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pessoas a tratar dos documentos da venda de uma herança indivisa após saberem que têm direito à isenção de mais-valias na venda de herança indivisa

A venda de um quinhão hereditário não está sujeita ao pagamento de imposto sobre as mais-valias. Foi esta a conclusão a que chegou o Supremo Tribunal Administrativo (STA), através de um acórdão de uniformização de jurisprudência (decisão para pôr fim a interpretações diferentes nos tribunais) numa matéria que há anos gera conflitos entre contribuintes e a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).  

A decisão, publicada no final de abril de 2025, vem afirmar com clareza que não há lugar à tributação de IRS quando um herdeiro vende a sua parte de uma herança indivisa

Este acórdão, que tem valor vinculativo, coloca um travão à atuação do Fisco, que insistia na tributação destas operações com base num entendimento agora considerado incorreto. A medida tem implicações relevantes, sobretudo para os contribuintes que já pagaram imposto nestas condições. Ou seja, muitos contribuintes poderão ter de reclamar o reembolso das mais-valias que pagaram.  

Afinal, o que é um quinhão hereditário? 

Antes de mais, é importante entender o conceito. Quando uma pessoa falece, o seu património transmite-se aos herdeiros. Enquanto não houver partilha, diz-se que a herança está indivisa – isto é, os herdeiros não são donos de bens específicos, mas sim de uma parte ideal do todo. A essa parte chama-se quinhão hereditário

No acórdão agora publicado, o STA sublinha que: “O que o herdeiro transmite é o direito à herança, o ‘direito de quinhão hereditário’, que traduz uma quota-parte ideal da herança.” 

Por outras palavras, não se está a vender um bem imóvel em concreto, mas sim um direito abstrato sobre o conjunto da herança, ainda por partilhar. 

A decisão que confere a isenção de mais-valias na herança indivisa 

O entendimento do Supremo Tribunal é taxativo: “A alienação de quinhão hereditário, mesmo que a herança seja apenas constituída por bens imóveis, não pode considerar-se ‘alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis’”.  

O artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS define que estão sujeitas a imposto as mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis. No entanto, os juízes conselheiros consideraram que isso não se aplica ao quinhão hereditário, porque este não confere, por si só, qualquer direito direto sobre imóveis específicos

Só com a partilha formal dos bens é que um herdeiro se torna proprietário pleno de um bem, podendo então exercer os direitos correspondentes – e, nesse caso, sim, será tributado em sede de IRS se houver mais-valias. 

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Autoridade Tributária contrariada 

Esta decisão vem desautorizar a interpretação da Autoridade Tributária, que tem tratado estas vendas como transmissões de direitos reais sobre imóveis, sujeitando-as a imposto. Em várias situações, os contribuintes foram obrigados a declarar mais-valias e a pagar imposto, mesmo quando o bem vendido era apenas uma posição ideal na herança

Segundo o Jornal de Negócios, “a AT ainda recentemente voltou a emitir uma informação vinculativa” insistindo nesta interpretação, mesmo após o acórdão de uniformização. Esta insistência da AT tem sido amplamente criticada por fiscalistas. 

Nuno Cunha Barnabé, advogado da Abreu Advogados, refere ao Jornal de Negócios que a melhor opção é pedir uma revisão oficiosa. Mas admite que “em regra isso não acontece” espontaneamente por parte da AT, sendo por vezes necessário recorrer aos tribunais. 

Um conflito com anos de jurisprudência contraditória 

O tema já tinha sido analisado por diferentes tribunais arbitrais, com decisões contraditórias. Em alguns casos, considerava-se que o herdeiro vendia um direito real sobre o imóvel, e portanto deveria pagar IRS sobre o ganho. Noutras situações, prevalecia o entendimento agora confirmado pelo STA. 

Foi esta divisão que motivou a AT a apresentar um recurso de uniformização de jurisprudência, pedindo ao Supremo que clarificasse a questão. A decisão saiu agora e é clara: não há lugar à tributação enquanto não houver partilha. 

“Enquanto a herança se mantiver indivisa, cada herdeiro é titular de um direito a uma quota de uma massa de bens […] e não de um direito individual sobre cada um dos bens que a integram”, pode ler-se no acórdão. 

Implicações para os contribuintes 

A partir desta decisão, os contribuintes que venderem o seu quinhão numa herança indivisa já não precisam declarar mais-valias em IRS. Trata-se de um alívio fiscal importante, especialmente em situações onde a venda decorre de conflitos entre herdeiros ou necessidade urgente de liquidez. 

Além disso, quem já pagou imposto indevidamente pode pedir reembolso. De acordo com os especialistas, é possível recuar até três anos, dependendo do tipo de erro e da forma como foi declarado. O primeiro passo é apresentar um pedido de revisão oficiosa à AT. Caso seja recusado, abre-se a porta ao recurso judicial ou à arbitragem tributária, onde os tribunais tenderão a seguir o entendimento uniformizado pelo Supremo. 

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O que devem fazer os herdeiros agora? 

Se vendeu a sua parte de uma herança indivisa e pagou mais-valias, deve: 

  • Confirmar se ainda está dentro do prazo legal para pedir revisão (três anos é a referência comum); 
  • Apresentar um pedido de revisão oficiosa à Autoridade Tributária; 
  • Caso este seja recusado, ponderar recurso ao tribunal ou ao CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa); 
  • Invocar o acórdão do STA como base legal. 

O processo pode ser técnico, mas há uma sólida base jurídica para contestar liquidações indevidas, com elevada probabilidade de êxito. 

A herança tem só um imóvel? A decisão mantém-se 

Um dos argumentos da AT era que, nos casos em que a herança era composta apenas por um imóvel, o quinhão do herdeiro equivaleria a uma parte direta desse bem, logo configurando um direito real. O Supremo rejeitou esta leitura. 

Mesmo que a herança contenha apenas um imóvel, isso não altera a natureza jurídica do quinhão hereditário. Como explicou o STA: “Só com a partilha o herdeiro se torna pleno titular dos direitos que por ela lhe couberem”. 

Portanto, independentemente do número ou tipo de bens na herança, enquanto esta estiver indivisa, não há alienação de direitos reais sobre imóveis. O que está em causa é a transmissão de uma posição sucessória, que não se encaixa no tipo de rendimento tributável como mais-valia

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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