O Banco Central Europeu (BCE) cumpriu as expectativas na reunião de 24 de julho, mantendo a política monetária depois de oito cortes de 25 pontos base que baixaram a taxa dos depósitos de máximos históricos (4%) para 2% em cerca de um ano. Mas acabou por surpreender, ao sinalizar que só uma alteração significativa de expectativas para a inflação e atividade económica justificam cortes adicionais de juros.

Christine Lagarde e os responsáveis do Conselho do BCE têm transmitido uma mensagem clara de que a fasquia está agora mais elevada para que o banco central equacione prosseguir com o alívio da política monetária. Uma postura que surpreendeu o mercado, pois as perspetivas apontavam para pelo menos mais uma descida de juros até ao final do ano, provavelmente já em setembro.

Os investidores estão agora mais céticos com a possibilidade de cortes adicionais de juros, atribuindo uma probabilidade inferior a 50% a uma descida até ao final do ano. A negociação no mercado de futuros de taxas de juro tem implícita uma redução de 12 pontos base na taxa dos depósitos do BCE até ao final do ano, enquanto antes da última reunião do BCE estava a ser descontada uma descida de 26 pontos base.

Analistas e economistas mostram-se divididos sobre os próximos passos do BCE, com as previsões a oscilarem entre dois cortes e manutenção de juros até final do ano. A taxa atual de 2% é vista como neutral para a atividade económica, um patamar que o BCE considera ideal para não colocar em causa a inversão da tendência de alívio da inflação, bem como o crescimento da economia.  

Contudo, as perspetivas mudam rapidamente e o BCE pode ser obrigado a mudar de discurso nos próximos meses, reabrindo o caminho para colocar os juros num nível que contribua para impulsionar a atividade económica. São vários os desenvolvimentos que suportam esta potencial mudança de narrativa do banco central, sendo que cinco estão detalhados em baixo:

Acordo comercial com EUA alivia pressão na inflação

O acordo comercial celebrado entre os Estados Unidos e a União Europeia representa um incentivo de peso para o BCE voltar a descer os juros. Além da maior previsibilidade sobre a política tarifária norte-americana, fica afastado o cenário de guerra comercial transatlântica, que representava a maior ameaça à inflação da Zona Euro. Sem acordo, a Comissão Europeia iria retaliar com taxas alfandegárias aos produtos importados dos Estados Unidos, o que iria exercer uma pressão em alta nos preços a pagar pelos consumidores europeus. Por outro lado, as tarifas de 15% sobre os produtos exportados da União Europeia para os Estados Unidos vão exercer uma pressão negativa na atividade económica, o que também alivia as perspetivas para a inflação. 

Economia da Zona Euro continua fraca

O PIB da Zona Euro cresceu 0,1% no segundo trimestre face aos três meses anteriores, superando as expectativas que apontavam para uma estagnação. Contudo, este resultado traduz uma travagem forte face à evolução do primeiro trimestre (0,6%), indiciando uma trajetória desfavorável para a economia europeia num período em que o impacto das tarifas de Trump vai ser mais intenso do que o registado entre abril e junho. Acresce que o PIB da Alemanha e de Itália contraíram no segundo trimestre (-0,1%), evidenciando o estado débil da economia da Zona Euro. Esta evolução fraca, apesar da descida de juros do BCE, indicia pressões inflacionistas reduzidas através da atividade económica. Vários responsáveis do banco central têm alertado que uma travagem forte da economia pode fazer regressar o perigo de a inflação afastar-se demasiado da meta dos 2%, impelindo o BCE a continuar a aliviar a política monetária.

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Inflação na meta do BCE

O BCE ainda não pode declarar vitória na missão de controlar a inflação, mas julho foi já o terceiro mês seguido em que o indicador não supera a meta dos 2%. Apesar de o valor do mês passado ter ficado acima das estimativas dos economistas (1,9%), a tendência na evolução dos preços da Zona Euro é benigna e são pouco expressivos os riscos que possam colocar em causa a narrativa de que inflação nos países que partilham o euro está controlada. Nas maiores economias do euro (Alemanha, França e Itália) a inflação está já abaixo de 2% de forma consistente e o indicador subjacente, que exclui alimentos e energia, também está estabilizado pouco acima dos 2%. A evolução dos preços dos serviços, que tem preocupado o BCE nos últimos meses, desceu em julho para 3,1%, um mínimo desde o início de 2022. É compreensível que o BCE se mantenha em estado de alerta sobre a inflação, mas se a evolução persistir com tendência de alívio, o banco central tem margem para recolocar os cortes de juros na agenda se a atividade económica continuar fraca.

Salários abrandam

O medo de forte subida dos salários foi um dos fatores que mais atrasou o ciclo de descida de juros que o BCE efetuou desde meados do ano passado. A autoridade monetária temia que o aumento acentuado dos rendimentos das famílias induzisse um crescimento mais célere do consumo, o que se iria refletir nos preços dos produtos e serviços e na inflação. Contudo, os dados mostram que os salários estão a subir a um ritmo bem mais moderado em 2025 e as perspetivas apontam para uma travagem significativa no arranque do próximo ano. O indicador salarial calculado pelo BCE, que foi publicado na semana passada, aponta para um crescimento anual das remunerações de 1,7% no primeiro trimestre de 2026, bem abaixo do pico registado no quarto trimestre de 2024 (5,2%) e do previsto para o terceiro trimestre deste ano (2,3%).     

Euro forte alivia inflação e penaliza economia

Apesar da campanha de descida de juros implementada pelo BCE, ao mesmo tempo que a Fed não mexeu nos juros, o euro registou entre janeiro e junho um dos melhores semestres de sempre. Valorizou 13% face ao dólar e, apesar da correção sofrida em julho, mantém um ganho de dois dígitos desde o início do ano. Os responsáveis do BCE têm demonstrado um desconforto crescente com a força do euro e, embora o banco central não o admita oficialmente, a evolução do mercado cambial pode reforçar os argumentos para novas descidas de juros. A valorização do euro torna os preços dos produtos importados mais baratos, o que alivia a pressão na inflação. Por outro lado, torna as exportações europeias menos competitivas, o que representa uma “dor de cabeça” para as empresas e penaliza a atividade económica.

Cenários em aberto

Estes cinco argumentos detalhados em cima podem abrir caminho para o BCE voltar a descer os juros, mas também há um conjunto de desenvolvimentos que podem incentivar o banco central a deixar os juros estáveis por um período longo: 1) A economia da Zona Euro pode ganhar tração à boleia dos estímulos orçamentais da Alemanha 2) a inflação pode retomar a trajetória de alta e fixar-se acima dos 2% 3) o dólar pode reconquistar a força perdida nos últimos meses devido à redução da incerteza com as políticas de Trump.

São incógnitas que vão moldar as próximas decisões do BCE, mas nesta altura não são expectáveis movimentações acentuadas nas taxas de juro da Zona Euro ao longo dos próximos meses. Os economistas apontam a uma taxa terminal mínima de 1,5%. Se as taxas de juro voltarem a subir, significa o indesejado regresso das pressões inflacionistas. Se as taxas de juro descerem múltiplas vezes, será sinal de problemas na economia da Zona Euro, com taxas de variação negativas no PIB.

Refletindo esta perspetiva de estabilidade, as taxas interbancárias que servem de referencial para o crédito e as poupanças têm sofrido alterações pouco significativas nas últimas semanas. A Euribor a seis meses está encostada aos 2% desde maio e deverá persistir em redor deste patamar até ao final do ano. Uma perspetiva nada favorável para quem tem as poupanças em depósitos a prazo, que deverá continuar a perder dinheiro em termos reais. Mas mais agradável para quem tem crédito à habitação, pois deverá continuar a beneficiar com a redução das prestações que paga ao banco, embora a um ritmo mais lento. 

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