Carrinho de compras de brincar com um globo dentro

Num mundo cada vez mais globalizado, a internacionalização das empresas deixou de ser uma opção exclusiva para grandes corporações e passou a ser uma realidade acessível também a pequenas e médias empresas (PME). Vender para o estrangeiro abre portas a novos mercados, aumenta a visibilidade da marca e contribui para a diversificação do risco económico. Contudo, a internacionalização acarreta também desafios significativos, nomeadamente no que respeita à faturação internacional.

Emitir faturas para clientes estrangeiros não se limita à tradução do documento para outra língua. Exige uma compreensão profunda das obrigações fiscais, legais e operacionais associadas a cada mercado de destino.

Conheça os principais aspetos a considerar no processo de faturação internacional, nomeadamente boas práticas, requisitos legais e recomendações estratégicas para empresas que pretendam expandir as suas operações além-fronteiras.

Diferenças legais e fiscais entre países

Cada país possui a sua própria legislação fiscal e requisitos específicos para documentos comerciais. Um erro comum de muitas empresas é assumir que as regras aplicáveis em Portugal são replicáveis no estrangeiro. Na realidade, existem diferenças substanciais em matérias como:

  • Estrutura da fatura: alguns países exigem elementos obrigatórios adicionais, como número de registo de importador, identificação aduaneira ou códigos fiscais específicos.
  • Número sequencial: a numeração de faturas deve respeitar a legislação local, o que pode implicar séries próprias para clientes internacionais.
  • Armazenamento: em certos países, a lei obriga à conservação de faturas em formato eletrónico num servidor localizado no próprio território.

Por isso, antes de iniciar a faturação para um determinado mercado, é essencial consultar a legislação local ou contar com apoio de consultores especializados.

Questões relacionadas com o IVA e outros impostos

Um dos temas mais complexos na faturação internacional é a tributação indireta.

Transações dentro da União Europeia

No espaço comunitário, as regras de IVA estão parcialmente harmonizadas. No entanto, existem nuances a ter em conta:

  • Intra-comunitárias: as vendas de bens a empresas de outros Estados-membros (com número de IVA válido) estão, em regra, isentas de IVA em Portugal. O adquirente autoliquida o imposto no país de destino.
  • Prestação de serviços: a regra geral dita que o IVA é devido no país do cliente, mas há exceções, sobretudo em serviços ligados a imóveis, eventos culturais ou serviços eletrónicos.
  • Listagens recapitulativas: sempre que uma empresa portuguesa emite faturas intra-comunitárias, deve entregar a declaração recapitulativa de IVA.

Transações fora da União Europeia

Para exportações, a maioria dos países prevê isenção de IVA, desde que existam provas documentais (declaração aduaneira, documentos de transporte). Contudo, países terceiros podem aplicar impostos de importação, tarifas alfandegárias ou regimes especiais.

Retenção na fonte

Em algumas jurisdições, o cliente estrangeiro pode estar obrigado a reter na fonte parte do pagamento da fatura, sobretudo em serviços. Nestes casos, torna-se fundamental verificar a existência de convenções para evitar dupla tributação entre Portugal e o país de destino.

Idioma e moeda da fatura

Outro aspeto crítico da faturação internacional é a comunicação.

  • Idioma: embora o português seja aceite em Portugal, muitos clientes exigem a fatura no idioma oficial do seu país ou, pelo menos, em inglês. Algumas plataformas de faturação permitem a emissão bilingue (português/inglês), uma solução prática para evitar equívocos.
  • Moeda: a fatura pode ser emitida na moeda acordada entre as partes (ex.: dólar, libra esterlina, iene). Contudo, a contabilidade portuguesa exige a conversão para euros, utilizando a taxa de câmbio oficial do Banco Central Europeu na data da operação.
  • Taxas de câmbio: diferenças cambiais podem afetar a rentabilidade. Recomenda-se definir nos contratos quem assume a variação cambial e considerar instrumentos financeiros de cobertura.

Normas de contabilidade e reporte

As empresas portuguesas seguem o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), alinhado com as Normas Internacionais de Contabilidade (IFRS). Já os parceiros internacionais podem ter exigências diferentes, pelo que convém:

  • Verificar se as faturas emitidas cumprem requisitos contabilísticos locais.
  • Avaliar a necessidade de adaptar relatórios financeiros para investidores ou parceiros estrangeiros.
  • Garantir compatibilidade entre softwares de faturação e sistemas ERP internacionais.

Métodos e meios de pagamento

A faturação internacional está intrinsecamente ligada à gestão dos recebimentos. É fundamental definir com clareza os meios de pagamento:

  • Transferência bancária internacional (SWIFT/IBAN): é o método mais comum, mas pode implicar custos elevados.
  • Cartões de crédito e plataformas digitais (PayPal, Stripe, Revolut Business): facilitam operações de menor valor, mas têm taxas associadas.
  • Crédito documentário (Letter of Credit): usado em operações de maior risco, garante o pagamento desde que cumpridas as condições documentais.
  • Incoterms: em vendas de bens, os termos de entrega e responsabilidade de custos devem estar alinhados com as regras Incoterms da Câmara de Comércio Internacional.

Além disso, é crucial definir prazos de pagamento realistas e prever mecanismos de cobrança em caso de incumprimento.

Obrigações aduaneiras e documentação de suporte

Em operações com países fora da UE, as faturas devem ser acompanhadas de documentação específica:

  • Declaração aduaneira de exportação.
  • Certificados de origem (quando exigidos pelo país importador).
  • Lista de embalagem (packing list).
  • Documentos de transporte (CMR, conhecimento marítimo ou aéreo).

A ausência destes documentos pode atrasar a entrada da mercadoria no país de destino e gerar custos adicionais.

Digitalização e e-fatura internacional

Muitos países têm implementado sistemas de faturação eletrónica obrigatória, inclusive para operações internacionais. Por exemplo:

  • Itália e Espanha já exigem e-fatura em determinadas circunstâncias.
  • Brasil utiliza a Nota Fiscal Eletrónica (NF-e), que deve seguir um formato XML específico.

As empresas devem verificar se o seu software de faturação consegue emitir documentos compatíveis com as exigências de cada país. Em Portugal, o uso de programas certificados pela Autoridade Tributária é obrigatório, mas pode ser necessário integrar funcionalidades adicionais para mercados externos.

Riscos e mitigação

A faturação internacional está sujeita a riscos acrescidos:

  • Risco cambial: variações na taxa de câmbio podem reduzir margens de lucro.
  • Risco de incumprimento: clientes internacionais podem atrasar ou não efetuar o pagamento.
  • Risco de fraude: emails falsificados com instruções de pagamento adulteradas são cada vez mais comuns.

Boas práticas de mitigação incluem:

  • Utilizar contratos claros com cláusulas de arbitragem internacional.
  • Verificar a reputação do cliente através de relatórios de crédito.
  • Implementar seguros de crédito à exportação.
  • Adotar soluções tecnológicas com dupla autenticação e encriptação.

Boas práticas para empresas portuguesas

Para simplificar a faturação internacional e reduzir riscos, recomenda-se:

  1. Planeamento prévio: estudar cada mercado antes de emitir a primeira fatura.
  2. Escolha de software adequado: optar por soluções certificadas em Portugal, mas que permitam emissão em várias moedas, idiomas e formatos.
  3. Consultoria especializada: recorrer a contabilistas, advogados e consultores fiscais com experiência em comércio internacional.
  4. Formação interna: capacitar a equipa administrativa para lidar com requisitos internacionais.
  5. Monitorização contínua: manter-se atualizado sobre alterações fiscais e legais nos países de destino.

A faturação internacional é um processo complexo que vai muito além da simples emissão de um documento comercial. Requer conhecimento aprofundado das regras fiscais, legais e operacionais de cada mercado, bem como planeamento estratégico para gerir riscos e garantir a conformidade.

As empresas portuguesas que pretendam expandir-se para o estrangeiro devem investir em sistemas tecnológicos adequados, formação de recursos humanos e apoio especializado. Ao fazê-lo, não apenas cumprem as obrigações legais, como também reforçam a sua credibilidade junto de clientes e parceiros internacionais.

Num mundo global, a profissionalização da faturação internacional é mais do que uma exigência – é um fator de competitividade e sustentabilidade para qualquer negócio.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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