O assédio laboral constitui uma das formas mais graves de violação da dignidade dos trabalhadores, afetando não apenas a sua saúde física e psicológica, mas também o ambiente organizacional e a produtividade das empresas. Apesar de cada vez mais discutido e legislado, continua a ser um fenómeno silencioso, muitas vezes difícil de denunciar, provar e combater eficazmente.
Conheça, neste artigo, o que é o assédio laboral, como se manifesta, os impactos que gera, o enquadramento legal, as obrigações das entidades empregadoras e os direitos dos trabalhadores.
O que é o assédio laboral?
O assédio laboral pode ser definido como um conjunto de comportamentos indesejados, repetitivos e prolongados no tempo, que têm como objetivo ou efeito afetar a dignidade de um trabalhador, criando um ambiente hostil, humilhante, intimidatório ou ofensivo. Pode ser exercido por superiores hierárquicos, colegas de trabalho ou até por subordinados, assumindo várias formas:
- Assédio vertical descendente: quando o superior hierárquico é o agente;
- Assédio vertical ascendente: quando um trabalhador assedia o superior;
- Assédio horizontal: entre colegas de igual nível hierárquico.
O assédio pode ser direto ou indireto, explícito ou subtil, verbal, psicológico ou comportamental. O ponto comum é a intencionalidade de prejudicar a vítima ou o efeito objetivo de o fazer.
Tipos de assédio no local de trabalho
Assédio moral
Consiste em ataques repetidos à autoestima e reputação da vítima, com o objetivo de a desestabilizar ou excluir. Exemplos incluem:
- Isolamento ou exclusão intencional;
- Atribuição de tarefas humilhantes ou desnecessárias;
- Críticas constantes e injustificadas;
- Boatos ou difamação;
- Ignorar a presença ou opinião do trabalhador.
Assédio sexual
Trata-se de comportamentos de natureza sexual, não desejados pela vítima, que criam um ambiente intimidatório, ofensivo ou perturbador. Pode manifestar-se através de:
- Comentários de teor sexual;
- Propostas sexuais explícitas ou implícitas;
- Toques ou contacto físico indesejado;
- Envio de mensagens ou imagens de conteúdo impróprio.
Assédio institucional
Ocorre quando a própria organização tolera, encoraja ou ignora práticas de assédio, muitas vezes para forçar a saída de um trabalhador ou promover uma cultura de medo e submissão.
Assédio laboral: Enquadramento legal em Portugal
O Código do Trabalho português (Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alterações subsequentes) estabelece, no seu artigo 29.º, que “é proibido o assédio, entendido como o comportamento indesejado, nomeadamente baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, de afetar a sua dignidade ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”
Outros diplomas relevantes incluem:
- Lei n.º 73/2017, que reforça o combate ao assédio no trabalho;
- Código Penal, nomeadamente os crimes de ofensa à integridade física, injúrias, difamação e coação;
- Normas da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT).
A lei prevê medidas preventivas, sancionatórias e de proteção à vítima, bem como a possibilidade de responsabilização civil e criminal do assediador e do empregador, quando este falhe no dever de proteção.
Quais os impactos do assédio laboral?
O assédio tem consequências profundas e multidimensionais, afetando o indivíduo, a equipa e a organização como um todo.
Para a vítima
- Sintomas de stresse, ansiedade e depressão;
- Perda de autoestima e motivação;
- Insónias, dores físicas e doenças psicossomáticas;
- Absentismo, perda de rendimento, despedimento ou abandono do trabalho;
- Em casos extremos, ideação suicida.
Para a organização
- Diminuição da produtividade e do desempenho;
- Aumento da rotatividade e do absentismo;
- Degradação do clima organizacional;
- Danos reputacionais e perda de confiança externa;
- Riscos legais e financeiros associados a processos judiciais e indemnizações.
Prevenção e combate ao assédio no trabalho
A prevenção do assédio deve ser uma prioridade estratégica da gestão de recursos humanos, inserida numa cultura organizacional de respeito, equidade e integridade.
Políticas internas
- Criação de códigos de conduta e regulamentos internos claros;
- Inclusão do tema nos planos de formação obrigatória;
- Comunicação regular sobre comportamentos aceitáveis e inaceitáveis.
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Mecanismos de denúncia
- Estabelecimento de canais confidenciais e seguros para denúncia;
- Garantia de anonimato, se solicitado;
- Proteção da vítima contra represálias.
Investigação e resposta
- Avaliação imparcial e célere das denúncias;
- Adoção de medidas disciplinares proporcionais e eficazes;
- Acompanhamento da vítima (psicológico, jurídico e organizacional).
Promoção da cultura de respeito
- Formação contínua para todos os níveis hierárquicos;
- Avaliação do clima organizacional;
- Reconhecimento e valorização da empatia, colaboração e ética.
O papel da entidade empregadora
O empregador tem a responsabilidade legal e moral de proteger os trabalhadores contra qualquer forma de assédio, garantindo um ambiente de trabalho seguro e saudável. As suas obrigações incluem:
- Implementar políticas de prevenção e combate ao assédio;
- Informar e formar os trabalhadores sobre os seus direitos e deveres;
- Agir imediatamente perante denúncias ou suspeitas fundadas;
- Cooperar com as autoridades competentes, como a ACT e os tribunais;
- Integrar a prevenção do assédio nos processos de gestão de desempenho, recrutamento e avaliação.
Direitos e deveres do trabalhador
O trabalhador tem o direito de:
- Trabalhar num ambiente livre de assédio;
- Denunciar situações de assédio sem medo de retaliação;
- Ser ouvido e respeitado nos processos de apuramento de factos;
- Receber apoio médico, psicológico ou jurídico, quando necessário;
- Ser reintegrado e compensado, em caso de dano comprovado.
Por outro lado, deve:
- Respeitar os colegas e a hierarquia;
- Cumprir o código de conduta da organização;
- Cooperar com investigações internas, quando for parte ou testemunha.
Papel das autoridades e entidades competentes
ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho
É a entidade fiscalizadora e reguladora das condições laborais, com competências para:
- Receber e investigar denúncias de assédio;
- Aplicar contraordenações e recomendar medidas corretivas;
- Divulgar informação e sensibilizar os empregadores e trabalhadores.
Ministério Público e Tribunais
Em caso de crime ou litígio, o trabalhador pode apresentar queixa junto das autoridades judiciais. O assédio pode originar:
- Ação judicial por danos morais e materiais;
- Processo disciplinar interno contra o agressor;
- Despedimento por justa causa do assediador, se comprovado.
O assédio laboral é uma realidade que não pode ser ignorada pelas organizações modernas. Não se trata apenas de uma violação de direitos fundamentais, mas também de um obstáculo à produtividade, ao bem-estar e à sustentabilidade organizacional.
Combater o assédio exige mais do que boas intenções — requer políticas concretas, liderança ética, formação contínua e, sobretudo, um compromisso firme com a dignidade humana.
Promover ambientes laborais saudáveis, inclusivos e seguros não é apenas um dever legal. É um investimento nas pessoas e no futuro da própria organização.
