As compras online suscitam inúmeras dúvidas quanto aos direitos dos consumidores. Pode-se devolver artigos comprados na internet? Quais são os prazos, e como comunicar a intenção? Neste artigo, explicamos-lhe o que é o direito de livre resolução e quais as regras, através de um caso prático.
Caso prático
Imaginemos a seguinte situação: A Ana adquiriu, no dia 1 de maio, um par de sapatos através de uma plataforma de comércio online, pertencente a uma empresa sediada em território português. A entrega da encomenda ocorreu no dia 4 de maio, data em que recebeu os produtos na sua residência. Após experimentar os sapatos, concluiu que não gostava do modelo e, no dia 8 de maio, contactou a empresa por correio eletrónico, manifestando a sua intenção de devolver os sapatos e solicitando o reembolso dos valores pagos. A loja, porém, recusou a devolução e o respetivo reembolso.
Enquadramento jurídico e resolução
A situação apresentada configura uma típica compra à distância, nos termos definidos pelo Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro, que regula os contratos celebrados à distância e fora do estabelecimento comercial, transpondo para a nossa ordem jurídica a Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativa aos direitos dos consumidores.
Nos contratos celebrados à distância, como é o caso das compras realizadas através da internet, a legislação portuguesa consagra expressamente o direito de livre resolução, um direito que permite ao consumidor resolver o contrato no prazo legalmente previsto, sem necessidade de apresentar qualquer justificação.
Nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, o consumidor dispõe de um prazo de 14 dias de calendário, contados a partir da data da receção do bem, para exercer esse direito. A manifestação da vontade de resolver o contrato deve ser feita através de declaração inequívoca, dirigida ao profissional, podendo ser enviada por carta, correio eletrónico, preenchimento de formulário próprio ou por qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais.
No caso em análise, Ana exerceu o seu direito de livre resolução dentro do prazo legal de 14 dias, previsto no artigo supracitado e comunicou de forma clara a sua intenção de devolver o bem. É inequívoco que o direito foi exercido tempestivamente e nos moldes legais, cumprindo todos os requisitos formais exigidos por lei.
Importa ainda sublinhar que, de acordo com o artigo 17.º do mesmo diploma, existem exceções ao exercício do direito de livre resolução, por exemplo, em relação a produtos confecionados segundo especificações do consumidor ou manifestamente personalizados, bens selados cuja devolução não seja possível por razões de proteção da saúde ou higiene ou produtos com data de validade muito curta. No entanto, nenhuma dessas exceções se aplica ao caso de Ana, uma vez que se trata de um par de sapatos sem personalização ou características impeditivas da devolução.
Conclusão
Posto isto, conclui-se que a loja não pode recusar o exercício do direito de livre resolução, nem o correspondente reembolso. A sua recusa configura uma violação clara das disposições legais em vigor.
O direito de livre resolução nos contratos celebrados à distância constitui uma salvaguarda essencial dos direitos dos consumidores na era digital, conferindo-lhes um período de reflexão que protege contra decisões precipitadas ou insatisfatórias.
Ana atuou em conformidade com a lei ao exercer o seu direito no prazo legalmente previsto. A recusa da loja em aceitar a devolução e proceder ao reembolso constitui uma violação dos seus deveres. Cabe aos consumidores conhecerem os seus direitos e exercê-los de forma informada.
Leia ainda: Dia Mundial dos Direitos do Consumidor: Quais os direitos na UE?
