“Mais Habitação”, menos alojamento, menos arrendamento… ainda que forçado

O "Mais Habitação" trouxe várias mudanças relativas ao arrendamento e ao alojamento local. Analisemos as principais.

Com a entrada em vigor do controverso pacote Mais Habitação no passado dia 7 de outubro, entre outras matérias, foram introduzidas alterações muito relevantes aos regimes legais dos Arrendamentos, “Arrendamentos Forçados” e também na atividade de exploração de Alojamento Local. Se, por um lado, as novas regras aplicáveis aos arrendamentos tendem a proteger mais os inquilinos e a promover relações de arrendamento mais estáveis e duradouras, por outro, as alterações ao regime do Alojamento Local vieram defraudar um pouco os proprietários daqueles espaços.

Arrendamentos

Quanto às alterações introduzidas no regime do arrendamento, salienta-se a imposição de um limite máximo nos valores de renda a cobrar, em novos contratos de arrendamento que tenham por objeto imóveis que tenham estado anteriormente arrendados. Um senhorio que tenha um imóvel que tenha estado arrendado nos cinco anos anteriores à celebração do novo contrato, não pode estabelecer uma renda que exceda em mais de 2% o valor da última renda praticada. Este limite, no entanto, poderá não ser respeitado sempre que se trate de contratos que não excedam os limites de renda por tipologia previstos no “Programa Renda Acessível”. Ainda a este respeito, a nova legislação instituiu também que, no caso de os contratos anteriores não terem sido objeto de uma ou mais atualizações de rendas, poderá nesses casos o senhorio aplicar uma renda ao novo contrato que considere os coeficientes anuais de atualização dos último três anos. Sem prejuízo deste regime antes referido, e também para novos contratos, na eventualidade do imóvel arrendado ter sido, entretanto, objeto de obras de remodelação profundas, e desde que as mesmas sejam atestadas pelo município, ao valor da renda inicial pode acrescer o valor relativo aos custos e despesas suportadas pelo Senhorio até ao limite anual de 15%.

Importante também neste novo regime é o facto de, a troco de algumas benesses fiscais para os senhorios, se estabelecer a proibição de transição dos contratos de arrendamento celebrados antes de 1990 para o NRAU sempre que os arrendatários (i) demonstrem tenham mais de 65 anos ou (ii) tenham uma deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60% ou ainda (iii) quando o arrendatário invoque e comprove ter que o RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) do seu agregado é inferior a 5 vezes o RMNA (Rendimento Mínimo Nacional Anual). Nestes casos, e face a esta proibição de transição do arrendamento para o NRAU, os arrendamentos permanecerão vinculísticos, ou seja, sem possibilidade de oposição à renovação por parte dos senhorios ainda que estes possam proceder à atualização das rendas, através da aplicação dos coeficientes de atualização legalmente previstos.

Importante, sem dúvida, quer para senhorios, quer para arrendatários, as soluções adotadas com vista a agilizar os procedimentos de despejo e de injunção em questões referentes ao arrendamento. É criado um procedimento de injunção em matéria de arrendamento num único balcão do Arrendatário e Senhorio, que prevê soluções eficientes para notificação a inquilinos que se encontrem em mora, os quais poderão remediar o incumprimento dentro do prazo que lhes é conferido para apresentação de oposição.

Por fim, o Pacote “Mais Habitação” veio estabelecer novidades quanto aos rendimentos prediais destinados a habitação, verificando-se na generalidade dos contratos uma redução dos anteriores 28% para 25% de tributação autónoma. Acresce ainda que, tratando-se de arrendamentos habitacionais celebrados com uma duração igual ou superior a 5 anos e inferior a 10 essa taxa é reduzida para 15%, quando tenham duração igual ou superior a 10 anos e inferior a 20 anos, a taxa será de 10% e, finalmente, para contratos com duração igual ou superior a 20 anos, a taxa será 5%.

Leia ainda: Rendas: Quais os limites para os novos contratos?

Arrendamento Forçado

O pacote “Mais Habitação” veio também introduzir alterações no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação no que ao dever de utilização diz respeito, estabelecendo que, nos casos em que uma habitação (prédio ou fração autónoma), quando localizada fora dos territórios do interior, se encontre devoluta há mais de dois anos, poderá o município onde a(s) mesma(s) se encontre(m), promover o seu arrendamento forçado. Este mecanismo tem como pressuposto uma notificação prévia por parte da Câmara Municipal competente ao proprietário para fazer obras de conservação ou para dar utilização ao imóvel.

Este regime de aplicação “excecional e supletiva”, não é de cumprimento obrigatório pelos municípios.

Destaca-se ainda a faculdade da Câmara Municipal poder, “oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, determinar a fiscalização sobre as condições de utilização do imóvel.”

Apesar do enorme ruído que esta medida gerou, a verdade é que a mesma se adivinha estéril face à posição já assumida pela grande maioria das câmaras municipais onde se verifica maior pressão habitacional de não pretenderem implementar esta solução.

Leia ainda: Mais Habitação: Um guia das principais medidas

Alojamento Local

O regime do Alojamento Local sofreu alterações estruturais que acabam alterando as regras e o regime que levou tantas famílias a direcionarem as suas poupanças para este tipo de investimento. As alterações mais importantes referem-se ao regime do Registo de Frações Autónomas, da Transmissibilidade das Licenças; da Validade, Duração, Renovação e Cancelamento dos Registos; das Limitações de funcionamento em frações de prédios constituídos em Propriedade Horizontal e, finalmente, em matéria fiscal, onde foi estabelecida uma contribuição extraordinária (CEAL) ao mesmo tempo que se prevê a atribuição de benesses fiscais aos proprietários que optem por transferir para o mercado de arrendamento habitacional imóveis que têm estado sob exploração de Alojamento Local.

Com a entrada em vigor do Pacote “Mais Habitação” ficam suspensos novos registos de estabelecimentos de alojamento local nas modalidades de apartamentos e estabelecimentos de hospedagem em frações autónomas com exceção dos que se localizem em territórios do interior. Sem prejuízo desta regra, podem os municípios adotar políticas locais diferentes que, de algum modo, poderão mitigar esta suspensão.

Os novos registos passam a ter uma validade de 5 anos, renováveis por iguais períodos condicionada essa renovação a uma decisão expressa da Câmara Municipal competente. Quanto aos registos existentes, em regra, manter-se-ão os mesmos válidos até ao ano 2030, devendo ser reapreciados nesse ano. Destes, os que venham a ser objeto de renovação, a mesma será autorizada por períodos renováveis de 5 anos também. Há que ter em atenção que, não obstante a previsão da reapreciação em 2030, os titulares dos registos existentes têm um prazo máximo de 2 meses contados da entrada em vigor desta lei, ou seja, até ao dia 6 de dezembro de 2023 para fazer prova da manutenção da atividade de exploração sob pena de, não o fazendo, o seu registo ser cancelado. Esta prova faz-se mediante a apresentação de declaração contributiva. Excluem-se, no entanto desta obrigação os estabelecimentos de Alojamento Local instalados em habitação própria e permanente em que a exploração tenha uma duração igual ou inferior a 120 dias por ano.

Nos termos das alterações resultantes deste pacote legislativo, o número do registo do estabelecimento de alojamento local passou a ser pessoal e intransmissível em todas as modalidades, mesmo nos casos em que o título do registo esteja em nome de uma sociedade. O registo caduca por transmissão de qualquer parte do capital social da pessoa coletiva titular do registo, independentemente da percentagem transmitida. A única forma agora permitida de transmissão do registo é por via sucessória.

Outra alteração substancial no regime de AL instalado em frações autónomas prende-se com a preponderância que o condomínio ganha. Com a entrada em vigor da nova lei, o registo de estabelecimentos de AL instalados em frações autónomas destinadas a habitação passa a ficar condicionado a uma deliberação unanime do condomínio. Por outro lado, e também com enorme impacto e de consequências imprevisíveis a nova regra que vem prever que a assembleia de condóminos de um prédio pode, através do voto favorável de 2/3 da permilagem do prédio, opor-se ao exercício de exploração de AL numa fração ou numa parte independente do prédio, a menos que tenha havido uma deliberação expressa anterior em sentido contrário ou que o próprio título constitutivo da propriedade horizontal preveja o destino da fração à exploração de AL.

Por fim, qual cereja no topo do bolo da discórdia, é criada uma Contribuição Especial sobre o Alojamento Local (CEAL) sobre os apartamentos e estabelecimentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício em alojamento local, estando isentos desta contribuição extraordinária os imóveis habitacionais que não constituam frações autónomas, nem partes ou divisões suscetíveis de utilização dependente, nem as unidades de alojamento local em habitação própria e permanente, desde que a exploração não ultrapasse 120 dias por ano. Ficam também excluídos da CEAL os imóveis localizados nos territórios do interior e os imóveis localizados em freguesias que, não estando em áreas de pressão urbanística, se encontrem em municípios com equilíbrio de oferta habitacional e de alojamento estudantil.

Serão sujeitos passivos desta contribuição as entidades que sejam titulares de exploração dos estabelecimentos de alojamento local, devendo a liquidação da contribuição ter lugar até ao dia 20 de junho do ano seguinte ao facto tributário. A taxa da CEAL é de 15% calculado sobre um valor presumido do imóvel que tem por referência o valor/metro quadrado e o rendimento médio anual, por quarto, a nível nacional, sujeito a ajuste consoante a localização do imóvel.

Sabia que… para efeitos de cálculo de mais valias imobiliárias apenas poderão ser consideradas as obras que se destinam à manutenção ou beneficiação do imóvel vendido que tenham sido realizadas nos últimos 12 anos e que estejam devidamente documentadas com fatura emitida em nome do proprietário (artigo 51.º n.º 1 a) do Código do IRS).

Leia ainda: Alojamento Local com novas regras. O que vai mudar?

Miguel Ramos Ascensão, Of Counsel na Antas da Cunha ECIJA & Associados SP RL., com mais de 20 anos de experiência na área Imobiliária onde foi reconhecido, em 2015, pela WWL como um dos advogados de referência em Portugal no direito Imobiliário e na assessoria em transações imobiliárias.

A informação que consta no artigo não é vinculativa e não invalida a leitura integral de documentos que suportem a matéria em causa.

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