Homem segura num balão de fala feito de papel, enquanto posa com uma careta pensativa

Neste segundo tomo de ditados sobre riqueza, começamos por listar uma série de considerações que o nosso estimado conselheiro Rodrigues de Bastos publicou na sua Collecção de Pensamentos, Máximas e Provérbios. Mais uma vez, muitos destes ditos não se encontram em mais nenhum lado; serão, por isso, pensamentos do autor, imaginados à laia de provérbio popular, embora, por vezes, um bocadinho mais complexos do que o costume. Eis um exemplo, tremendamente elaborado, que dificilmente não terá saído da cabeça do conselheiro:

«Os poderosos e os ricos devem ser para os pequenos e para os pobres, como as serras e as montanhas, que dão abrigo aos vales, e os fertilizam com as águas que lhes enviam em sua opulência majestosa.»

Coisas aplicáveis ao aqui e agora

Talvez não estivesse num dia particularmente inspirado quando compôs tal frase. É que o conselheiro, quando apelava ao poder de síntese, era capaz de forjar máximas que ainda hoje se poderiam aplicar.

Coisas profundas, quase filosóficas, como este «Não se juntam riquezas senão com custo, não se possuem senão com inquietação, não se deixam senão com pesar».

Coisas que talvez tenham algum fundamento, como este «É mui raro que alguém se faça repentinamente rico, sem ofender a justiça».

Coisas ainda que se continua a pensar, embora por outras palavras, como este «Ser rico é uma qualidade feliz; mas poucos ricos são felizes».

A Rodrigues de Bastos não faltava dicas sobre como usar a riqueza. «A maior vantagem da riqueza, é fornecer matéria à beneficência», considerava. Até porque, na crença religiosa, «As nossas riquezas não passam deste para o outro mundo, senão levadas pela mão dos pobres». Assim, segundo esta visão, quem fizesse a caridade, teria merecido prémio: «Os ricos devem ser neste mundo os bem-feitores dos pobres; e os pobres no outro os bem-feitores dos ricos.»

Leia ainda: Uma riqueza infindável de provérbios – vol.I

Há quase 200 anos já havia literacia financeira?

Mas como isto de acreditar no Além implica questões de fé, talvez seja preferível tentar encontrar provérbios mais ligados à… economia. Ou será que até podemos encaixar alguns dos seguintes conselhos no conceito de literacia financeira?

«É rico aquele que recebe mais do que despende: é pobre aquele, cuja despesa excede a receita»»

«Quem não sabe ou não pôde acumular, nunca chega a ser sábio nem rico.»

Se quiserdes fazer alguém rico, não lhe aumenteis as riquezas; diminuí-lhe os apetites.»

Relembremos que isto são frases inscritas num livro de 1847. O mesmo que, noutras entradas, não parece encarar os ricos com bons olhos. «Não é tão exato o dizer-se que os ricos possuem as riquezas, como que são possuídos por elas», diz-se numa página. «Nada há mais difícil de encontrar no mundo, que um rico digno de o ser», estipula-se noutra.

Eleve-se o Conselheiro a consultor do governo

A riqueza, em si mesma, também colhe má fama, conforme se conclui dos seguintes pensamentos:

«Cresce a paixão das riquezas, à medida que as riquezas crescem».

«A sede das riquezas, satisfazendo-se, irrita-se.»

«As riquezas matam mais pessoas, que a pobreza.»

Excessivo? O conselheiro até poderia ser convidado para consultor de um governo. Ei-lo a falar ao primeiro-ministro. «Que é necessário da parte dos governos para que cresça a riqueza dos Estados? Muito pouco; tudo se reduz a estas duas cousas: segurança e liberdade.» E agora, ei-lo a entrar no gabinete do ministro das Finanças. «Poucas riquezas bem dirigidas valem mais que muitas mal administradas.»

Por falar em mal administração, aquando do primeiro tomo de provérbios sobre riqueza, não se chegaram a utilizar umas quantas entradas provenientes de outras fontes. Perante tal facto, o conselheiro é bem capaz de nos achar perdulários. Mas o problema é que tínhamos a mais. Era uma verdadeira fortuna em provérbios, conselheiro! Pois sim, responde ele. «O rico fatiga-se tanto para dissipar, como o pobre para se sustentar.»

Leia ainda: Nos provérbios, a pobreza é uma fartura (parte I)

Venha a riqueza, evite-se a soberba

Fechemos então o capítulo com algumas réstias do tomo anterior, que nos colocam no devido lugar.

«Boa é a fazenda [riqueza], quando não sobe à cabeça», já referia António Delicado, em 1651, no seu Adágios Portugueses reduzidos a Lugares Comuns.

«Não te exaltes com a riqueza, nem te abaixes com a pobreza», avisava-se na Collecção de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Lingoa Portugueza (1848), de Paulo Perestrello da Câmara.

«De rico a soberbo, não há palmo inteiro», considerava-se no Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios (1936), do Major Hespanha.

«Quem por cobiça veio a ser rico, corre mais perigo», apontou Francisco Roland, no seu volume de 1841.

Enfim, para evitar a soberba, e não corrermos perigos desnecessários, fiquemos por aqui. Com muito ainda por relatar, realce-se. Mas talvez o já dito compense o que faltar. E possamos sair deste texto, quiçá com a anuência do conselheiro Rodrigues de Bastos, de «Bolsa cheia, coração alegre», preparados para «passar a vida em bonança [prosperamente]». Se não em rios de dinheiro, pelo menos em montanhas de anexins sobre riqueza.

Leia ainda: Nos provérbios, a pobreza é uma fartura (parte II)

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

Cultura e LazerVida e família