Portugal está prestes a viver uma das maiores transferências de riqueza da sua história recente. Nos próximos 20 anos, estima-se que mais de 300 mil milhões de euros em imóveis mudem de mãos por via sucessória. À primeira vista, parece uma oportunidade de ouro para reforçar a estabilidade das famílias. Mas será mesmo?
Este fenómeno, já apelidado por alguns de “tsunami patrimonial”, tem tudo para ser transformador — e tudo para perpetuar desigualdades. A concentração de imóveis continua a residir nas mesmas franjas populacionais, muitas vezes em zonas de elevado valor, como Lisboa ou o Porto. Herdar uma casa pode significar segurança habitacional, uma fonte de rendimento ou um problema difícil de resolver. E é aqui que o desafio começa.
A maioria dos herdeiros recebe os imóveis tarde demais — já na casa dos 50 ou 60 anos — quando os grandes encargos da vida já passaram. Além disso, muitos não têm literacia financeira suficiente para avaliar opções como arrendar, vender, reabilitar ou doar. Acresce o facto de grande parte desta herança ocorrer fora dos grandes centros, onde os imóveis têm menor liquidez e interesse de mercado. Resultado? Casas fechadas, conflitos familiares, processos legais morosos e perda de valor.
O regime de comunhão hereditária, que distribui quotas indivisas entre filhos, complica ainda mais a gestão. E se muitos imóveis forem colocados no mercado ao mesmo tempo, poderemos assistir a uma pressão descendente nos preços em zonas menos procuradas — com impacto direto na dinâmica do mercado habitacional.
A transferência de património imobiliário que se avizinha não é apenas um fenómeno económico — é um teste à nossa capacidade de planear, decidir e agir com consciência. Se continuarmos a tratar a herança como um assunto adiado, corremos o risco de transformar riqueza em desperdício. Mas se encararmos este momento com estratégia e responsabilidade, podemos transformar o “tijolo herdado” num verdadeiro alicerce para um país mais equilibrado. O futuro não se constrói apenas com ativos — constrói-se com escolhas. E esta será, sem dúvida, uma das mais determinantes.