Para se perceber melhor como ouro e juros se comportam, imaginemos um par a dançar o tango: quando um elemento recua, o outro avança. Também é assim esta relação, inversa no curto prazo, porque quando um sobe, o outro há de descer.
Esta é a regra, mas há exceções. E a incerteza ou as crises globais são exceções importantes. Porque mesmo que as taxas de juro estejam baixas, o ouro poderá valorizar-se ao funcionar como um ativo de refúgio.
Vamos então aos cenários possíveis. Para antecipar os passos desta dança são necessários, pelo menos, dois elementos e alguma análise de dados.
Cenário 1: O BCE acabou de subir as taxas de juro na Zona Euro. O que fazem os investidores?
Compram, vendem ou viram-se para outros ativos?
Primeiro, um esclarecimento prévio importante sobre o custo de oportunidade: é o benefício sacrificado pela não utilização dos recursos da melhor forma alternativa. Quando se faz uma escolha, existe sempre um custo de oportunidade, ou seja, ter mais de uma coisa boa significa ter menos de outra.
Ora, quando as taxas de juro são mais elevadas, o chamado custo de oportunidade de manter ouro aumenta.
Porquê? Porque se tornam mais atrativas outras opções de investimento, como as obrigações do Tesouro.
Como o ouro não paga juros ou dividendos, neste caso, é menos apelativo para os investidores em comparação com ativos que oferecem um retorno financeiro direto.
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Cenário 2: O BCE acabou de descer os juros da Zona Euro. O que acontece ao ouro?
Há um menor custo de oportunidade de manter o ouro.
Porquê? Porque com juros baixos, os rendimentos de instrumentos tradicionais, como os depósitos ou os certificados de aforro, por exemplo, pagam menos e, por comparação, o ouro torna-se mais apelativo.
O ouro não paga juros, mas mantém o valor, o que em tempos de redução de rendibilidade associada aos juros é uma boa notícia.
Mas para dançar este tango são precisos três… falta a inflação:
As taxas de juro são frequentemente usadas pelos bancos centrais para controlar a inflação.
Quando a inflação sobe, os bancos centrais tendem a aumentar as taxas de juro para “arrefecer” a economia e reduzir a pressão inflacionista. Se, por um lado, o ouro beneficia da inflação alta, por outro, a alta dos juros pode neutralizar esse efeito. Já quando a inflação está baixa, os juros são reduzidos para estimular o crescimento económico.
Cenário 1: Juros baixos e inflação alta
O ouro é tradicionalmente visto como um “porto seguro” durante períodos de juros baixos e inflação alta, uma vez que, historicamente, mantém-se estável enquanto as moedas fiduciárias podem perder valor devido à inflação.
Cenário 2: Juros altos e inflação controlada
Quando os juros estão altos, numa tentativa de controlar a inflação, os empréstimos ficam mais caros, o que reduz a pressão inflacionista.
Durante esses períodos, o ouro pode não valorizar-se tanto, já que os investidores tendem a preferir ativos que oferecem rendimentos mais elevados.
Mas nesta dança ainda falta um quarto elemento… os bancos centrais:
As expectativas em relação às decisões dos bancos centrais podem influenciar diretamente tanto as taxas de juro quanto o preço do ouro.
Quando a economia está em recessão, um banco central pode reduzir as taxas de juro para estimular o investimento e o consumo, o que tende a beneficiar o preço do ouro, já que é possível antecipar uma maior procura por ativos imunes ao impacto da descida dos juros.
Por outro lado, quando os investidores esperam uma subida das taxas de juro para combater a inflação, isso pode levar a uma queda no preço do ouro.
O ouro é refúgio de quê? Do medo, essencialmente…
O ouro não é apenas um ativo financeiro, ele é um bom indicador do medo nos mercados. Um refúgio em tempos de incerteza. Nessas alturas, o ouro tende a valorizar-se, uma vez que é considerado um ativo que preserva o valor a longo prazo, mesmo em tempos de alta volatilidade.
Cenário 1: Taxas de juro altas + inflação baixa + medo reduzido (confiança económica elevada)
– Ouro perde o brilho.
– Juros altos dão retorno noutros ativos (obrigações, depósitos).
Cenário 2: Taxas de juro altas + inflação baixa + medo elevado (instabilidade económica global)
– Ouro ganha brilho.
– A garantia do “porto seguro” supera o custo “perdido” dos juros.
– Neste caso, os investidores preferem a segurança do ouro em relação a investimentos mais arriscados, como ações ou obrigações.
– Acontece em momentos de maior incerteza global, como crises financeiras, pandemias ou tensões geopolíticas.
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Cenário 3: Taxas de juro altas + inflação alta + medo moderado (risco de instabilidade económica)
– Tendência mista para a evolução do ouro.
– Inflação impulsiona o metal precioso, mas os juros altos moderam esta subida.
– Neste caso, pode dizer-se que depende de quem “lidera no tango”.
Cenário 4: Taxas de juro baixas + inflação baixa + medo reduzido (confiança económica elevada)
– Estabilidade/ligeira queda do ouro.
– Sem inflação nem medo, o ouro perde relevância, uma vez que os investidores procuram maior risco e, logo, maiores ganhos nos mercados acionistas.
Cenário 5: Taxas de juro baixas + inflação alta + medo moderado (incerteza económica)
– Forte valorização do ouro.
– Metal amarelo brilha em resultado da proteção que confere contra a depreciação das moedas fiduciárias. Exemplo do tradicional “hedge” inflacionista.
Cenário 6: Taxas de juro baixas + inflação alta + medo elevado (forte instabilidade económica global)
– Cenário mais favorável para a forte valorização do ouro.
– Juros baixos, associados a medo global, aumentam procura por refúgio de valor.
Exemplos históricos
- Crise financeira de 2008: bancos centrais reduziram drasticamente as taxas de juro para estimular a economia. O preço do ouro disparou de 800 dólares por onça, antes da crise, para mais de 1.800 dólares entre 2011 e 2012.
- Pandemia (2020-2021): juros nos EUA foram reduzidos para níveis muito baixos. Durante esse período, o ouro subiu, atingindo um máximo histórico acima de 2.000 dólares por onça em 2020.
- Guerra na Ucrânia, conflito no Médio Oriente (a partir de 2022): Mais incerteza, mais uma escalada do ouro. Nos últimos meses, o metal precioso tem vindo a bater recordes sucessivos e já ultrapassou os 3.500 dólares.
Uma dança a muitos passos
São precisos mais do que apenas dois parceiros para dançar o tango dos juros e do ouro. E se é certo que os juros quase sempre lideram a dança, é sempre o ouro que mais brilha neste par.
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