Imagem ilustrativa da divisão de um edifício em várias porções iguais

A Autoridade Tributária (AT) clarificou a sua posição sobre a tributação da venda de quinhões hereditários. Na sequência do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 29 de abril de 2025, o Fisco passou a aceitar que a alienação de um quinhão hereditário não está sujeita a IRS, mas apenas quando o direito à herança for transmitido como um todo, sem indicação de bens concretos.

No Ofício Circulado n.º 20281/2025, a AT confirma que as vendas do quinhão ou da herança indivisa não são consideradas transmissões de direitos reais sobre imóveis, pelo que os ganhos obtidos estão isentos de tributação. Mas impõe um limite claro: se forem vendidos bens específicos da herança, haverá lugar a pagamento de imposto sobre mais-valias.

Na prática, a AT distingue agora dois tipos de operações: a venda de um quinhão hereditário (isenta) e a venda de um bem integrado na herança indivisa (tributada). Esta nova leitura do Código do IRS traz implicações diretas para herdeiros, compradores e contabilistas.

Fisco reconhece isenção de mais-valias em quinhões hereditários, mas impõe condições

Segundo a AT, a alienação do quinhão hereditário, mesmo quando este integra imóveis, não configura uma “alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”, como previsto no artigo 10.º do Código do IRS. Esta leitura decorre diretamente do acórdão n.º 7/2025 do STA, que uniformizou jurisprudência nesta matéria.

Contudo, a AT alerta: “Este entendimento aplica-se apenas quando decorrer inequivocamente da escritura pública ou documento similar que se transmite o direito à herança ou ao quinhão hereditário como um todo”. Ou seja, a operação não pode descrever a venda de um bem concreto da herança indivisa.

Assim, é essencial que o contrato de compra e venda deixe claro que o objeto da transação é o direito à herança – uma quota-parte ideal – e não um imóvel específico.

O que continua sujeito a IRS?

Se os herdeiros decidirem vender um bem imóvel específico da herança indivisa, mesmo que em conjunto e com acordo mútuo, a operação é considerada uma “transmissão onerosa de direitos reais”. Nesse caso, os eventuais ganhos estão sujeitos a IRS na categoria G.

Nas palavras da AT: “Não estamos já perante a alienação do direito à herança ou do direito ao quinhão hereditário, mas antes perante uma transmissão de um bem em concreto, cujos ganhos são tributáveis”.

Este ponto é crucial: o que determina a incidência de IRS não é o facto de o imóvel integrar uma herança, mas sim como é descrita a operação no contrato de venda.

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Venda de quinhões hereditários: O que significa na prática?

Na linguagem jurídica, um quinhão hereditário é a quota abstrata que um herdeiro detém numa herança indivisa. Não confere propriedade direta sobre bens concretos, mas sim um direito ideal sobre o conjunto da herança.

Por isso, quando alguém vende a sua posição na herança – o seu quinhão – está a ceder esse direito genérico, e não um bem específico. Esta diferença é essencial para efeitos fiscais.

A AT reconhece agora que, nestes casos, não há incidência de mais-valias, mesmo que o único bem da herança seja um imóvel. O adquirente passa a ocupar a posição do herdeiro, com todos os direitos e deveres, incluindo o de exigir a partilha.

Exemplos práticos: Quando há ou não lugar à cobrança de imposto?

Exemplo 1: Isento de IRS

Dois irmãos herdaram um prédio, que ainda está em herança indivisa. Um decide vender a sua parte no quinhão ao outro. O contrato refere apenas a cessão da quota na herança, sem identificar bens concretos. Logo, não há lugar a tributação.

Exemplo 2: Sujeito a imposto

Um dos irmãos vende apenas a sua parte num dos andares do prédio, identificando o imóvel na escritura. A restante herança permanece indivisa. Assim, neste caso, há lugar ao pagamento de mais-valias em sede de IRS

Acórdão do STA forçou mudança na posição do Fisco

A alteração do entendimento da AT só ocorreu depois do acórdão do STA. O Supremo declarou que a venda do quinhão hereditário não se enquadra no artigo 10.º do IRS, pois o que é transmitido “é um direito abstratamente considerado e idealmente definido”.

A AT foi, assim, obrigada a rever a sua posição, que durante anos levou à cobrança de impostos considerados indevidos. Com base neste novo entendimento, os serviços foram instruídos a aplicar a isenção de forma imediata, incluindo nos processos judiciais ainda pendentes.

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Posso recuperar o valor das mais-valias que paguei?

Sim. Se nos últimos quatro anos declarou a venda de um quinhão hereditário e pagou IRS sobre as mais-valias, pode pedir a devolução do valor pago. Para isso, deve apresentar uma reclamação graciosa ou revisão oficiosa no Portal das Finanças.

É essencial invocar o acórdão n.º 7/2025 do STA e juntar os documentos comprovativos (nota de liquidação, escritura de venda, comprovativo de pagamento).

A AT já começou a aceitar estes pedidos, e em muitos casos não é necessário recorrer a tribunal. Contudo, se a resposta for negativa, pode recorrer ao tribunal arbitral.

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Qual o prazo para pedir a devolução?

A lei define um prazo de quatro anos a contar de 31 de dezembro do ano em que o imposto foi liquidado.
Exemplo: se pagou IRS em 2022, tem até 31 de dezembro de 2026 para pedir a devolução.

Se ultrapassar este prazo, perde o direito à revisão, mesmo que tenha razão. Por isso, o ideal é agir rapidamente e consultar um contabilista ou advogado.

A nova regra sobre a isenção de mais-valias de quinhões hereditários aplica-se a casos antigos?

Depende. A AT admite que o novo entendimento pode aplicar-se a processos pendentes, desde que ainda estejam dentro dos prazos legais de reação. No entanto, não é possível reabrir casos que já tenham transitado em julgado ou cujos prazos de reclamação já tenham expirado.

Ou seja, quem não reclamar a tempo, perde o direito à devolução. É por isso que esta mudança exige atenção imediata por parte de todos os contribuintes que tenham vendido partes de heranças nos últimos anos.

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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