Comecemos por uma série de ditados que caíram em desuso e que precisam de explicação. Temos as «cebolas do Egito» que, segundo o Dicionário de Provérbios, Locuções e Ditos Curiosos, do Reader’s Digest, tem origem bíblica e representa “um símbolo de fartura e bem-estar”. Temos o «dar vida e alma e não a albarda», ou seja, “sacrificar tudo, menos a fazenda, as riquezas”, conforme explicava Francisco Roland, em 1848, no seu compêndio de provérbios. Temos ainda o enigmático «quem tem muita manteiga, assa-a na ponta do espeto», que segundo o mesmo Francisco Roland, é o que se diz “de quem arrota grandes riquezas, de quem basofia mais do que tem”. E, porque puxámos a ponta do novelo, eis a explicação do Reader’s Digest para isto de «arrotar grandezas»: “alardear vantagens, apregoar prosperidade pessoal, deturpando a realidade”. Que é como quem diz, por outras palavras, «comer sardinha e arrotar pescado». Mas isso era no tempo em que a sardinha, bem como o bacalhau, era comida de pobre.
Cinco estratégias para enriquecer
Enfim, talvez os ditados populares fossem mais úteis se tivessem estratégias para enriquecer, não? Pois aí vão cinco, seguidas:
«Com inteligência, trabalho e economia, só é pobre quem não quer ser rico», avisa o Conselheiro Rodrigues de Bastos na sua Collecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios (1847).
«Há duas maneiras de ser rico: elevar os rendimentos ao nível dos desejos, ou baixar os desejos ao nível dos rendimentos», explica o Conselheiro na mesma obra.
«Cresce o ouro bem batido, como a mulher com bom marido», refere o já referido Francisco Roland, que ainda compilou outra receita no seu livro. «Para enriquecer: ‘muita diligência e pouca consciência’.»
«Se a seres rico queres chegar, vai devagar», expõe-se na História Geral dos Adágios Portugueses (1924). Algo que poderia ser complementado com outro provérbio, à laia de conclusão, de novo recolhido por Roland: «Quem aos trinta não tem siso, aos quarenta não é rico».
Leia ainda: A avareza nos provérbios: Condenação quase unânime
A riqueza, pelos vistos, pode dar mau sono
Também houve tempo em que se prezava a especialização, já que «O homem de sete ofícios nem por isso chega a rico». Bom, seja lá como for, imaginemos que chegamos à ansiada riqueza. Que mundo nos espera, nesse «estar podre de rico», nesse «estar endinheirado», que se traduz por ter “a bolsa recheada, fornida, bem artilhada”?
Se recuarmos até aos Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns, compilados por António Delicado em 1651, espera-nos uma vida desgastante: «A quem tem mulher fermosa, castelo em fronteira, vinha na carreira, não lhe falta canseira». De facto, era muita coisa para cuidar e proteger. «Oiro adquirido, sono perdido», já se dizia no Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios (1936), do Major Hespanha.
Leia ainda: Antes de investir, consulte o oráculo dos provérbios
O dilema do que fazer quando se é rico
E se recuarmos ainda mais, até ao século XIV? No Livro dos Mil Provérbios, de Ramon Llull, encontram-se vários conselhos sobre a forma de ser rico. Nesse longínquo ano de 1302, não será de estranhar que se exalte um «Ama a Deus e serás rico». Nem que grande parte dos ditos sobre o tema defenda que se deva usar a riqueza para praticar o bem. Eis alguns exemplos:
«O rico avaro é mais pobre por sua alma que por seu corpo.»
«Se estás rico faz outro rico.»
«Quem é rico em vão é pobre inutilmente.»
«Toda a riqueza obtida sem a finalidade para a qual existe é doentia.»
«Podes ser mais rico dando que retendo.»
«Quem é rico pelo mal é mais pobre que rico.»
Podemos concordar ou discordar, obviamente, mas é inegável que, como refere o mesmo Ramon Llull, «a grande riqueza possui um grande poder». Resta saber como utilizá-lo, pois, como se refere numa das máximas listadas pelo Major Hespanha, «a riqueza não consiste na posse dos tesoiros, mas no uso que deles se sabe fazer».
Pois então, até apetece perguntar, com linguagem de antigamente: que fareis vós, senhores e senhoras, se um dia fordes ricos?
Leia ainda: Amigos, amigos, provérbios (e dinheiro) à parte
