A medicina no trabalho é um dos pilares fundamentais da segurança e saúde ocupacional. Num ambiente laboral onde os riscos profissionais estão constantemente presentes — sejam físicos, químicos, ergonómicos ou psicossociais — a medicina no trabalho tem como missão proteger e promover a saúde dos trabalhadores, prevenindo doenças profissionais e contribuindo para um ambiente de trabalho seguro, saudável e produtivo.
Saiba, neste artigo, o que é a medicina no trabalho, como funciona em Portugal, quais são as suas obrigações legais, os exames obrigatórios, o papel dos empregadores e trabalhadores, bem como os benefícios práticos da sua correta implementação.
O que é a medicina no trabalho?
A medicina no trabalho, ou medicina do trabalho, é uma especialidade médica integrada no campo da saúde ocupacional, com foco na prevenção, diagnóstico e vigilância dos efeitos adversos que o trabalho pode ter na saúde dos trabalhadores.
O seu principal objetivo é assegurar que as condições laborais não comprometem o bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores, através de ações preventivas, exames médicos regulares, e acompanhamento de riscos específicos inerentes a cada função ou setor de atividade.
O que diz a lei?
Em Portugal, a medicina no trabalho é obrigatória e está regulada por diversos diplomas legais, nomeadamente:
- Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro (Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho)
- Código do Trabalho (nomeadamente no artigo 281.º)
- Normas e orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT)
Segundo a legislação, todas as entidades empregadoras, públicas ou privadas, independentemente do número de trabalhadores, são obrigadas a assegurar serviços de saúde no trabalho, através de serviço interno, externo (subcontratado) ou comum (partilhado com outras empresas).
Quais as obrigações da entidade patronal?
A empresa é legalmente responsável por garantir a existência e o funcionamento eficaz do serviço de saúde no trabalho. As suas principais obrigações incluem:
– Contratar ou estabelecer protocolo com uma entidade prestadora de serviços de saúde no trabalho. Se não tiver capacidade para ter um serviço interno, deverá recorrer a um serviço externo certificado.
– Garantir a realização dos exames médicos obrigatórios
– Assegurar que os médicos do trabalho têm acesso ao local de trabalho. Para realização de inspeções técnicas, avaliações de postos de trabalho, e vigilância da saúde.
– Colaborar na implementação de medidas preventivas. Com base nos pareceres médicos e nas avaliações de risco elaboradas.
– Garantir confidencialidade. Todos os dados de saúde são confidenciais e não podem ser acedidos por outras entidades da empresa.
O não cumprimento destas obrigações pode resultar em contraordenações graves ou muito graves, com coimas aplicadas pela ACT.
Exames médicos obrigatórios
Os exames médicos de aptidão são uma das ferramentas centrais da medicina no trabalho. Estes visam avaliar se o trabalhador está em condições físicas e psíquicas de desempenhar as suas funções em segurança.
Tipos de exames obrigatórios:
- Exame de admissão: Antes do início da prestação de trabalho ou, no máximo, nos primeiros 15 dias. É obrigatório para todos os trabalhadores, independentemente do tipo de contrato.
- Exame periódico: Realizado com periodicidade variável:
- Anualmente para trabalhadores expostos a riscos elevados ou com mais de 50 anos;
- De dois em dois anos para os restantes.
- Exame ocasional: Quando há mudança de função, regresso após ausência prolongada por motivos de saúde (15 dias ou mais), ou por solicitação do trabalhador ou da entidade patronal.
Estes exames devem ser realizados por um médico do trabalho, que emite um certificado de aptidão com uma de três indicações: apto, apto com restrições ou inapto
A informação contida neste certificado não pode revelar diagnósticos clínicos, apenas a aptidão para o exercício da função.
O que inclui um serviço de saúde no trabalho?
Um serviço de saúde no trabalho deve ser multidisciplinar e adaptado ao setor e riscos da atividade. Pode incluir:
- Médico do trabalho (obrigatório)
- Enfermeiros do trabalho
- Técnicos de segurança e saúde no trabalho
- Psicólogos ou ergonomistas (em algumas áreas)
As suas funções incluem avaliação e vigilância da saúde dos trabalhadores; avaliação ergonómica dos postos de trabalho; identificação de riscos profissionais; participação na formação dos trabalhadores sobre riscos e medidas de prevenção; colaboração em campanhas de vacinação, rastreios e promoção da saúde e apoio em situações de acidente de trabalho ou doença profissional.
Medicina no trabalho: Quais os benefícios?
Embora muitas empresas vejam a medicina no trabalho como uma obrigação legal, os benefícios práticos da sua implementação eficaz são significativos, tanto a curto como a longo prazo.
Para as empresas:
- Redução de absentismo e rotatividade
- Aumento da produtividade
- Melhoria do ambiente e da cultura organizacional
- Cumprimento legal e redução do risco de coimas
- Menor probabilidade de acidentes e doenças profissionais
Para os trabalhadores:
- Prevenção de problemas de saúde
- Deteção precoce de doenças ou limitações funcionais
- Acompanhamento em situações de readaptação ou regresso ao trabalho
- Sensação de valorização e bem-estar no contexto laboral

Diferença entre medicina no trabalho e medicina ocupacional
Os termos são frequentemente utilizados de forma indistinta, mas podem assumir nuances:
- Medicina do trabalho: foca-se mais na avaliação médica individual e nos exames clínicos dos trabalhadores;
- Medicina ocupacional: tem uma abordagem mais ampla, incluindo análise de riscos ocupacionais, saúde pública, ergonomia, ambiente de trabalho e políticas de saúde organizacional.
Em contexto prático, os dois conceitos são geralmente tratados como equivalentes em Portugal.
Confidencialidade e proteção de dados
Um dos princípios fundamentais da medicina no trabalho é o sigilo médico. As empresas têm apenas acesso ao certificado de aptidão do trabalhador, sem qualquer informação médica detalhada.
De acordo com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a informação clínica está sujeita a regras de confidencialidade rigorosas. A partilha ou utilização indevida desses dados pode constituir infração grave.
Qual o papel dos trabalhadores?
Os trabalhadores têm também um papel ativo e responsabilidades:
- Comparecer aos exames médicos agendados
- Cumprir as recomendações do médico do trabalho
- Comunicar alterações no estado de saúde que possam interferir com a atividade profissional
- Participar em ações de formação e prevenção promovidas pela empresa
Têm ainda o direito de solicitar exames médicos quando suspeitam de que o trabalho pode estar a afetar negativamente a sua saúde.
Fiscalização e consequências do incumprimento
A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) é responsável pela fiscalização do cumprimento das obrigações legais relativas à medicina no trabalho. As empresas podem ser alvo de auditorias e inspeções regulares.
Em caso de incumprimento, podem aplicar-se:
- Coimas entre 612 e 9.690 euros, dependendo da gravidade e dimensão da empresa;
- Processos judiciais em caso de acidentes de trabalho relacionados com negligência na vigilância da saúde;
- Dificuldades em processos de licenciamento, candidaturas a apoios, ou certificações.
Considerações finais
A medicina no trabalho é muito mais do que uma imposição legal — é uma ferramenta estratégica essencial para o bem-estar dos trabalhadores e o bom funcionamento das empresas. Ao garantir que cada colaborador está apto e saudável para exercer as suas funções, as organizações promovem uma cultura de prevenção, segurança e responsabilidade social.
Num contexto em que o bem-estar no trabalho é cada vez mais valorizado, investir numa medicina do trabalho eficaz e próxima das reais necessidades dos trabalhadores representa uma mais-valia com impactos diretos na produtividade, motivação e imagem da empresa.
