O bom, o mau e o vilão (no crédito)

Quando os níveis de incumprimento são muito baixos, a economia não está a ser apoiada da forma como devia. Está subvalorizada.

Está enraizado na sociedade que o crédito é uma coisa má e que o incumprimento é um vilão, do qual temos de fugir e evitar a todo o custo. Nada mais errado.

A personagem boa desta história é o crescimento económico e, garantidamente, sem a personagem má e a vilã não teremos uma economia saudável, nem próspera.

Para os mais incrédulos, sublinho: precisamos de ter incumprimento no crédito para garantir o crescimento económico.

Nenhum empreendedor, por melhor que seja, vai conseguir fazer alguma coisa sem apoio financeiro. E há vários cenários possíveis para pôr uma ideia em prática:

  • Ter um património considerável, que permite avançar com a sua ideias;
  • Ter uma família abastada, que lhe dá o “financiamento” necessário;
  • Pedir um empréstimo à banca.

Estas são as soluções mais naturais mas, em qualquer dos casos, para se conseguir empreender, é preciso apoio financeiro. Ora, só criando novos negócios e novas empresas é possível gerar riqueza, não apenas para si próprio, como para a economia. Só assim se criam empregos. Isto é contribuir para a personagem boa desta história.

Se pensarmos nas pessoas, ao nível individual, a história não é muito diferente. Para comprarem casa ou carro, a maior parte das pessoas precisa de apoio financeiro. Estas compras contribuem, e muito, para o desenvolvimento da economia, porque a compra de uma casa ou de um carro não se resume àquela operação em si, alimenta várias indústrias. 

É imperativo que tenhamos em consideração que sem financiamento, as empresas não podem desenvolver-se, não podem fazer aumentos, as pessoas não aumentam o seu poder de compra, não consomem e a economia ressente-se. Com um impacto maior nos bens duradouros.

Assim, é certo que o bom só existe se o mau e o vilão estiverem em palco.

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Mas porque é que o incumprimento é importante para este equilíbrio?

Quando temos níveis de incumprimento muito baixos, como é o caso de Portugal, a economia não está a ser apoiada da forma como devia. Está subvalorizada.

Ninguém quer um descontrolo na concessão de crédito, muito menos um aumento desproporcional do incumprimento, mas o facto é que este ecossistema é a força motriz da economia.

Confunde-se o facto de alguém se dar mal com o facto de ser incompetente, sendo que a abertura e encerramento de empresas é algo de salutar. Muitas vezes é preciso errar para acertar. E nisto, temos muito a aprender com os americanos, onde a falência não tem um peso tão negativo para os empresários.

Falhar nos negócios é o mercado a funcionar. Há uma seleção natural, entre o que é efetivamente bom, e acrescenta valor à economia, e aquilo que não responde às necessidades.

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Depois de 2022 ter sido marcado por um aumento pronunciado de constituição de empresas e de um número baixo de encerramentos (o mais baixo desde que há dados), os números do primeiro semestre deste ano apontam para um contínuo aumento de abertura de empresas ao mesmo tempo que os encerramentos aceleraram.

Nos primeiros seis meses deste ano, foram criadas mais de 27 mil empresas, mais 6% do que nos primeiros seis meses de 2022. Fecharam cerca de 6.700 empresas e entraram em processo de insolvência pouco mais de 1.100, de acordo com os dados do barómetro Informa D&B.

Voltando às personagens desta história: o bom, o mau e o vilão, a economia precisa que estejamos dispostos a correr mais riscos. Sobretudo porque uma economia com maior capacidade de correr riscos tem também maior capacidade de recuperar.

Bem sei que vivemos realidades muito diferentes, mas olhemos para os EUA. A economia corre riscos, as pessoas correm riscos. E correm-nos primeiro por necessidade e depois porque está enraizado na sociedade que o risco faz parte do caminho. Errar não é um problema.

É claro que não podemos cair no extremo oposto. E atenção, não estou a defender que se financie todos os projetos. É preciso uma avaliação cuidada, mas não castradora da economia. É preciso repensar os critérios de análise de risco (mas isto deixo para um outro artigo).

Atualmente, o incumprimento das empresas corresponde a 2,1% do total do crédito concedido e, nos particulares, está em 1% do total. E isto num período marcado por alguma instabilidade económica e por um aumento muito pronunciado das taxas juro.

Valha-nos os empresários que estão a garantir que temos um emprego praticamente pleno na economia. Mas é preciso entender que a nossa economia está longe de estar na sua capacidade máxima.

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Cláudio Santos, iniciou carreira no setor da banca em 1992 no Loyds Bank, terminando em 2012 no Deutsche Bank após passar por Banco Fomento Exterior e Banco BPI. Após uma experiência internacional de 3 anos como Diretor Comercial, ingressou em 2016 no Doutor Finanças. Atualmente é Partner, Board member e Chief Commercial Officer (CCO).

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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