“Os mercados financeiros – e, em particular, os mercados acionistas – continuam vulneráveis a correções acentuadas devido à persistência de avaliações elevadas e à crescente concentração do mercado acionista. O sentimento de mercado pode deteriorar-se rapidamente perante uma perspetiva de crescimento mais fraca, por exemplo, ou notícias dececionantes sobre a adoção da Inteligência Artificial”.

Este alerta contundente foi feito pelo Banco Central Europeu (BCE), no Relatório de Estabilidade Financeira publicado recentemente pela autoridade monetária. O aviso está em linha com o efetuado por outros bancos centrais, o que demonstra uma preocupação crescente das autoridades com a possibilidade de surgir uma correção significativa nas cotações das ações.

Banco de Inglaterra, Banco do Japão, Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) e outros bancos centrais já fizeram alertas similares nos últimos meses, sempre citando a euforia com a Inteligência Artificial como um dos principais catalisadores desse potencial movimento de correção nos preços das ações.

A possibilidade de existir uma bolha nas ações das empresas de Inteligência Artificial é um tema que tem aquecido o debate nos mercados financeiros. Estes receios motivaram uma queda significativa nas cotações na primeira metade de novembro, mas as ações apagaram grande parte das perdas nas sessões seguintes, evidenciando a divisão que existe no mercado sobre se existe mesmo uma bolha na Inteligência Artificial, ou o potencial da tecnologia ainda vai gerar retornos substanciais aos investidores.

Diferenças para a bolha das “dotcom”

Restando poucas dúvidas acerca do potencial transformador da Inteligência Artificial, existem argumentos válidos dos dois lados da barricada que serão detalhados de seguida. Ainda assim, parecem nesta altura exageradas as comparações com o período de quedas muito acentuadas das empresas de tecnologias na viragem do século, quando rebentou a que ficou conhecida por bolha das “dotcom”.

Existe uma bolha nos mercados acionistas quando os preços das ações das empresas cotadas sobem muito acima do seu valor real, impulsionados por euforia, expetativas exageradas e excesso de liquidez. A correção brusca surge quando fica percetível que a tendência é insustentável e as expetativas não se confirmam, minando a confiança dos investidores.

Foi o que aconteceu em 2000, na altura do boom da Internet, em que as empresas com projetos na área registaram valorizações excecionais de forma generalizada. Há várias diferenças significativas para o panorama atual:

– Muitas das companhias com ganhos mais expressivos na altura registavam prejuízos, enquanto as que estão atualmente na linha da frente da Inteligência Artificial registam resultados muito robustos. Em 2000 surgiu um boom de novas empresas na Bolsa, o que não se verifica nesta altura.

– Os investimentos avultados efetuados há 25 anos foram financiados por emissões de dívida, o que gerou um grave problema de contágio a todo o setor financeiro quando os resultados ficaram aquém do previsto. As empresas que estão a investir fortemente na Inteligência Artificial têm balanços muito robustos e podem financiar estes gastos com os cash flows que geram através da sua atividade.

Motivos para preocupação

O lançamento do ChatGPT, por parte da OpenAI, marcou o início da euforia com a Inteligência Artificial. Foi no final de novembro de 2022 e desde então as ações globais marcaram variações muito expressivas, com uma incidência muito mais intensa nas companhias do setor tecnológico.

O índice norte-americano S&P500, o índice mundial MSCI World e o japonês Nikkei acumulam valorizações superiores a 60% nos últimos três anos, enquanto o europeu Stoxx600 regista um desempenho mais modesto (30%). A generalidade dos índices negoceia em máximos históricos, exacerbando os receios de que esta escalada foi longe demais.

A Nvidia é o expoente máximo desde o boom nas cotações das companhias ligadas à Inteligência Artificial. A fabricante de chips valoriza 1.000% desde o lançamento do ChatGPT e tornou-se a primeira empresa em todo o mundo a atingir uma capitalização bolsista de 5 biliões de dólares. Um montante que corresponde a 10 vezes o valor de mercado da Exxon Mobil, que é a maior petrolífera do mundo.   

Esta valorização acentuada das ações deixou os múltiplos de mercado das cotadas em níveis muito acima da média histórica, dando argumentos para os que reclamam a existência de uma bolha. A situação é mais evidente na bolsa norte-americana, onde o índice S&P500 transaciona a 23 vezes os lucros estimados para os próximos 12 meses, o que compara com a média dos últimos 10 anos de 18 vezes.  

As tecnológicas que estão na linha da frente da Inteligência Artificial têm, nos últimos meses, anunciado avultados investimentos em infraestruturas, gerado apreensões sobre a capacidade de recuperarem este dinheiro. Acresce que muitos destes investimentos são circulares, com as empresas a investirem uma nas outras, o que é uma das características de bolha nos preços dos ativos. Um dos exemplos mais flagrantes está em duas empresas no centro da euforia da Inteligência Artificial. A OpenAI anunciou um acordo para comprar milhões de chips da Nvidia, que por sua vez vai investir 100 mil milhões de dólares em ações da dona do ChatGPT.

Motivos para otimismo

As quedas mais intensas nas bolsas, em meados de novembro, surgiram precisamente depois de a Nvidia ter apresentado resultados que foram considerados fabulosos e diminuíram os motivos para falar de bolha na Inteligência Artificial.   

A Nvidia alcançou receitas de 57 mil milhões de dólares no terceiro trimestre fiscal, um crescimento de 62% que superou largamente as estimativas dos analistas. A companhia projetou receitas de 65 mil milhões de dólares no trimestre que termina em janeiro, o que representa mais de 10 vezes o valor registado no mesmo período do ano fiscal de 2023. Os lucros do terceiro trimestre dispararam 59% para 31,8 mil milhões de dólares.

Apesar da taxa de crescimento dos resultados das grandes tecnológicas estar obviamente a abrandar, os aumentos continuam muito robustos e as previsões apontam para que a tendência se mantenha. Os lucros das Sete Magníficas (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla) subiram 18,4% no terceiro trimestre, o que representa o ritmo mais lento desde 2023, mas continua a comparar de forma muito favorável com as restantes 493 companhias do S&P500 (11,9%). Para os próximos trimestres, as projeções dos analistas apontam para que os lucros das Sete Magníficas continuem a aumentar a taxas em redor de 20%.

Ray Dalio, um dos investidores mais reputados de Wall Street, é um dos que consideram que existe uma bolha na Inteligência Artificial. Mas o fundador da firma de hedge funds Bridgewater Associates recomenda que os investidores não vendam as suas ações, lembrando que as bolhas só rebentam quando surgem eventos significativos e no caso do tema da Inteligência Artificial ainda não é visível que venha a acontecer.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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