Quantos compradores conseguirão pagar uma comissão em Portugal?

À beira de um novo ciclo imobiliário, importa refletir sobre os modelos de comissionamento e a sua adequação ao contexto atual.

Num momento de uma quase certa mudança de ciclo imobiliário em Portugal e em grande parte do mundo, no mercado norte-americano, onde o reajustamento já “bateu à porta”, tem-se vindo a discutir o valor percentual das comissões pagas às empresas de mediação imobiliária no sentido de perceber se o impacto que têm na transação e financiamento é o mais adequado à conjuntura atual, e principalmente, à que se espera que se evidencie em larga escala a qualquer momento.

Esta discussão surge nos Estados Unidos devido a uma proposta de lei que propõe a alteração do modelo da atual estrutura de comissionamento.

Neste país, há vários anos que o agente do cliente vendedor e o agente do cliente comprador cobram uma comissão de serviço negociada e ditada pelo agente do cliente vendedor que é paga integralmente pelo seu cliente e que, por isso, acaba refletida no preço de venda do imóvel.

Para que a venda se conclua, a NAR (National Association of Realtors) aconselhava que esta comissão fosse distribuída entre o agente do cliente vendedor e o agente do cliente comprador sempre de acordo com as premissas previamente negociadas.

Estados Unidos debatem mudanças na lei

A proposta de lei defende o desacoplamento da negociação e pagamento do percentual de comissão, que é atualmente ditado pelo agente do cliente vendedor, e que tem o poder de decidir de forma unilateral o valor do percentual da transação, para um sistema em que o cliente vendedor e o cliente comprador pudessem negociar um valor de comissão com os seus agentes de forma independente para a mesma transação. Algo que já se pratica em várias zonas e estados norte-americanos.

Esta proposta alega que tal mudança beneficiaria o consumidor no geral, pois teria o poder de distribuir de forma mais equitativa a negociação e, potencialmente, o poder de baixar o valor do asking price dos imóveis, distribuindo o esforço de pagamento do serviço (comissão) entre o cliente vendedor e cliente comprador. Isto tornará, supostamente, o mercado mais justo do ponto de vista do valor do imóvel, valor do percentual de comissão (tende a descer) e a capacidade de negociação do valor do serviço por cada parte envolvida, mesmo que isso signifique que o peso possa continuar, como sempre, do lado do cliente vendedor.

Apesar de criar opções de escolha, a proposta de lei foi contestada por um estudo encomendado pela empresa HomeServices of America, uma subsidiária da Berkshire Hathaway e uma das maiores do país em número de transações partilhadas, que defende que esta medida colocaria pressão na capacidade de compra de minorias, como o cliente hispânico, que veria os custos da operação a aumentar do seu lado, como comprador, afetando o seu LTV e dificultando o acesso ao crédito para o imóvel desejado (opinião que tem em conta que o valor do imóvel se mantém igual).

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A realidade portuguesa

Em Portugal, e apesar de a lei também permitir a cobrança ao cliente comprador, a prática corrente é que quem paga a comissão pelo serviço prestado é o cliente vendedor, que é normalmente quem contratualizou o serviço através de um Contrato de Mediação Imobiliária ou CMI.

Contudo, quando existem duas agências imobiliárias na mesma transação, em que uma detém e representa o cliente vendedor através de um CMI, e outra detém (mesmo que sem contrato) o cliente comprador, a primeira reparte os honorários pagos pelo proprietário (comissão) com a segunda, em partes previamente combinadas (normalmente 50/50). A isto chamamos de partilha do negócio.

Os modelos de representação implícitos na lei da mediação imobiliária portuguesa sugerem claramente a divisão da responsabilidade de serviço dos mediadores para com o seu cliente, dando a ideia clara e futura de que, se um cliente quiser ser representado e servido para a transação do seu imóvel, seja na compra ou na venda, terá um agente/mediador, e será a ele que pagará a comissão definida, sendo esse valor estabelecido livremente entre as duas partes, mediadora e cliente. Ou seja, será o próprio mercado a definir, e não uma lei obrigatória.

Julgo ser do conhecimento geral que, em Portugal, os valores de comissão de uma transação imobiliária são pagos tradicionalmente pelo proprietário, que é quem contrata o serviço, rondando geralmente os 3% a 5% + IVA sobre o valor de venda efetiva do imóvel, sendo que a tendência clara é de 5% + IVA.

Em Portugal, começam a aparecer cada vez mais empresas que prestam um serviço dedicado e profissionalizado ao cliente comprador, abdicando por isso da partilha da comissão com a empresa com quem irão mediar o negócio. No entanto, para se conseguir fechar o negócio de venda (entenda-se chegar ao valor pedido pelo vendedor e possível para o comprador), por vezes o agente do cliente comprador abdica de cobrar parte, ou até a totalidade, da sua comissão ao cliente comprador. Neste caso, é pago pelo agente do cliente vendedor através da partilha da comissão negociada.

O Agente do Cliente Comprador em Portugal evidencia-se num mercado cada vez mais escasso, e muitas vezes associado a um segmento de mercado onde os imóveis são transacionados por valores mais altos.

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Itália e Espanha com modelo distinto

No caso do mercado italiano, e em algumas regiões do mercado espanhol, opera-se de forma diferente. Numa transação pagam sempre os dois clientes, independentemente de estarem a trabalhar com a mesma empresa ou empresas diferentes, assumindo-se que cada uma das partes deve pagar pelo serviço prestado. Convém referir que, no caso de ser a mesma empresa, a lei destes dois países permite que isso aconteça, ao contrário de Portugal, onde é proibido devido ao conflito de interesses. Resta dizer que as comissões médias cobradas nestes dois países é de 3 a 4% para o agente do vendedor, e 2 a 3% para o agente do comprador.

Se os preços dos imóveis em Portugal não param de subir, e o valor das comissões pagas às mediadoras acompanham a tendência, pensando que os dois clientes vão pagar (em alguns casos já o fazem), será que num ambiente de crise devido à inflação e subida de taxas de juro, a aplicação da comissão ao cliente comprador poderá contribuir para dificultar o acesso à compra de habitação?

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Afinal, quantos compradores terão de facto dinheiro para pagar uma comissão em Portugal?

Será viável pedir a um cliente comprador que, além de pagar todos os encargos de uma transação, e se for a crédito, todo o processo de financiamento, some mais um valor aos seus custos de operação com o pagamento de uma comissão à mediadora? Ou estaríamos a puxar demais pelo LTV da operação, dificultando a avaliação da capacidade financeira do cliente para suportar a operação?

Tal como referi, o modelo norte-americano evoluiu nos últimos anos para um modelo de representação e, devido à mudança de ciclo, existe a vontade económica (e política) de voltar ao modelo anterior, com a repartição da comissão pelas duas empresas intervenientes na esperança de fazer descer os custos para o vendedor e, consequentemente, o valor de venda do imóvel. Estas medidas estão a ser discutidas para que se antecipe um problema de dificuldade de acesso à compra de habitação, pensando claramente nos segmentos médios e mais baixos.

Mas, pensando nos outros segmentos de mercado, como o segmento médio alto e luxo, e dando como exemplo o centro das grandes cidades de Itália, onde o mercado está mais quente pela escassez de produto e forte procura, que se traduz numa constante subida de preços, verifica-se uma prática invulgar nas empresas de mediação imobiliária: contratualizam o serviço de mediação ao cliente proprietário/vendedor em exclusividade, e a custo zero de comissão, porque quem os vai remunerar é, na realidade, o cliente comprador, que paga normalmente 3 a 4% sobre o valor de transação do imóvel. Neste modelo, a partilha com um agente que tenha um outro cliente comprador não será viável, pois não existe remuneração por parte do cliente proprietário/vendedor ao agente.

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À espera da nova legislação em Portugal

Há variadíssimos modelos no mundo inteiro. O mais importante é refletir sobre se cada modelo beneficia o cliente perante cada fase do mercado. Será que os valores comissionais cobrados atualmente nestes países que mencionei, inclusive Portugal, estão adaptados a uma eventual crise?

Será que os compradores têm capacidade de pagar uma comissão em Portugal na esperança de se baixar o valor de venda, ou será que, em vez de um mercado mais equilibrado, se estará na realidade a abrir portas a mais uma dificuldade financeira na compra de casa, principalmente para os compradores de primeira casa, ou compradores do segmento mais baixo?

Há muito que esperamos por uma nova legislação para a mediação imobiliária, que supostamente irá sair antes do final deste ano. Será que este tema terá novidades para breve?

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“O imobiliário é a minha vida e a minha vida é lidar com pessoas.” A viver em Lisboa e a trabalhar em Portugal, Espanha e Itália, Massimo Forte é acima de tudo um apaixonado pela área do imobiliário, um negócio que considera ser de pessoas para pessoas. Com mais de 25 anos de experiência nas maiores empresas de mediação imobiliária, hoje dedica-se a consultoria, formação e partilha de conhecimento como um dos maiores Real Estate Influencers em Portugal.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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