Cultura e Lazer

Nos provérbios, a pobreza é uma fartura (parte II)

Poderíamos definir “pobreza” como o mal da escassez. Mas quando toca aos provérbios, o tema é tratado com abundância.

Perante a situação de penúria, o povo também procurou encontrar fatores que explicassem como se chegou ao estado de pobre. Uma delas passou por associar a pobreza ao azar. É que, por muito que se faça, «a quem nasceu para ser pobre, o ouro se torna em cobre». Remar contra a maré para quê, se «ao pobre até os cães ladram»? Mais vale aceitar o destino.

Respeitar a pobreza, diz o conselheiro

Nisto de nos acomodarmos à sorte da vida, ou mais propriamente aos azares, ninguém supera a quantidade de ditos recolhidos pelo conselheiro Rodrigues de Bastos. Do seu livro de 1847, merecem destaque as máximas sobre as atitudes a ter perante as condições da riqueza e da pobreza: «Sê rico sem orgulho, pobre sem abatimento», pois «Quem não sabe ser pobre, não saberia ser rico», além de que «O menos pobre dos homens, é o que menos deseja». Querem abordagens ainda mais líricas? Que tal «A pobreza não é virtude, mas é virtude o saber suportá-la»? Calma, que talvez haja ainda melhor: «A pobreza não tem bagagem; por isso marcha livre e escoteira na viagem da vida.» Segue-se uma receita para o progresso do nosso país: «Quando o pobre não respeita a riqueza, nem o ignorante a ciência, nem o súbdito a autoridade, está perdida a sociedade.» Caramba, senhor conselheiro, até dá vontade de experimentar a pobreza e fazer a nossa parte para salvar o mundo!

Francisco Roland, em 1841, também compilara alguns anexins que indiciavam visões semelhantes, embora um bocadinho menos pontiagudas. Ali, «Não é pobre o que tem pouco, se não o que cobiça muito». Contenção nos desejos, portanto; e realismo quanto baste: «És pobre, não tenhas gosto.»

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Miserável, roto, sem eira…

Pois é, nisto de pobreza, o povo defende que, às vezes, mais vale pensar no mal menor. «Antes dinheiro de cobre do que luxo de pobre», listam os dicionários modernos, que também resguardaram o dito «Antes filho de pobre que escravo de rico».            Em 1848, a Collecçao de Provérbios, Adágios, Rifãos, Anexins, Sentenças Morais e Idiotismos da Lingoa Portugueza, de Paulo Perrestrello da Camara, inclui o provérbio de fidalgo «Antes roto que esfarrapado». Não faltam expressões curiosas para dar conta de quem não tem um tostão furado. Saiba-se que «Achar-se em quarto minguante a respeito de cobres» é o mesmo que «estar a tinir, com os alforges dobrados, com as algibeiras vazias, encalhado em seco, pobre como rato, etc.», segundo o mesmo dicionário de 1848. E eis mais formas de nos referirmos a alguém que seja «pobre como Lázaro»:

«Baldo ao naipe» (que não tem carta do naipe em que se joga; sem vintém)

«Com um trapo atrás, outro adiante» (roto, miserável)

«Com uma das mãos adiante e outra atrás»

«Não tem eira, nem beira, nem ramo de figueira»

«Não tem onde caia morto» (nada possui)

«O testamento do pobre, na unha se escreve»

Sobre a expressão «Sem ter onde cair morto», a edição do Reader’s Digest de Provérbios, locuções e ditos curiosos elucida que é a condição de estar na maior miséria, no mais absoluto estado de pobreza, pondo ainda um acrescento ao dito de não ter eira (terreno): «Sem eira, nem beira. Sem cama, nem esteira.»

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Um alerta sobre finanças pessoais

No mundo contemporâneo, ainda demasiadas vezes, a pobreza continua associada à fome. A sabedoria popular nunca o esqueceu, contestando a ideia do “pobrete, mas alegrete” com verdades mais cruas. «Com a barriga vazia, ninguém sente alegria», diz-se. E o livro de Francisco Roland relembra o quão difícil pode ser arranjar sustento: «O homem pobre a dobrado custo come.» Em casa de miséria, coitados dos humanos e dos seus bichos, pois «a quem não sobeja pão não sustenta cão». E, se um «burro com fome, cardos come», pois que «um homem sem dinheiro é um lobo sem dentes».

A crer nos provérbios, quando alguém cai na indigência, fica o destino traçado: tornar-se um pária. Nem familiares nem amigos lhe valem. Por um lado, «do indigente, ninguém se dá por parente»; por outro, «bolsa vazia afugenta amigos». E quando um benfeitor se aproximar do caído em desgraça? «O pobre desconfia da esmola que é grande demais.»

Se começámos com os ditos recolhidos por José Joaquim Rodrigues de Bastos, talvez devamos acabar com mais uma pérola do seu livro. Já sabemos que dali, dado o desconto aos exageros, às extrapolações, às ideologias inerentes a certos ditos no dicionário do Conselheiro, costuma vir algo de original. Eis um que poderia assentar numa formação sobre finanças pessoais: «É pobre aquele cuja despesa excede a sua receita.» Parece um belo mote para o nosso final. Já agora, e que tal aproveitarmos o embalo para irmos atualizar a folha de cálculo dos nossos rendimentos e gastos, hum?

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Paulo M. Morais cresceu a jogar futebol de rua e a ouvir provérbios ditos pelas avós. Licenciou-se em Comunicação Social e especializou-se nas áreas do cinema, dos videojogos e da gastronomia. É autor de romances e livros de não ficção. Coleciona jogos de tabuleiro e continua a ver muitos filmes. Gosta de cozinhar, olhar o mar, ler.

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