Trabalhador visivelmente exausto após trabalhar várias horas extra a pedido da empresa

Num mundo cada vez mais digital, hiperconectado e com fronteiras mais ténues entre a vida profissional e pessoal, o direito a desligar ganha uma importância crescente. Com a proliferação do teletrabalho, do uso generalizado de ferramentas digitais e da cultura de disponibilidade permanente, torna-se essencial garantir que os trabalhadores possam desligar-se do trabalho fora do seu horário laboral, sem prejuízo para a sua carreira ou bem-estar.

Este artigo aprofunda o conceito de direito a desligar, o seu enquadramento legal em Portugal, os desafios da sua implementação prática e a sua importância no contexto da saúde mental, do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e da promoção de ambientes de trabalho mais saudáveis.

O que é o direito a desligar?

O direito a desligar consiste na prerrogativa do trabalhador de não estar contactável nem obrigado a responder a chamadas, e-mails ou mensagens relacionadas com o trabalho fora do seu horário laboral. Este direito visa proteger o tempo pessoal, a saúde mental e a conciliação entre a vida profissional e familiar.

O conceito, inicialmente debatido em países como a França, Alemanha e Bélgica, tem vindo a ganhar destaque a nível europeu e foi formalmente introduzido no ordenamento jurídico português no contexto das mudanças provocadas pela pandemia de covid-19 e pela massificação do teletrabalho.

Leia ainda: Horários de trabalho e respetivos mapas: As regras a cumprir

Enquadramento legal em Portugal

O direito a desligar está consagrado, de forma expressa, no Código do Trabalho português, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 83/2021, de 6 de dezembro, que atualizou o regime jurídico do teletrabalho.

“O empregador tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso, salvo em situações de força maior.”

Este artigo visa estabelecer limites à interferência da entidade patronal na vida privada do trabalhador fora do período de trabalho, contribuindo para a proteção da saúde e bem-estar dos trabalhadores.

A violação deste dever pode ser considerada uma contraordenação grave, punível com coimas pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

A quem se aplica o direito a desligar?

O direito a desligar aplica-se a todos os trabalhadores por conta de outrem, independentemente da sua modalidade contratual ou regime laboral (presencial, híbrido ou em teletrabalho).

Ainda que tenha sido introduzido no contexto do teletrabalho, este direito não se limita apenas aos trabalhadores remotos. Aplica-se a qualquer colaborador cujo tempo de descanso deva ser respeitado, inclusive:

Exceções: O que são situações de “força maior”?

A lei permite o contacto fora do horário laboral em situações de força maior. Contudo, não define explicitamente o que se entende por tal. Por norma, considera-se que são situações imprevisíveis, urgentes e inadiáveis, como por exemplo:

  • Acidentes graves no local de trabalho
  • Situações de emergência operacional (falhas informáticas críticas, ciberataques, etc.)
  • Catástrofes naturais ou eventos inesperados que exijam intervenção imediata

É importante que as empresas não abusem desta cláusula excecional, sob pena de violarem o espírito da lei e comprometerem a confiança da equipa.

Responsabilidade das empresas

A entidade empregadora tem o dever legal e ético de respeitar o tempo de descanso dos trabalhadores. Para tal, deve:

a) Rever práticas internas

Evitar o envio de e-mails, mensagens ou pedidos de tarefas fora do horário laboral, exceto em casos justificados.

b) Criar políticas internas de comunicação

Estabelecer regras claras sobre horários de contacto, uso de ferramentas digitais e tempos de resposta.

c) Sensibilizar as chefias

As lideranças devem dar o exemplo, promovendo uma cultura de respeito pelos limites horários e pelo tempo pessoal.

d) Incorporar o direito a desligar nos regulamentos internos

A política de desligamento digital pode ser formalmente incluída no regulamento interno da empresa ou em acordos coletivos.

Direito a desligar: Desafios da implementação

Apesar da existência da norma legal, a implementação do direito a desligar enfrenta alguns desafios práticos, tais como:

a) Cultura de hiperdisponibilidade

Em muitas organizações ainda prevalece a ideia de que estar sempre contactável é sinónimo de compromisso e dedicação.

b) Ambiguidade das fronteiras no teletrabalho

A ausência de deslocação física e a flexibilidade de horários dificultam a separação entre tempo pessoal e profissional.

c) Pressão de pares ou chefias

Mesmo que não haja imposição formal, os trabalhadores podem sentir-se pressionados a responder a pedidos fora de horas para “mostrar serviço”.

d) Falta de mecanismos de controlo

Nem todas as empresas têm meios técnicos ou humanos para monitorizar e prevenir contactos fora do horário.

Soluções práticas para promover o direito a desligar

1. Definir horários de contacto

Estabelecer, de forma clara, os períodos em que os trabalhadores podem ser contactados, bem como as exceções justificadas.

2. Utilizar ferramentas com agendamento

Plataformas como o Outlook ou Gmail permitem agendar o envio de e-mails dentro do horário laboral, evitando interrupções desnecessárias.

3. Formar e sensibilizar os colaboradores

Promover ações de formação sobre bem-estar digital, gestão do tempo e equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

4. Incluir indicadores de saúde organizacional

Acompanhar o nível de stress, burnout ou absentismo pode revelar a eficácia (ou ausência) de uma política de direito a desligar.

Vantagens para as empresas

Cumprir o direito a desligar não é apenas uma questão de legalidade — é também uma estratégia inteligente de gestão de pessoas, que traz inúmeros benefícios:

  • Maior produtividade: trabalhadores descansados e respeitados rendem mais durante o seu horário útil.
  • Redução de burnout: limites claros evitam o desgaste emocional e físico.
  • Melhoria do employer branding: empresas que respeitam a vida pessoal dos seus colaboradores são mais atrativas no mercado de trabalho.
  • Melhoria das relações laborais: a confiança e o respeito mútuo reforçam o compromisso com a organização.

O papel dos trabalhadores

Os trabalhadores também têm um papel ativo na defesa do seu direito a desligar:

  • Não responder a contactos fora de horas, exceto quando estritamente necessário;
  • Reportar situações recorrentes de violação do seu tempo de descanso;
  • Definir limites claros com as suas chefias e colegas;
  • Priorizar tarefas dentro do horário laboral e melhorar a gestão do tempo.

Considerações finais

O direito a desligar é um direito fundamental dos trabalhadores numa sociedade moderna, digital e em constante transformação. Vai muito além de uma norma legal — representa um compromisso com a dignidade, o bem-estar e a humanização das relações laborais.

As empresas que respeitam o tempo de descanso dos seus colaboradores não só cumprem a lei, como constroem equipas mais equilibradas, motivadas e produtivas. Já os trabalhadores devem aprender a proteger o seu tempo e saúde mental, estabelecendo limites saudáveis num mundo onde estar sempre ligado deixou de ser sinónimo de valor acrescentado.

Num cenário de permanente conectividade, saber quando e como desligar é, cada vez mais, um ato de inteligência, responsabilidade e maturidade organizacional.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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