Fim das moratórias? Mantenha a calma e conheça as soluções à sua disposição

O fim das moratórias não tem de ser um caos. O importante é que perceba o contexto e se antecipe. Não entre em incumprimento e saiba o que pode fazer para que isso não aconteça.

É quase certo que as moratórias públicas que ainda estão em vigor terminem este ano. Isto porque para serem prolongadas teriam de ter o aval da Autoridade Bancária Europeia (mais conhecida pela sigla em inglês EBA). E, ao que tudo indica, isso não vai acontecer.

Na verdade, não poderemos viver sob moratórias durante muito mais tempo. Pelo menos, não desta forma generalizada. Porque este cenário não seria uma cura, seria um acumular de problemas maiores, com custos para todos nós.

O fim das moratórias está a causar algumas angústias a muitas famílias. Mas é preciso manter a calma. Há soluções para evitarmos o pior cenário. É preciso perceber o contexto e depois avaliar as possibilidades. É sobre isso que vou escrever: o que temos agora, o que vamos passar a ter e quais as opções.

Ninguém ganha com o incumprimento

Este é um ponto assente. Nem os bancos, nem os clientes ganham alguma coisa com o incumprimento, bem pelo contrário. No limite, o crédito malparado pode transformar-se numa bola de neve com tal dimensão que arrasta toda a economia. Não é possível não nos lembrarmos da crise de 2011, faz agora, precisamente 10 anos.

Todo o sistema está consciente das implicações de um aumento abrupto do crédito malparado, por isso, não pense que os bancos não estão do seu lado. Nenhum banco quer ficar com imóveis em carteira por falta de pagamento. O seu negócio não é gestão imobiliária. Nem os bancos querem perder tempo (e dinheiro) em processos judiciais. Além disso, atualmente estão obrigados a encontrar soluções sempre que os clientes revelem ter capacidade para cumprir com as suas obrigações, ainda que de outra forma.

As consequências do incumprimento para a economia

As moratórias, como agora são amplamente conhecidas, estão enquadradas num contexto que beneficia clientes e bancos. No caso dos clientes, estes puderam durante meses não pagar as prestações do crédito. Puderam escolher entre não pagar nada, pagarem só juros ou pagarem juros e uma parte de amortização do capital. Esta suspensão de pagamento não teve qualquer consequência em termos de incumprimento. Estes clientes não entraram na chamada lista negra do Banco de Portugal, nem tiveram outras consequências imediatas.

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Crédito
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Quando a moratória terminar, estes clientes terão de retomar o pagamento dos seus créditos. Aqui, o valor dos seus encargos vai depender do tipo de moratória que estiveram a beneficiar. Se estiveram a pagar juros, a prestação será idêntica ao que tinham antes da moratória. Se não pagaram nada, vão sentir um aumento da prestação. Porquê? Porque os juros que não estiveram a pagar durante estes meses vão passar a ser capital em dívida. As regras determinaram que as famílias podiam suspender o pagamento das suas prestações e beneficiar de uns meses sem esta pressão, mas os juros que não foram pagos passariam a representar capital em dívida. O que significa que os clientes nestas situações vão pagar juros sobre juros.

Ou seja, se ao longo de 12 meses não pagou, imagine, 1.500 euros em juros, este valor vai ser acrescentado ao seu capital em dívida. E será pago ao longo do tempo do contrato que ainda lhe falta. Além disso, o prazo do contrato será prolongado pelo tempo que esteve suspenso. Na verdade, é como se o tempo tivesse sido congelado. Se quando a moratória foi acionada lhe faltavam 250 meses para terminar o contrato, quando chegar ao fim da moratória continuam a faltar-lhe os mesmos 250 meses.

Perceba melhor qual será a evolução da sua prestação ao ler o artigo Quanto vou ficar a pagar no fim da moratória do crédito habitação?, que preparámos para explicar qual o impacto do fim da moratória para os diferentes casos.

Estas são as consequências para quem acionou a moratória. Não haverá outra alteração.

Já os bancos adiaram o recebimento de receitas através do pagamento de prestações, mas não tiveram de refletir nos seus resultados financeiros o potencial incumprimento dos clientes que ficaram sob a moratória. E, se por um lado, viram adiada a entrada desta receita, por outro, vão agora começar a receber um pouco mais, uma vez que os juros que passam a capital em dívida vão, também eles, pagar juros.

Mas esta ausência de outras consequências só é possível porque a EBA deu o seu aval. Estarmos inseridos na União Europeia e na Zona Euro traz-nos muitos benefícios. Mas também algumas limitações. Assim, se as moratórias forem concedidas sem este aval da EBA a história já é outra. Nestas situações, os bancos podem ter de assumir nos seus resultados financeiros o possível incumprimento destes clientes. Agora multiplique isto por milhares de clientes e tente imaginar o impacto que pode ter nos bancos.

Esta seria uma bola de neve que, no limite, poderia significar um congelamento do financiamento da economia. Ninguém quer isto.

É por todo este contexto que lhe digo que ninguém quer assistir a um incumprimento generalizado e que tem opções. Agora, uma coisa é certa. Não espere soluções mágicas. Porque estas não existem. E também não espere que alguém encontre a solução para o seu problema.

Vire o tabuleiro do jogo

Acha que neste momento está a perder o jogo? Então, vire o tabuleiro. Como? Antecipe-se. E não se esqueça que o leque de soluções possíveis para cada caso vai depender de cada situação. Se entrar em incumprimento não poderá, por exemplo, transferir os seus créditos para outras instituições e o seu poder de negociação para com as instituições de crédito com as quais tem contratos fica fragilizada.

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Mas há outra questão que deve ter em atenção: os bancos são, atualmente, obrigados e tentar encontrar soluções para cada caso. Os consumidores estão hoje mais protegidos do que, por exemplo, na crise financeira de 2011.

Posto isto, arregace as mangas e encontre a solução indicada para a sua situação.

E o que pode fazer? Bem, comece por falar com o seu banco, exponha o seu caso e tente renegociar. Tem várias possibilidades, reveja as condições do seu contrato, seja em termos de taxa de juro, seja de produtos associados (quanto paga de seguros? que seguros tem?). Questione o seu banco sobre a possibilidade de alargar o prazo do contrato. Se estas alterações não forem suficientes, avalie cenários mais extremos:

1 - Questione sobre a possibilidade de gozar de uns meses de carência de capital, ou seja, não amortizar dívida durante alguns meses pagando apenas juros. Na verdade, é idêntico a uma das opções das moratórias que estão a chegar ao fim, mas, neste caso, é uma solução feita à sua medida.

2 - Uma outra possibilidade é questionar o banco se é possível fazer um diferimento de capital. O que implica que deixa para a última prestação uma parcela significativa do seu crédito, mas alivia o encargo atual.

Deixe-me apenas dizer-lhe que todas estas soluções são apenas possibilidades que pode ter em conta. Mas terão sempre, mas sempre, de ter o acordo do seu banco. Se a instituição considerar que estas soluções não são viáveis porque não tem efetivamente meios para cumprir com os pagamentos, não é obrigada a prosseguir com elas.

Como já referi anteriormente, os bancos estão do seu lado, não se esqueça disso. Por um lado não lhes interessa ter clientes em incumprimento, por outro, estão obrigados a encontrar soluções.

Ainda assim, se o contacto ou as soluções não lhe parecerem suficientes, explore alternativas, avalie a possibilidade de transferir os seus créditos para outras instituições, analise a possibilidade de consolidar créditos (o que não é mais do que juntar vários financiamentos num só) e verifique se os produtos associados, como os seguros, não podem ser feitos por outra entidade, de forma a reduzir custos. Volto aqui a alertar que estas alternativas só estão disponíveis se não tiver entrado em incumprimento, caso contrário não o poderá fazer e terá de encontrar a solução junto da instituição de crédito com a qual tem o empréstimo. Daí a importância de se antecipar.

E se não sabe como fazer tudo isto, procure ajuda! Não precisa de se sentir envergonhado por assumir que está numa situação mais complicada. O importante é que não a complique de forma incontornável.

Não se esqueça que o poder negocial aumenta quando temos mais do que uma saída possível. As instituições de crédito continuam a financiar as famílias e as empresas, os empréstimos para a compra de casa, por exemplo, estão em níveis pré-pandemia. Por isso, os bancos estão recetivos a emprestar dinheiro. Use isso em seu proveito!

Rui Bairrada começou a sua vida profissional em 1995 como estafeta no Deutsche Bank. Nos anos seguintes assumiu responsabilidades em diferentes áreas comerciais até sair, 12 anos depois, deixando a função de Partnership Banking Coordinator, para criar o seu próprio negócio em finanças pessoais. Nos anos que se seguiram foi Managing Partner da Personal Finance, Diretor Geral da Dignus Capital e Board Member da Reorganiza, até fundar, em 2014, o Doutor Finanças, com o objetivo de ajudar os portugueses a tomar melhores decisões financeiras para as suas vidas. Atualmente, Rui Bairrada é CEO do Doutor Finanças. Em 2023 contou a sua história de vida no livro “De Estafeta a CEO: as decisões que constroem uma liderança”.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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