetece deitar o nosso dinheiro fora. Quer dizer… hum… nem por isso. Ao invés, acabamos esta primeira investida nos ditados sobre pilim com um lembrete a nós próprios: «Dá-me dinheiro, não me dês conselho.»
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