Profissionais numa formação

Num mercado de trabalho cada vez mais exigente e regulado, a formação profissional contínua dos trabalhadores não é apenas uma ferramenta de valorização de competências — é uma obrigação legal para as entidades empregadoras.

Em Portugal, o Código do Trabalho estabelece requisitos específicos sobre formação profissional, visando garantir a qualificação e a adaptabilidade da força de trabalho às mudanças tecnológicas, económicas e sociais.

Conheça, neste artigo, a legislação aplicável, as obrigações das empresas, os direitos dos trabalhadores e os benefícios reais da formação obrigatória, tanto para os indivíduos como para as organizações.

Formação obrigatória aos trabalhadores: O que diz a lei?

A formação obrigatória aos trabalhadores está regulamentada pelo Código do Trabalho, em especial nos artigos 131.º a 134.º (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as respetivas alterações).

De acordo com a lei, “o empregador deve assegurar a cada trabalhador um número mínimo de 40 horas de formação contínua por ano, salvo se estiver abrangido por regime de formação alternativo legalmente previsto.”

Este dever aplica-se a todas as empresas, independentemente da sua dimensão ou setor de atividade, e visa garantir a melhoria contínua das qualificações dos seus colaboradores.

A quem se aplica e quais as exceções?

A formação profissional obrigatória aplica-se a todos os trabalhadores por conta de outrem, incluindo trabalhadores com contrato sem termo; trabalhadores com contrato a termo certo ou incerto (ajustada proporcionalmente à duração do contrato); trabalhadores a tempo parcial e estagiários (em certos casos e consoante a duração do estágio).

As exceções são ostrabalhadores com contratos de muito curta duração, trabalhadores em regime de teletrabalho (apenas quando a formação não for exequível remotamente) e trabalhadores com contrato suspenso (ex: baixa médica prolongada).

É importante referir que o empregador pode imputar ao período normal de trabalho o tempo dedicado à formação, sem prejuízo da remuneração do trabalhador.

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Quais os objetivos da formação profissional contínua?

A formação obrigatória visa desenvolver e atualizar competências que contribuam para melhorar o desempenho profissional, adaptar os trabalhadores a mudanças tecnológicas e organizacionais, aumentar a produtividade e competitividade das empresas, promover a empregabilidade e a progressão na carreira e reduzir riscos profissionais (ex: formação em segurança e saúde no trabalho).

Tipos de formação aceites

Nem todas as ações de formação contam automaticamente para o cumprimento legal. A formação deve ser:

  • Relevante para a função desempenhada ou para a área de atividade da empresa
  • Ministrada por entidades formadoras certificadas pela DGERT
  • Realizada presencialmente, online (e-learning) ou em regime misto
  • Documentada e registada no plano de formação da empresa

Exemplos de formações válidas:

  • Formação em competências técnicas (ex: softwares, máquinas, métodos)
  • Formação em línguas ou comunicação empresarial
  • Formação em higiene e segurança no trabalho (obrigatória em alguns setores)
  • Formação em legislação laboral, proteção de dados (RGPD), entre outros temas transversais

Planeamento da formação: O papel da empresa

As entidades empregadoras devem:

Identificar necessidades formativas

Através de avaliações internas, entrevistas, análise de desempenho ou auditorias.

Elaborar um plano anual ou plurianual de formação

Com objetivos, conteúdos, metodologias, cronogramas e responsáveis.

Selecionar formadores ou entidades formadoras certificadas

Pode optar por formação interna (desde que cumpram os requisitos legais) ou contratar entidades externas.

Registar a formação

O registo de horas de formação ministradas a cada trabalhador deve ser feito e mantido para efeitos legais, nomeadamente para a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).

Quais as consequências do incumprimento?

O não cumprimento da obrigação legal de formação pode ter implicações sérias para a empresa, incluindo:

Contraordenação grave

A ACT pode aplicar coimas por incumprimento, que variam em função da dimensão da empresa e da gravidade da infração.

Prejuízo em candidaturas a fundos públicos

Empresas que não cumpram as obrigações legais de formação podem ser penalizadas ou excluídas de apoios e incentivos do Estado ou da União Europeia.

Dificuldades em processos de avaliação e certificação

Empresas que pretendam certificar-se (ex: ISO, NP 4469) ou concorrer a concursos públicos podem ser obrigadas a comprovar a execução da formação obrigatória.

Direitos dos trabalhadores

Do ponto de vista dos trabalhadores, a formação obrigatória é um direito. O Código do Trabalho prevê que:

  • Os trabalhadores têm direito a um mínimo de 40 horas de formação por ano
  • Caso o empregador não as assegure, o trabalhador pode usá-las como crédito de horas para formação por iniciativa própria, nos 2 anos seguintes
  • A formação conta como tempo de serviço, sendo remunerada
  • Pode constar no certificado de competências profissionais (Portfólio Individual)

Os trabalhadores podem ainda sugerir formações que considerem relevantes, especialmente se estiverem enquadradas no seu plano de desenvolvimento individual.

Formação obrigatória específica por setor

Além das 40 horas legais, existem setores com exigências específicas adicionais, como:

  • Construção civil: Formação obrigatória em segurança no trabalho (mínimo 35 horas iniciais)
  • Restauração e Hotelaria: Formação em higiene alimentar (HACCP)
  • Transportes: Formação de certificação de motoristas (CAM/CQM)
  • Saúde: Formação contínua em boas práticas clínicas, regulamentada por ordens profissionais

É importante que as empresas estejam atualizadas quanto à legislação e obrigações do seu setor.

Financiamento e apoios

A formação profissional pode representar um custo considerável, sobretudo para micro e pequenas empresas. No entanto, existem apoios financeiros disponíveis:

  • Programas de formação-ação financiados por fundos comunitários (Portugal 2030, PRR)
  • Cheque-formação do IEFP (dirigido a trabalhadores e empresas)
  • Incentivos fiscais: determinados custos com formação podem ser dedutíveis no IRC
  • Protocolos com associações empresariais ou centros de formação setoriais

É aconselhável que as empresas contactem o IEFP, associações locais ou consultores especializados para saberem que apoios estão disponíveis.

Vantagens estratégicas da formação contínua

Embora legalmente obrigatória, a formação deve ser vista como uma ferramenta estratégica, e não apenas como uma imposição legislativa.

Para as empresas

  • Aumento da produtividade e qualidade do trabalho
  • Redução de erros, acidentes e custos operacionais
  • Retenção de talento e motivação da equipa
  • Capacidade de inovação e adaptação ao mercado

Para os trabalhadores

  • Melhoria de competências e da empregabilidade
  • Oportunidades de progressão na carreira
  • Maior envolvimento e valorização profissional
  • Preparação para novas funções ou contextos laborais

Considerações finais

A formação obrigatória aos trabalhadores é um instrumento legal e estratégico fundamental para promover o desenvolvimento sustentado das empresas e a valorização dos seus recursos humanos. Cumprir com as 40 horas anuais de formação contínua não é apenas uma questão de legalidade, mas de visão empresarial.

Num mundo em constante transformação, as empresas que investem na capacitação das suas equipas estão mais bem preparadas para enfrentar os desafios da competitividade, inovação e crescimento. Mais do que uma obrigação, a formação é uma oportunidade de evolução mútua — para trabalhadores e empregadores.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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