Nas últimas semanas, o Governo tem vindo a anunciar a intenção de reduzir a taxa de IVA aplicável à construção habitacional para 6%, medida que, a concretizar‑se, poderá alterar de forma profunda a economia dos projetos imobiliários e, em última análise e desejavelmente, descer o preço das casas no mercado e aumentar a oferta. Fontes governamentais apontam para que a entrada em vigor desta medida deverá ocorrer até ao primeiro trimestre de 2026.

Contudo, apesar da projeção mediática, até à presente data não existe qualquer diploma legal aprovado ou publicado que permita aplicar a nova taxa. O regime atualmente em vigor continua a ser o constante do Código do IVA (CIVA), cujo 18.º, n.º 1, alínea a) para serviços constantes da Lista I anexa ao CIVA fixa a taxa normal em 23%. A taxa reduzida de 6% só é admissível nos casos previstos de forma taxativa na Lista I do CIVA. Todas as restantes operações devem continuar a ser tributadas à taxa normal, sob pena de correções fiscais significativas.

O regime aplicável hoje

Até à publicação de nova lei, a taxa geral aplicável a obras de construção é de 23% e apenas beneficiam de IVA a 6% as situações expressamente previstas na Lista I, nomeadamente algumas empreitadas enquadradas em regimes especiais de reabilitação urbana e determinadas obras destinadas a habitação própria permanente, desde que cumpridos todos os requisitos específicos. O recente Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal Administrativo reforçou que, mesmo em áreas classificadas como ARU, a taxa reduzida só pode ser aplicada quando o imóvel se encontre incluído numa Operação de Reabilitação Urbana (ORU) formalmente aprovada, entendimento que exclui grande parte das obras até aqui tributadas a 6%. Assim, o quadro jurídico atualmente aplicável é mais restritivo do que aquele que muitos agentes do setor julgavam existir, vendo-se neste momento a braços com uma possível contingência com a qual não contavam.

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A proposta de redução para 6%: O que se sabe

A informação tornada pública aponta no sentido de que a taxa reduzida venha a abranger obras de construção nova para fins habitacionais, intervenções de reabilitação e reconstrução, projetos desenvolvidos por promotores privados, cooperativas e eventualmente operações orientadas para o mercado de arrendamento permanente. No entanto, esta intenção necessita de aprovação formal, alterando o CIVA e definindo com precisão: (i) quem pode beneficiar; (ii) que obras são abrangidas; (iii) quais as exclusões aplicáveis; e (iv) se existirá ou não um regime transitório. A medida terá ainda de ser publicada em Diário da República e, por envolver uma taxa reduzida em matéria sensível, poderá ter de ser notificada à Comissão Europeia nos termos da Diretiva IVA.

Os efeitos esperados da futura medida

A confirmar‑se a anunciada descida, o impacto económico será significativo. Uma diferença de 17 pontos percentuais entre 23% e 6% representa, numa empreitada de 1.000.000 euros, uma poupança imediata de 170.000 euros, com reflexos diretos no custo final da construção, na viabilidade financeira dos projetos e, afinal e desejavelmente, no preço fixado ao consumidor final. O setor espera, por isso, um estímulo importante que poderá permitir a retoma de obras suspensas ou adiadas, reforçar o investimento em reabilitação e contribuir para aumentar a oferta habitacional.

Riscos enquanto a medida não entra em vigor

Enquanto não houver a anunciada alteração legislativa, qualquer aplicação da taxa reduzida é ilegal. Os contribuintes que apliquem 6% antecipadamente arriscam liquidações adicionais, juros compensatórios e coimas, podendo ser responsabilizados retroativamente pelos últimos quatro anos. A Autoridade Tributária, respaldada pelo teor do Acórdão de Uniformização do Supremo Tribunal Administrativo acima referido, passou a ter margem acrescida para reavaliar empreitadas que foram tributadas a 6% com base em interpretações mais amplas anteriores ao referido acórdão. Além disso, a ausência de um regime transitório tem levado muitos promotores a adiar decisões e suspender a execução de projetos, criando tensões de liquidez e impacto significativo no calendário das obras.

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O que devem fazer promotores, empreiteiros e clientes finais

Nesta fase, a única orientação juridicamente segura é a aplicação estrita da legislação em vigor. Qualquer contrato, orçamento ou fatura deve refletir a taxa normal de 23%, salvo os casos em que exista enquadramento claro na Lista I. É igualmente recomendável que os contratos atualmente em negociação incluam cláusulas de ajustamento automático caso venha a ser publicada a nova taxa, evitando litígios futuros entre donos de obra e empreiteiros quanto à repartição do benefício fiscal. A revisão de planos financeiros é também aconselhável, devendo ser ponderado que a entrada em vigor poderá não coincidir com o início das empreitadas.

Caminho legislativo previsível e o calendário esperado para a implementação da redução de taxa para 6%

A adoção da nova taxa terá necessariamente de passar por: (i) proposta do Governo; (ii) aprovação parlamentar e ratificação pelo Presidente; (iii) publicação em Diário da República; e (iv) definição da data de entrada em vigor. Só após estas etapas é possível aplicar legalmente a taxa reduzida. Qualquer aplicação antes da publicação constitui infração fiscal. O Governo tem anunciado a intenção de concretizar a medida até ao primeiro trimestre de 2026, mas essa previsão não tem força vinculativa.

Conclusão

A redução para 6% na construção habitacional poderá representar uma mudança relevante na política de habitação e num incremento da disponibilidade de casas no mercado com preços mais baixos, mas não está ainda em vigor. O regime aplicável continua a ser o previsto no CIVA, reforçado pela jurisprudência recente. Até existir diploma aprovado e publicado, os contribuintes devem manter a aplicação da taxa de 23%. A prudência é essencial para evitar riscos fiscais, garantindo segurança jurídica enquanto se aguarda pela definição legislativa final.

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A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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