O preocupante estudo sobre as raspadinhas

Investir não é ter sorte ou azar. Investir é um processo que exige conhecimento, disciplina e racionalidade.

A economia global vive momentos desafiantes. A inflação regressou em força e obrigou as entidades monetárias a agir. Desde 2007 que temos assistido a uma política monetária acomodatícia, com constantes injeções de liquidez no sistema financeiro e com taxas de referência próximas de zero. A mensagem, desde 2007 até 2022, foi clara: incentivo ao investimento e consumo. As diferentes crises por que passámos justificaram este experimentalismo monetário, que foi possível porque a inflação não gerava preocupação.

Covid alterou a dinâmica

Tudo mudou com o covid. Tivemos confinamentos generalizados. A taxa de poupança foi elevada, porque foram criadas condições para que as populações não perdessem poder de compra e para que as empresas tivessem a capacidade de suportar a pausa económica que assistimos no mundo.

Pós-covid – Uma nova realidade

O pós-covid trouxe uma nova realidade. As pessoas sentiram-se livres, começaram a valorizar outras coisas. Tinham poupanças para utilizar. O incentivo voltou a ser de consumo e investimento de forma a dinamizar a economia. A procura aumentou. Do outro lado, a oferta começou por ser reduzida em função de todos os confinamentos e de toda a e incerteza que estávamos a atravessar. Adicionalmente, as empresas preferiram não investir imediatamente de forma a perceberem qual iria ser o rumo económico global. Como consequência, os preços dos bens e serviços aumentaram. A inflação surgiu e criou dificuldades nas entidades monetárias, que foram colocadas entre a espada e a parede: por um lado, tinham de controlar a subida generalizada dos preços, já que a inflação retira poder de compra à população; por outro, o contexto não era propício a uma subida de taxas de juro. Desta forma, depois de deixarem a economia sobreaquecer, só restou uma solução: a subida agressiva das taxas de juro, de forma reduzir a inflação para níveis ideais.

Contexto português

Portugal é uma economia dependente. Isto significa que não conseguimos “sobreviver” sozinhos. A nossa economia depende muito do investimento externo. Estruturalmente, não conseguimos evoluir. Temos um salário médio muito reduzido quando comparado com outros países. Apesar desta realidade, o custo do nível de vida não é muito diferente das outras realidades da Zona Euro. E o que é que isto significa? A resposta é simples. Tentamos fazer o que os outros fazem, mas com muito menos. Em períodos de maiores dificuldades, estamos muito mais expostos e frágeis.

Raspadinhas – Mais um exemplo

O recente estudo sobre o consumo de raspadinhas elaborado pelo Conselho Económico e Social (CES), em conjunto com a Universidade do Minho, demonstra-nos os reflexos de uma realidade preocupante. Mais de 400 mil pessoas jogam todas as semanas na lotaria instantânea e, dessas, 60 mil fazem-no todos os dias. Segundo o estudo, 3,09% dos adultos estão em risco de desenvolver problemas de jogo, sendo que 1,21% correspondem a adultos com problemas nas raspadinhas, o que, em termos absolutos, representa 100.000 adultos em Portugal Mais de metade dos jogadores de raspadinha têm rendimentos até 999 euros, o que significa que as classes sociais mais baixas são as mais expostas.

Motivação para jogar

Existem várias motivações para jogar raspadinhas. A forma como se dá ênfase aos prémios atribuídos, através de alguns órgãos de comunicação social, com muitas histórias na primeira pessoa, faz acreditar que ganhar muito é mais fácil do que efetivamente é. O custo, aparentemente, é reduzido, o que cria a ilusão de que “mais tarde ou mais cedo serei recompensado”.  A necessidade de obtenção de rendimentos adicionais faz com que as pessoas optem pela sorte ou pela pequena probabilidade de obter sucesso. Só para termos uma ideia da realidade, em Portugal gastamos uma média anual de 160 euros por habitante, enquanto em Espanha gastam 14 euros!!

Leia ainda: Raspadinhas: Cuidados a ter para jogar com moderação e evitar o vício

Como se podem alterar estes comportamentos?

Tenho dado inúmeros exemplos da importância da literacia financeira nas nossas vidas. Este é apenas mais um que tem influência nas decisões de consumo, mas também na vertente mental.

Um jogo que deveria ser apenas isso pode-se transformar numa forma de dependência que pode colocar em causa todas as poupanças de uma vida e a estabilidade emocional. A literacia financeira ajuda-nos a desmistificar muitas mensagens que vamos recebendo no nosso percurso. Saber interpretar o que temos pela frente irá fazer a diferença. Neste caso, existe a perceção de que é fácil ganhar dinheiro, que com um euro pode-se ter acesso a alguns milhares. É verdade que podemos ter sorte, mas vamos colocar as nossas poupanças todas na sorte ou azar? Jogar na raspadinha não é investir, é divertir. É importante que todos percebam que investir não é ter sorte ou azar. Investir é um processo que exige conhecimento, disciplina e racionalidade. É cada vez mais urgente definir um plano de formação financeira que comece nas escolas, que seja transversal a toda a população, que permita criar valor, de forma a que a evolução se vá fazendo. Não tenho dúvidas que a diferença está e estará sempre no conhecimento e na exigência que daí advirá.

Leia ainda: Investir de uma forma consciente

Apaixonado pelo desporto e economia, foi jogador profissional de Futebol, tendo atuado em clubes como S.L. Benfica, Estoril, entre outros. Conciliou a carreira desportiva com a académica, terminando a licenciatura em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (NOVA SBE). Continua ligado às suas duas paixões profissionais, desempenhando a função de Financial Advisor e colaborando como analista desportivo na CNN Portugal. Foi comentador residente no programa Jogo Económico do JE e Presidente do Conselho Fiscal da Federação Portuguesa de Footgolf. (FPFG). Participa com regularidade em eventos sobre Literacia Financeira.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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